Lúcio Centeno: Acordando no Alabama dos anos 50

Tempo de leitura: 3 min

Brasil:  12(6) anos de escravidão

por Lúcio Centeno, do Levante Popular da Juventude, via Facebook

Um negro livre é sequestrado nos Estados Unidos, no ano de 1841. Vendido como escravo, Soloman Northup é obrigado a trabalhar durante 12 anos nas plantações do estado da Louisiana. Vencedor do Oscar de melhor filme, 12 anos de escravidão é baseado na autobiografia de Soloman Northup, publicada em 1853, em que ele próprio registra sua saga para retomar o estatuto de homem livre, no contexto de uma sociedade escravista.

O filme do diretor Steve McQueen é uma obra feita para chocar, não é possível ficar indiferente ao assistí-lo. Assim como os personagens da trama, os espectadores são “violentados” com a história de Soloman. No entanto, a maior virtude do filme não é por ser uma representação ou uma denúncia de um período histórico, mas por sintetizar a gramática social racializada própria de sociedades coloniais, como a brasileira. 12 anos de escravidão não fala apenas sobre o regime escravista, mas sobre o racismo contemporâneo.

Soloman Northup não era um escravo, de acordo com o ordenamento jurídico de sua época. Era um homem livre, assim como os demais brancos. Em termos comportamentais vestia-se como um branco. Sabia ler e escrever, algo que uma parcela considerável dos seus contemporâneos brancos não dominava. Não realizava trabalhos braçais como os escravos, era um músico profissional.

Todos esses atributos não foram suficientes para Soloman gozar da sua condição de homem livre. Assim como outros milhares de afro-americanos livres, Soloman foi raptado e vendido como escravo, da mesma forma que seus ancestrais na África.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Vivemos em uma República democrática que celebra neste ano 126 anos da abolição da escravatura.

No entanto, 12 anos de escravidão provoca-nos a pensar sobre esta transição.

A pergunta que se impõe é:  se a condição de homem livre de Soloman não foi suficiente para que seu corpo não fosse tratado como propriedade de outrem, porque a igualdade jurídica, entre negros e brancos, afirmada em nossa constituição, asseguraria a massa negra do povo brasileiro a efetiva superação de seu antigo estatuto de sub-humanos?

Na sociedade brasileira recorrentemente emergem fatos que questionam a existência de uma igualdade jurídica entre brancos e negros, para não falar em uma igualdade ontológica (entre “humanos” e “sub-humanos”).

As reiteradas denúncias da existência de trabalhadores vivendo ainda em situação análoga à escravidão, seriam o exemplo mais óbvio dessa diferenciação.

O caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo no Rio de Janeiro, tornou-se símbolo de uma prática policial bastante difundida nas periferias brasileiras, o tribunal de rua.

A onda crescente de justiçamentos contra supostos criminosos, invariavelmente negros, acorrentados a postes, e linchados publicamente com a cumplicidade de setores da mídia.

Como não associar as fotos dessas agressões com as representações de um Pelourinho que estão em nosso imaginário sobre a escravidão?

A reação histérica frente aos Rolezinhos nos shoppings de São Paulo revelam a existência de uma nítida segregação espacial, onde a parcela negra da população só entra sob uma condição: não se fazendo visível.

Quando isso não ocorre, dormimos sob a égide do Código Civil brasileiro, e acordamos no Alabama dos anos 50.

A população negra no Brasil vive cotidianamente em uma situação de instabilidade jurídica. Sua cidadania existe é claro, mas a qualquer momento pode ser sequestrada tal como a de Soloman foi.

Nestes 126 anos de abolição da escravidão, o processo de estratificação social se complexificou cada vez mais. O desenvolvimento capitalista em nosso país não suplantou esta estrutura social racializada, pelo contrário se acoplou nela para enrijecer-se.

Não podemos correr o risco de esquecer o legado vivo da escravidão, sob pena de não interpretarmos corretamente o nosso país.

Ao escrever a sua autobiografia, após se libertar do jugo da escravidão, Soloman Northup, nos ajudou a manter a consciência sobre esse legado. Amarildo não conseguirá fazer o mesmo.

Leia também:

Urariano Mota: 12 anos de Escravidão e o Brasil


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Comentários

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Jackson Vidal

Eu fico horrorizado, com os pensamento das pessoas.
Parecem que vocês são até pior do que os homens brancos daquela época, acho
que vocês estão invisíveis a nossa sociedade.
Textos sem argumentos? Ai depois reclamam por que o Brasil ta assim, olha essas pessoas, os
comentários, meu Deus.
Pessoas como vocês que detonam nosso País e o mundo. Por isso que ainda existe preconceitos, racismo e tudo isso, por que pessoas como vocês detonam qualquer lugar (bairro, cidade, Estado, País)..
Povo hipócrita!! Sinto muito por vocês, espero que um dia vocês tenham pensamentos próprios e opiniões concretas.
Ótimo texto Lúcio Centeno

carlos lara

as pessoas tem que parar de brigar, e sim se juntar para afastar essa poluição de racismo, que querendo ou nao ainda existe.

douglas

na realidade ainda existe mto racismo ate quando isto acabara pois somos todos igual… eu tenho orgulho de ter amigos negros

Ted Tarantula

desculpem se peguei o bonde andando…mas esse pobre injustiçado não é aquele mesmo que depois de libertado, enquanto a noticia ainda estava repercutindo na mídia e redes sociais foi pego roubando novamente??
outra pergunta: ele foi pego por ser negro ou por ser ladrão???

Robinson Dias

Claro que na periferia maldades como essa até passam muitas vezes do ponto de crueldade, mas tem sido notória a afirmação da feitura da justiça pelas próprias mãos e de total descontrole social que nem mesmo a policia, igreja e a sociedade será capaz de conter se deixarmos o monstro crescer como queira.

jader

Desde quando bandido é gente?

    Paulo

    Imagina só!! até vc é gente!! ou não?????

Urbano

Sem se falar que, um segmento fascista dos trucidados de anteontem vem trucidando meio mundo de gente, de bebê a ancião, desde essa mesma época, passando por ontem e hoje numa desabalada carreira para o amanhã, quando concluirá o seu projetado holocausto mundial. Com muita sorte, sobreviverão quinhentos milhões. É bom alertar para os panacas, que fazem tietagem e/ou trabalho sujo para eles, que o grosso da oposição ao Brasil, algo em torno de 99,999%, não será poupado, também…

Fani Figueira

Esta história de “só no Brasil” já está cansando. Evidentemente o Brasil é um país racista e não apenas porque no Brasil houve escravidão. A Alemanha também é muito racista, embora lá não tivesse havido a escravidão negra. Todos nós sabemos que apesar da conquista dos direitos políticos os negros enfrentam infinitas maiores dificuldades do que os brancos para usufruir dos seus direitos. Mas toda meia verdade é apenas a metade de uma verdade e, por isso mesmo, não pode explicar a realidade. Esta idéia poderia nos levar a pensar que pouco vale lutar pela conquista dos direitos políticos. Mas Luther King, Malcom X e tantos outros, mesmo sabendo que esta conquista representava apenas uma migalha do que é necessário conquistar, dedicaram suas vidas a ela. Os negros têm maiores dificuldades, mas o problema fundamental é que são os pobres (qualquer que seja a sua cor)que têm que enfrentar um mundo dominado pelos interesses do capital. No Brasil, nos Estados Unidos, na Itália, Alemanha, etc., etc., todos os trabalhadores – brancos ou negros, imigrantes ou nacionais, católicos ou protestantes – enfrentam – e tem que enfrentar – toda sorte de discriminação de toda ordem. Não há especificidade nacional quando se trata de exploração do trabalho. Na desgraça somos todos absolutamente iguais. Obrigar-nos a determo-nos nas especificidades é mais uma grande vitória da casa grande. No Brasil a situação é a mesma da encontrada em todos os demais países capitalistas. E cada pequena conquista tem que ser encarada como conquista.

    Apavorado com a cara-de-pau humana.

    Verdade. Escreveu bem.

Alemao

Quem sabe o dia em que a esquerda parar de tentar criar inimigos invisíveis e procurar colaborar na resolução dos conflitos o Brasil poderá avançar.

    Tales-Cunha

    Inimigos invisíveis? Querido, vai se corresponder com os seus nos sites da extrema-direita e não venha mais nos perturbar com os seus textos sem argumentos.

    Alemao

    Racistas são os que vêem negros pobres, eu vejo brasileiros pobres. O objetivo deveria ser melhorar as chances dos pobres e não dos negros. Mas pelo visto não adianta tentar debater sem ser xingado, e tudo continua no mesmo bate boca de sempre sem focar na solução.

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