Guilherme Delgado: Mídia tenta forjar crise cambial, mas situação preocupa

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O dinheiro que vai from Luiz Carlos Azenha on Vimeo.

Legado de FHC: o minério de ferro de Carajás vai embora, na mesma toada do manganês da serra do Navio; aliás, Vale vai acelerar exploração, como denuncia Lúcio Flávio Pinto aqui. Imagens feitas em São Luís do Maranhão registram passagem do trem que viaja diariamente entre Carajás e o porto do Itaqui.

Com sinais preocupantes, dependência externa desnuda-se em 2013

por Guilherme Delgado, no Correio da Cidadania, em 12.12.2013, sugerido pela SecGeral do MST

A especialização primária com desindustrialização no comércio externo, acrescida de uma situação estruturalmente deficitária nas transações com “Serviços”, caminha para fechar o ano de 2013 com déficit na faixa de 75 a 80 bilhões de dólares, algo como 3,5% do PIB. Essa situação vem se deteriorando desde 2008, por meio de dois agravantes:

1) o déficit da conta de “Serviços” não para de crescer, pulando dos 50 para a faixa dos 75 bilhões de dólares do período Lula para o período Dilma, enquanto no início da década dos anos 2000 (segundo governo FHC) se situara no patamar dos 25 bilhões de dólares;

2) em adição a esse desequilíbrio estrutural, o comércio exterior de manufaturados sofre o efeito da ‘desindustrialização’, ou seja, crescentemente deixamos de exportar manufaturados para importá-los. Estima-se em 100 bilhões de dólares o déficit comercial dos manufaturados ao longo do ano de 2013

Essa situação de déficits seguidos e crescentes nas transações externas está bem documentada empiricamente, já não pode ser escondida mediante discurso escapista, mas precisa ser interpretada. É algo assim como o diagnóstico de uma aurora ou de um ocaso, que o observador experiente não confundirá, bastando saber ler a posição do Sol e a disposição dos raios solares.

Mas identificados objetivamente os sinais do tempo e constatada a presença de uma aurora ou de um ocaso (independente da posição ideológica do observador), variam enormemente os significados do tempo sobre o devir, na percepção e avaliação dos sujeitos observadores.

Dois fenômenos também fartamente documentados do ponto de vista empírico se cruzaram neste ano corrente: a forte concentração de bens primários na exportação (‘reprimarização’ do comércio externo) e a fuga dos produtos manufaturados das exportações, trocando de posição para as importações – a desindustrialização das exportações. E pela primeira vez desde 1995-99, quando a Balança Comercial foi seguidamente negativa, poderemos ter uma situação similar em 2013.

Mas a conta da moeda estrangeira não fecha somente com comércio de mercadorias, daí porque o tamanho do déficit de Serviços torna-se preocupante, porque precisa ser financiado com recursos externos. Esses recursos externos (capitais estrangeiros) acumulam-se na economia, gerando passivos externos, principalmente as rendas do capital, geradoras de novos déficits na Conta de Serviços.

Essa bola de neve, quando claramente insolvente, caminha para uma crise cambial, como a que tivemos em 1999.

A solução para a crise externa de l999, que foi a de conduzir o sistema econômico para a via primário-exportadora, seguida de seu irmão siamês, qual seja, a desindustrialização do comércio externo, não resolve o desequilíbrio externo. Isto agora está meridianamente claro.

O problema maior está na leitura que o sistema conservador ora faz do sentido de sair da crise cambial que se desenharia, com a repetição do último triênio (2010/2013) por mais outro. Parece que se volta a apostar no aprofundamento da exploração das “commodities’ do setor primário, especialmente do petróleo, cujos ritmos de produção precisariam experimentar superexploração em médio prazo para dar solvência à dependência externa.

A conjuntura atual desenha certa reversão cíclica dos preços externos de produtos minerais, exceto petróleo, agrícolas e pecuários, algo que é normal na história econômica, mas que virou um problema fundamental para a economia brasileira, dado o caminho estruturado na última década.

Temos algum tempo para resolver os dilemas do presente. A eleição de 2014 não será igual à de 1998, quando a mídia sistematicamente escondeu a crise cambial para não prejudicar a reeleição do presidente Fernando Henrique. Agora ao contrário, tenta-se forjar uma crise cambial iminente, que não é verdadeira.

Mas é infelizmente uma meia-verdade, tecida pelo casamento infeliz da ‘reprimarização’ com a desindustrialização do comércio externo, processos que não são apenas fenômenos empíricos, mas estruturas perversas da economia política do subdesenvolvimento, recuperadas depois de 1999, mas que precisam ser reformadas em profundidade.

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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Comentários

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Maria Helena

Observo aqui que o articulista, bem como a maioria dos comentaristas, faz uma análise do presente e das curvas de tendência (do passado até hoje). Como se o governo não tivesse capacidade de intervir nas mesmas. Capacidade, vontade política e efetivo combate a essas tendências, porque esses diagnósticos já foram assimilados. Como assim? Se parassem de ler apenas o Globo e a Folha teriam informações sobre o tremendo investimento que está acontecendo em capacitação de uma população que até ontem era marginal aos processos econômicos. Em programas de incentivo à pesquisa, à criação tecnológica, à agregação de valor. Tudo isso tentando seduzir as empresas, principalmente pequenas e médias – porque as grandes preferem colocar seus ganhos sem risco no mercado financeiro – para formar parcerias. O investimento em educação, seja para o trabalho, seja para o próprio benefício do cidadão, demanda um tempo de maturação. Mesmo assim, já existem alguns resultados concretos que, infelizmente, a imprensa comercial faz questão de ocultar.

Paulo

Até que fim um texto realista sobre nossa economia. é engraçado o autor criticar a “primarização” do governo FHC, e não falar quase nada do mesmo fenomeno durante os governos petistas. Graças a política de cambio fixo DE FACTO, que sobrevaloriza nossa moeda, a industria brasileira perdeu participação no PIB brasileiro desdea chegada de Lula (35% para 20%). Essa verdade precisa ser bem esclarecida.

Outra ironia do texto é relacionada aos investimento estrangeiro. Tal amaldiçoado pelos petistas… mas deveriam agradecer aos finacistas internacionais que ainda colocam dinehiro por aqui, pois são eles que finaciam nosso deficit em transações correntes (-3,5& do PIB).

Petistas acordem , saiam do mundo de ilusões que voces se encontram… ainda temos tempo de salvar o país …

Leandro

É realmente difícil desse jeito. Enquanto certas pessoas ficarem no pensamento binário “a la Bush Jr.”: quem não está conosco é contra nós, nunca vai mudar nada. Qualquer crítica já é vista como atitude de golpistas. Engraçado também como esse tipo de pensamento justificava coisas absurdas em 1964 (“conspiradores”, “anarquistas”, etc. etc.)… tsc tsc tsc. Tosco – como disseram outros.

Mário SF Alves

Governo da República Federativa do Brasil? Até quando?
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Tá chegando a hora de um governo do Brasil. Êpa! Mas, isso já não ocorreu em 64? E adiantou no quê? Se nem o Estatuto da Terra, elaborado sob encomenda dos generais de plantão, eles, apoiados pelos esteites, e com tamanho poder, conseguiram tirar da gaveta.
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Talvez um governo dos brasileiros e brasileiras, quem sabe? Não. Nem isso; Lembra demais o Sarney.

Mário SF Alves

Êba! Parece que essa se tornou a página do blog campeã de críticas ao governo.
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E não à toa alguém postou isso:

“Até que enfim! Achava que esses blogs e sites ditos de esquerda sempre iriam louvar a balança comercial brasileira. Em certos outros sites, santo pai, só há elogios! A ânsia de combater a monopolização dos meios de comunicação cegou certos jornalistas a ponto de combater e contra-argumentar tudo o que vem de lá.”
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Gozado… vocês armam a crise ao enfiar goela abaixo a solução [catastrófica] que interessava unicamente à ideologia de vocês e a gente é que paga o pato? Assim não dá, assim não pode.

FrancoAtirador

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A verdade é que o FED dá um pum lá nos States,

e fede tanto aqui no BraZil, que o BACEN sufoca.
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Mariza

DILMA 2014 com muito orgulho. Não acredito nessas crises, serão apenas marolinhas. DILMA/LULA, ELES SABEM O QUE FAZER. CONFIO NELES.Minha vida e da minha família vai cada vez melhor. Temos renda de fato. Estamos felizes, isso basta. ADEUS TUCANADA, VOCÊS NO COMANDO DA NAÇÃO NUNCA MAIS.

    Mauro Assis

    Mariza,
    O mundo não vai acabar por estarmos submetidos à incompetência e arrogância de D Dilma.
    O que acontece é que poderia estar muito melhor. Basta dizer que somos último país em termos de crescimento entre os países emergentes, o índice de analfabetos cresceu no último ano, a industrialização só faz cair etc (como se vê no texto acima).
    Será que a única alternativa seria a volta do PSDB? Será também que o PSDB é o mesmo partido de 10 anos atrás?
    Eu que esse clima de “fla-flu”, ou somos nós ou eles só interessa a quem não quer que as coias mudem para melhor.

    Mário SF Alves

    Vou com você, Mariza. Em 2014 é a nossa Dilma, de novo.
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    Vamos vencer mais essa marolinha, e isso, eles, os do contra, hão de ver.

    Paulo

    Mariza, entendo sua gratidão aos governos petistas. Mas saiba que estas mesmas pessoas estão destruindo nossa economia. Os problemas relatados nesse artigo somente são a ponta do icerberg de uma multidão de problemas econômicos que vão explodir cedo ou tarde. Vamos ver se dona Dilma conseguirá mascarálos até as eleiçoes… de qualquer forma, em 2015 vai ser difícil, o bicho vai pegar!!!

Cartel de pobres

Importamos até escovinha de privada. A indústria de confecção é pura importação. A de calçados também.

    Mauro Assis

    É, amigo, deste jeito daqui a pouco estaremos como estávamos no início do governo Geisel: importando até manteiga!

    Mário SF Alves

    E os penicos? Já viu a montanha de penicos importados?

Cartel de pobres

E os empresários brasileiros altamente competitivos e criativos, com benesses estatais, chantagearam e foram pra China.

Mas não puderam competir lá, e estão voltando e pedindo arrego de subsídios.

Melhor o governo atacar as contas estatais e os altos salários. E economizar em tudo.

    Mauro Assis

    Amigo, o empresário que brasileiro foi prá China produzir não enfrente competição lá. Ele simplesmente levou os empregos prá lá mas o mercado dele é cá, entendeu? A nossa mão de obra é cara e ineficiente. A chinesa também não é lá essas coisas, mas pelo menos custa menos.

ricardo silveira

Nunca se importou tanto, até porque nunca se teve tanta renda. O governo diminuiu os juros mas os empresários preferiram pressionar para subirem os juros, novamente, para continuar não investindo e acumulando por meio de juros. Mas como controlam a mídia canalha, a culpa é sempre do governo. Parece que todo avanço que se consegue é a custa de ceder os anéis. Se deixar o tal mercado ditar as regras vence o capital em detrimento do trabalho, nada é novo, e enfrentar o capital financeiro, as grandes corporações precisa de organização, de determinação das lideranças políticas com poder de estado, de população politizada, e de uma mídia, no mínimo, honesta. Não temos nada disso.

    Mauro Assis

    É só trocar o povo, a mídia, os empresários e os políticos? Então tá fácil… :)

Vinicius Garcia

Gostei de ler este artigo, posto que mostra preocupação com alguns rumos tomados e dá certas direções a serem seguidas, diferente de algumas críticas de oposicionistas, que só descem a lenha sem nortear resoluções.

    Mauro Assis

    Vinícius,

    E vc acha que os governantes não sabem o que está acontecendo? O que os impede de agir é a ideologia de esquerda, que fez com que eles levassem 10 ANOS para entender que privatização (ops, concessão!) de serviços não essenciais é o caminho, por exemplo. Aí eles agora estão fazendo, mas com o nariz tapado, assim sabe, com nojinho…

    Ainda ontem D Dilma estava falando em construir 800 AEROPORTOS com dinheiro público. Esse ano ela resolveu vender parte de uma meia dúzia, mas mantendo a Infraerossauro no controle, quer dizer: dinheiro do BNDES na mão dos empresários privados a juros camaradas e a responsabilidade e comando do abacaxi na mão do aerotecas.

    Problema não: quem sabe se com mais 10 anos no poder eles aprendem?

Mauro Assis

A referência ao legado de FHC antes do texto do economista é uma tentativa de dividir com o PSDB a lambança em que nos metemos após dez anos de desgoverno petista?

Tosco, tosco, muito tosco…

    Leandro

    Mauro, corroborando para seu comentário, veja os dados abaixo e compare a relação exportações/importações em 1996 e 2010.

    Obs: não sou, nem de longe, defensor do PSDB – e já votei no PT várias vezes, com direito de usar boné, adesivos, estrelinhas e tudo mais.

    Dados do Comércio Exterior:
    Série Histórica: 1996 a 2010:
    http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1295373419.xls

    Relação Exportações / Importações em 1996
    Indústria de alta tecnologia (I) 0,20
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 0,53
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 1,42
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 2,44
    Produtos não industriais 0,94

    Relação Exportações / Importações em 2011
    Indústria de alta tecnologia (I) 0,24
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 0,45
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 0,90
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 3,40
    Produtos não industriais 3,45

    Importações em 1996 – US$ milhões FOB:
    Indústria de alta tecnologia (I) 10.422
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 20.624
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 6.920
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 7.046
    Produtos não industriais 8.334

    Exportações em 1996 – US$ milhões FOB:
    Indústria de alta tecnologia (I) 2.042
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 10.897
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 9.807
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 17.176
    Produtos não industriais 7.824

    Janeiro-Dezembro 2011
    http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1326990507.xlsx
    Importações em 2011 – US$ milhões FOB:
    Indústria de alta tecnologia (I) 39.947
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 94.627
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 43.664
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 18.161
    Produtos não industriais 29.844

    Exportações em 2011 – US$ milhões FOB:
    Indústria de alta tecnologia (I) 9.538
    Indústria de média-alta tecnologia (II) 42.784
    Indústria de média-baixa tecnologia (III) 39.094
    Indústria de baixa tecnologia (IV) 61.754
    Produtos não industriais 102.870

    Ver também:
    Balança comercial de indústria de média e alta tecnologia tem pior déficit em 22 anos
    Valor Econômico – 15 de abril de 2011

    Mauro Assis

    Eu também não estou defendendo o PSDB. Só acho que 10 anos de governo já dá para mostrar uma tendência clara: caminhamos rumo à irrelevância como produtores industriais. Como sempre fomos irrelevantes na produção de conhecimento (o que realmente tem valor na sociedade pós industrial) nos resta só a agropecuária e outros produtos primários. Ainda hoje li que o município de Sorriso DOBROU a renda em um ano graças à produção agrícola. Isso APESAR dos nossos governantes.

    Ainda bem que a Vale tá vendendo o minério cada vez mais depressa, quem
    sabe se quando ele acabar a gente não percebe que caiu do Berço Esplêndido?

leandro

Não temos infraestrutura para baratear a produção, temos um sistema tributário caótico, uma carga tributária européia e serviços públicos africanos e a culpa é do minério de carajás? Se não fosse o agronegócio e a exportação de commodities já tínhamos fechado as portas

    eduardo

    Mas essa lógica de depender dos setores primários é umas das razões pelas quais o Brasil é tão problemático. Isso que é preciso entender. Enquanto formos reféns da “soja e seus semelhantes”, do agronegócio que pouco emprega e que está nas mãos de grandes corporações do setor, a tendência é que soframos do mesmo mal ad infinitum.

    Bom lembrar que o setor é muito subsidiado pelo Estado, que jorra rios de dinheiro para o latifúndio e o círculo vicioso continua: concentração de renda, simbolicamente ainda somos reféns de uma elite mesquinha (a agrária, sim!), e por aí vai…

    Mauro Assis

    Amigo, de que forma o governo subsidia a produção agrícola em grande escala??? Vai por mim, os únicos subsídios agrícolas que existem no Brasil vão para a agricultura familiar. Nem discuto se deve haver esse tipo de subsídio ou não, mas o que o setor agrícola quer é infraestrutura, obrigação do governo pelos impostos que pagamos. Não tem cabimento em pleno século XXI um país não dar conta de armazenar a sua produção agrícola! O ser humano guarda grãos desde que desceu da árvore, mas aqui no Brasil eles continuam se perdendo…

    E quanto a “depender” de produtos primários: ainda bem que desde o Plano Real a gente pode depender destes! O que vc acha que a gente pode produzir no lugar? Cinema? Software? Tecnologia médica? Pesquisar genéticas? Analfabeto não sabe fazer essas coisas, amigo, e a gente de uns tempos prá cá tem aumentado a nossa mão de obra iletrada…

    sagarana

    Os ventos mudaram, o sonho acabou e o pior cego é o que não ouve!

    Mário SF Alves

    Aleluia, aleluia, aleluia…
    ___________________________
    Em dois mil e catorze, anote aí, Sagarana, é a presidenta Dilma. De novo.
    ____________________________________
    Sinto desapontar. E, não leva a mal não, hein?

Leandro

Até que enfim! Achava que esses blogs e sites ditos de esquerda sempre iriam louvar a balança comercial brasileira. Em certos outros sites, santo pai, só há elogios! A ânsia de combater a monopolização dos meios de comunicação cegou certos jornalistas a ponto de combater e contra-argumentar tudo o que vem de lá.

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