Guardian: Os imigrantes que morreram no mar

Tempo de leitura: 4 min

09/05/2011 – 09h16

Otan investiga acusação de que deixou dezenas morrerem em barco

A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) afirmou nesta segunda-feira que vai investigar a denúncia feita pelo jornal britânico “The Guardian” de que rejeitou os pedidos de socorro de um navio que levava imigrantes africanos da Líbia para a ilha italiana de Lampedusa. Segundo o jornal, que cita testemunhas, ao menos 62 pessoas morreram de sede e fome.

O “Guardian” afirma que o barco levava 72 pessoas, incluindo várias mulheres, crianças e refugiados políticos. Ele teve problemas pouco depois de deixar Trípoli, em 25 de março, rumo à Lampedusa, ilha italiana que sofre com o fluxo de dezenas de milhares de refugiados do norte da África desde a onda de revoltas que varreu a região.

A tripulação do barco enviou um alerta à Guarda Costeira italiana e tentou contato com um helicóptero militar e um barco da Otan, mas nenhum esforço de resgate foi feito.

Apenas dez dos tripulantes sobreviveram aos 16 dias à deriva no mar Mediterrâneo, afirma o jornal britânico.

“Nós estamos investigando as alegações do Guardian. Eu espero ter uma resposta em breve”, disse a porta-voz da Otan, Carmen Romero. “Os veleiros da Otan estão conscientes de suas responsabilidades a respeito da lei marítima internacional sobre a segurança das pessoas no mar”.

A lei marítima internacional obriga todos os barcos, incluindo os militares, a atender chamados de socorro dos barcos que se encontram nas proximidades e prestar auxílio.

A reportagem do “Guardian” cita sobreviventes e outras pessoas que entraram em contato com os passageiros do barco. Segundo o jornal, havia 47 etíopes, sete nigerianos, sete eritreus, seis ganenses e cinco sudaneses. Destes, 20 eram mulheres e dois eram crianças, incluindo um bebê de um ano.

O capitão do barco, um ganense, rumava a Lampedusa, 290 km ao noroeste de Trípoli, mas depois de 18 horas teve problemas e começou a perder combustível.

Os imigrantes usaram um telefone via satélite para ligar para Moses Zerai, um padre eritreu em Roma que comanda a organização de direitos dos refugiados Habeshia. Ele então contatou a Guarda Costeira italiana.

Segundo o “Guardian”, o barco foi localizado a cerca de 97 km da costa de Trípoli e a Guarda Costeira garantiu a Zerai que um alerta fora enviado.

O jornal diz ainda que um helicóptero militar com a palavra “Exército” na fuselagem logo apareceu acima da embarcação. Os pilotos, que usavam trajes militares, deixaram água e pacotes de biscoito no barco e gesticularam aos passageiros que ficariam até que um barco de resgate aparecesse.

O helicóptero, contudo, foi embora e a ajuda nunca chegou.

Dias depois, em 29 ou 30 de março, o barco se aproximou de um porta-aviões da Otan. Segundo o relato dos sobreviventes, dois jatos sobrevoaram a embarcação, enquanto eles seguravam as duas crianças para o alto.

Nenhuma ajuda veio e os passageiros começaram a morrer um a um. “Cada manhã, ao acordarmos, encontrávamos mais mortos, que deixávamos a bordo vinte e quatro horas antes de jogá-los no mar”, relatou ao jornal Abu Kurke, um dos sobreviventes.

Em 10 de abril, o barco chegou à cidade líbia de Zlitan, perto de Misrata, com apenas 11 pessoas vivas. Um deles, contudo, morreu quase imediatamente depois de chegar em terra firme.

FRANCÊS

O “Guardian” diz que após extensa investigação descobriu que o porta-aviões é provavelmente o francês Charles de Gaulle, que estava operando no Mediterrâneo.

O Charles de Gaulle faz parte da operação internacional da Líbia, mas não está sob comando direto da Otan.

A porta-voz da aliança disse que o único porta-aviões que faz parte da operação na Líbia é um italiano.

Ela disse ainda que, nas noites de 26 e 27 de março, várias unidades da Otan estavam envolvidas no resgate de mais de 500 pessoas em dois veleiros com imigrantes em uma área a 28 km ao norte de Trípoli.

“As pessoas resgatadas foram transferidas para Lampedusa com a ajuda das autoridades italianas”, disse.

CRISE HUMANITÁRIA

Cerca de 25 mil fugiram para a pequena ilha italiana de Lampedusa, que fica mais perto do norte da África do que da Itália continental. A ilha tem apenas 5.000 habitantes e nenhuma estrutura para abrigar tantos refugiados.

O governo italiano alegou que não tinha como acolher tanta gente e que temia a vinda de 1,5 milhão para suas terras com a queda sucessiva de ditadores no continente vizinho.

Pelas regras da União Europeia (UE), os imigrantes têm de ficar no país em que aportaram até que sejam devolvidos a seus locais de origem ou que seja concedido asilo ou visto.

Berlusconi apelou por ajuda dos demais membros do bloco europeu, mas não obteve resposta e resolveu conceder documentos temporários de permanência, o que permite a imigrantes circular pelos países signatários do Tratado de Schengen.

A decisão levou a reações duras dos vizinhos, que temiam “adotar” o problema italiano, principalmente da França, destino preferencial dos tunisianos.

Há duas semanas, a França chegou a bloquear por meio dia o tráfego de trens com a Itália para impedir a entrada desses tunisianos recém-documentados. O país alegou “razões de ordem pública” e disse que eles só poderiam entrar se comprovarem ter condições financeiras de se sustentar.

Na semana passada, Itália e França decidiram em conjunto pedir que a União Europeia rediscuta o tratado que permite a livre circulação de pessoas entre 25 países do continente.

Conhecido como Tratado de Schengen (cidade em Luxemburgo onde foi assinado), o acordo é um dos pilares da UE, abolindo na prática as fronteiras internas entre os países signatários –qualquer um viaja sem a necessidade de passaporte ou visto.

Agora, os dois países falam em retornar o controle fronteiriço em “circunstâncias excepcionais”.

Leia aqui o alerta que o professor Reginaldo Nasser fez, em entrevista ao Viomundo: Revolta da rua árabe vai chegar ao solo europeu


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Comentários

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Julio Silveira

Se ficar comprovado que foi o navio frances que ignorou as pessoas até a morte este país não deveria merecer do Brasil qualquer consideração em futuros negocios internacionais, se confirgurará num povo sem principios.

    ratusnatus

    julio, vc é brasileiro. Vive num país com uma das maiores desigualdades do mundo. Um verdadeiro Apartheid social.

    Como vc acha que os franceses o veem?

SILOÉ -RJ

O que aconteceu com os imigrantes no mar, não será diferente com os conseguiram ficar em terra. Chegando a Lampeduza, ou ficando na África, o destino será o mesmo.
É só uma questão de tempo.

Jair

"O que a África é hoje, um punhado de países mal criados e mal divididos, é fruto do colonialismo europeu."

Hummm

E antes do "colonialismo europeu", o que existia lá?

???????????????????????????????

    Lucas

    Povos independentes. Alguns guerreiros, alguns mercadores, alguns muçulmanos, a maior parte com religião própria. No Oeste Africano haviam grandes reinos islâmicos ricos e poderosos que monopolizavam o comércio transaariano, e eram famosos por sua riqueza. Na Etiópia havia (e em certa medida ainda há) uma das culturas mais antigas e mais ricas da humanidade. No Egito também. Os reinos bérberes botavam medo nos Europeus mediterrâneos. Seus corsários, com apoio Otomano, contestavam o Mediterrâneo para o Islão. No leste da África haviam algumas feitorias de reinos árabes.

    No resto, vários reinos, tribos e cidades-estados, mais ou menos "civilizados" no sentido europeu do termo. Alguns famosos, como o Califado de Sokoto, os Zulu, e os Swahili, outros nem tantos. A maior parte, é claro, foram ou destruídos ou espoliados pelo colonialismo europeu, pior tragédia da história da humanidade.

zé de BH

O que a África é hoje, um punhado de países mal criados e mal divididos, é fruto do colonialismo europeu. Não é de surpreender que os africanos corram atrás do que imaginam que seus colonizadores mostraram ter em seus países. Se o mundo ocidental rico não der um jeito de mudar sua visão sobre a África, e der aos africanos condições de continuar vivendo por lá, eles vão seguir fugindo das atrocidades, da miséria e da falta de futuro com as quais são obrigados a conviver em seus lugares de origem.
Quanto a deixar que algumas dezenas de gente preta morra de sede e fome no meio do mar, enquanto se tem que trabalhar fundo pra manter uma guerra, ah!, que problema tem nisto?

João

Cadê o caráter humanitário que foi usado para que a OTAN conseguisse a zona "no fly"??

E depois tem idiotas (inclusive por aqui, quem sabe trolls) que acreditam que a OTAN foi à Líbia para derrubar Kadafi e colocar um governo "democrático" no seu lugar….

Marcelo de Matos

Quando leio sobre refugiados, além do fotógrafo Sebastião Salgado, lembro-me das palavras de Victor Hugo em "Trabalhadores do Mar": "Os vulcões arrojam pedras, as revoluções homens. Espalham-se famílias a grandes distâncias, deslocam-se os destinos, separam-se os grupos dispersos às migalhas; cai gente das nuvens… Vi um dia uma pobre moita de ervas atirada aos ares pela explosão de uma mina. A Revolução Francesa, mais do que nenhuma explosão, fez desses jatos longínquos."

Marcelo de Matos

Sessenta e seis anos após o término da 2ª Guerra Mundial, continuam a editar livros sobre os horrores do nazismo. Estou acabando de ler um: "O menino do pijama listrado". Está correto: os nazistas foram cruéis na Segunda Guerra, mas, crueldade é a tônica predominante em qualquer guerra. Nem precisa ser guerra: basta uma revolta de rua como essas que estão ocorrendo no mundo árabe. O fotógrafo Sebastião Salgado notabilizou-se com suas fotos de refugiados. Acho que ele até parou de fotografar porque, a essas alturas, nem haveria filme para documentar tanta barbárie.

Maria Dirce

Depois o Osama é o mais bárbaro terrorista!!!!! e a OTAN que nome daremos a essa barbárie? invadem a Líbia destróem o país matam crianças, e deixam imigrantes a deriva esperando a morte com o maior sadismo!!!mas no império decadente quem é terrorista é o Osama. O ministro do Irã diz que tem provas contundentes que ele morreu faz tempo de doença.

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