Emiliano José: Não morder a isca

Tempo de leitura: 4 min

Não morder a isca

por Emiliano José, em 25 de março de 2011 às 10:01h, na Carta Capital

Antes que fossem concluídos os 30 dias do governo Dilma, estabeleceu-se, em alguns órgãos da mídia hegemônica, um curioso debate em torno da personalidade da presidenta, descoberta agora como uma mulher decidida, capaz, com um estilo próprio, e simultaneamente, o discurso de que ela rompia com o estilo Lula, e que isso seria muito positivo. Deixava sempre trair o profundo preconceito contra Lula, pela comparação entre uma presidenta letrada (que cumprimenta em inglês a secretária Hillary Clinton…) e o outro, com seu português, essa língua desprezível. Não se sabe se seriam esquizofrenias da mídia hegemônica, ou táticas confluentes destinadas a diminuir o extraordinário legado do presidente-operário e a camuflar a continuidade de um mesmo projeto político.

Não custa tentar avaliar essa operação. Durante a campanha, a mídia seguiu a orientação de que Dilma era uma teleguiada, incapaz de pensar por conta própria. No governo, como era inexperiente, seria manipulada por Lula. Bem, ocorre que foi eleita. O que fazer diante da esfinge? Nos primeiros momentos, cobra que ela fale o tanto que Lula falava. Dilma, que tem estilo próprio, ao contrário do que a mídia dizia, seguia adiante, sem subordinar-se às cobranças. Toca o governo com toda firmeza, que é o que importa. Não se rende às expectativas midiáticas, sinal de uma personalidade forte, muito distante da figura de fácil manipulação que se tentou esculpir antes.

As coisas estão no mundo, minha nega, só é preciso entendê-las, é Paulinho da Viola. A mídia não raramente passa batida diante das coisas que estão no mundo. Ou tenta dar a interpretação que lhe interessa sobre a realidade já que de há muito se superou a idéia de um jornalismo objetivo e imparcial por parte de nossa mídia hegemônica. Todo o esforço para separar Lula e Dilma é inútil. Parece óbvio isso. Mas, não para a mídia. Ela prossegue em sua luta para isso. Lula e Dilma, e lá vamos nós com obviedades novamente, são diferentes. Personalidades diversas. E o estilo de um e de outro naturalmente não são os mesmos. O que não se pode ignorar é que Dilma dá continuidade ao projeto político transformador iniciado com a posse de Lula em 2003. Essa é a questão essencial.

Dilma seguirá com as políticas destinadas a superar a miséria no Brasil, tal e qual o fez Lula nos seus oito anos de mandato, coisa que até os adversários reconhecem, e o fazem porque as evidências são impressionantes. Mexeu-se para melhor na vida de mais de 60 milhões de pessoas, aquelas que saíram da miséria absoluta e as que ascenderam à classe média. Agora, a presidenta pretende aprofundar esse caminho, ao situar como principal objetivo de seu mandato combater a miséria absoluta que ainda afeta tantas pessoas no Brasil. Essa é a principal marca de esquerda desse projeto: perseguir a idéia de que é possível construir, pela ação do Estado, um país mais justo, que seja capaz de estabelecer patamares dignos de existência para a maioria da população. O desenvolvimento tem como centro a distribuição de renda, e o crescimento econômico deve estar a serviço disso. Aqui se encontram Dilma e Lula. O resto é procurar pêlo em ovo.

A terrorista cantada em prosa e verso pela mídia durante a campanha virou agora a heroína dos direitos humanos, e nós saudamos a chegada da mídia na defesa dos direitos humanos quando se trata de outros países. Que maravilha, do ponto de vista de pessoas que amargaram tortura e prisão no Brasil, ver a presidenta recebendo as Mães da Praça de Maio na Argentina e se emocionando com elas. E condenando qualquer tipo de violação dos direitos humanos no mundo.

No caso da mídia, seria muito positivo que ela também apoiasse a instalação da Comissão da Verdade para apurar a impressionante violação dos direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar. Foi Lula que encaminhou o projeto da Comissão da Verdade, apoiando proposta do então ministro Paulo Vannuchi. As últimas eleições consagraram o projeto político desse novo Brasil que começou em 2003. Dilma está sabendo honrar a confiança que foi depositada nela, uma digna sucessora de Lula.

A mídia não descansará em seus objetivos. O de agora é o de tentar desconstruir Lula, tarefa que, cá pra nós, é pra lá de inútil pela força não apenas do carisma extraordinário do ex-presidente operário, mas pelo significado real das políticas que ele conseguiu levar a cabo, mudando o Brasil pra valer. Com esse objetivo, a desconstrução de Lula, elogia Dilma e destrata Lula. Este, naturalmente, não está nem aí. Sabe que a mídia hegemônica nunca gostou dele, nunca vai gostar. Ele é uma afronta às classes conservadoras, às quais a mídia hegemônica pertence. A existência dele como o mais extraordinário presidente de nossa história afronta a consciência conservadora. Ele seguirá seu caminho de militante político, cujos compromissos políticos sempre estiveram vinculados ao povo brasileiro, às classes trabalhadoras de modo especial, às multidões.

O segundo passo, mesmo que não consiga nada com o primeiro, que seria desconstruir Lula, será o de vir pra cima da presidenta, que ninguém se engane. Nós não temos o direito de nos iludir. As classes conservadoras mais retrógradas não podem aceitar um projeto como este que vem sendo levado a cabo desde 2003, quando Lula assumiu. A mídia hegemônica integra as classes conservadoras, é a intérprete mais fiel delas. Por isso, não cabe a ninguém morder essa isca. As diferenças de estilo entre Lula e Dilma são positivas. E é evidente que uma nova conjuntura, inclusive no plano mundial, reclama medidas diferentes, embora, como óbvio para quem quer enxergar as coisas, dentro de um mesmo projeto global de mudanças do País, sobretudo com a mesma idéia central de acabar com a miséria extrema em nossa terra. O povo brasileiro sabe o quanto recolheu de positivo do governo Lula. E tem consciência de que estamos no mesmo rumo sob a direção da presidenta Dilma. Viva Lula. Viva Dilma.

Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)


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Comentários

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A Frente Parlamentar, o governo Dilma, o FUST e a mídia | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] O deputado Emiliano José voltou a dizer, conforme já havia escrito em artigo publicado pela CartaCapital e reproduzido aqui, que o namoro do PIG com o governo Dilma tem data para terminar: depois que forem concluídas as tentativas de desconstruir a imagem de Lula. […]

BETINHO DUARTE

Nação brasileira,
Vamos intensificar nossas ações em âmbito nacional e internacional visando a aprovação do Projeto de Lei nº7376/2010, que cria a COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE.
A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE terá como finalidade examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticados durante as ditaduras a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica.
PARTICIPE DESSA CAMPANHA. ENTRE EM CONTATO COM OS DEPUTADOS FEDERAIS E SENADORES E EXIJA A APROVAÇÃO URGENTE DO PL 7376/2010.
VAMOS FAZER UMA CORRENTE EM NOME DA VERDADE ,DA PAZ E DA JUSTIÇA.
" QUEM ESQUECE O PASSADO ESTÁ CONDENADO A REPETI-LO" Leon Bloy

FrancoAtirador

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Dilma parece uma encantadora de serpentes.

Só quero ver quando ela parar de tocar a flauta.
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Klaus

Se há uma operação em curso, não é da mídia aderindo a Dilma, mas desta que mudou, como, aliás, muitos aqui nos cometários condenam. Desta forma, ao invés de satanizar mais uma vez a mídia, por que não procuram verificar as diferenças entre a Dilma que vcs elegeram e esta que se apresenta. A mídia não seria tão elogiosa à presidenta se ela realmente não fosse diferente, para melhor, que o antecessor.

Silvio I

Não se enganem com a Presidenta Dilma. Ela sabe muito bem o que tem entre mãos. Não devemos esquecer sua origem.Não podemos duvidar, nem um momento de seu patriotismo.Já que ofertou sua vida a pátria, em momentos que ela estava em perigo.Ademais não enxerga quem e cego, o não quer ver.O governo Lula ,deve provavelmente um 65 % de sua popularidade, a partir do momento que ela, se fez cargo da casa civil. Política com maiúscula e o arte do possível. Em quanto a Lula a imprensa pode dizer o que quiser. Este povo não esquece nem Vargas, nem JK,e não vai a esquecer jamais a Lula. Lula já entrou para a historia do Brasil.

mario

Pois é, por isso o programa deveria se chamar "Requenta".

Bernardino

A dona DILMA já mordeu a Isca,Esse deputado ao estilo PT esta fazendo exercicio de Auto -engano,ate a soberania nacional foi ao brejo.Vide visita frouxo Obama!!Há um dito que diz:Cesteiro que faz um Cesto,faz um CENTO.Ela tem o passado de traira no PDT gaucho e vindo de origem Cigana(Bulgaria)todo cuidado é pouco,meus caros internautas!!

    David

    Típico, seu comentário é bem típico… E se ela fosse de origem Cigana, qual seria o problema? Escuta o blog dos racistas, homofóbicos e preconceituosos é em outro canal… Aqui não!

Morvan

Bom dia.
Já me reportei a este assunto, em outro tópico.
Tenho uma visão que não me dá, como diz o próprio articulista, "o direito de me iludir".
Após esta fase de enamoração da mídia e a presumível correspondência da Presidente, a direita brasileira virá com a faca nos dentes para cima de Dilma, independentemente do que ela porventura obtiver com relação ao ou contra o estadista Lula. Lembra-se daquela fábula da tartaruga e do escorpião? Pois é; não se pode mudar a natureza das coisas…
Parabéns ao autor do texto, pela envergadura de suas ideias e pela coragem de nos apresentar tema tão caro, porém, delicado de discutir.
Só mais uma coisa: além de não termos o direito de nos entregar a devaneios, também somos obrigados a ter senso crítico, ir além do nosso "wishful thinking".

Morvan, Usuário #433640.

Durval dos Santos

E quem foi que disse que a própria Dilma não está "mordendo a isca" da velha mídia?

Todos nós vemos indícios preocupantes nesse início de governo. Não estaria a própria Dilma tentando "corresponder às expectativas" da mídia oligárquica?

Marcio

Ah se tudo fosse tão simples. Será que o povo se lembrará das políticas do Lula, em caso de situações críticas que podem vir? Será que o bombardeio diário não influenciará a percepção da nossa gente? Será que …….

    Luana

    Fico feliz por fazer uma observação assim, ou seja, a de que agora Dilma é tudo e tenta criar desentendimentos entre Lula e ela e, depois, próximo a 2014, tentar destrui-la.

    Roberto Locatelli

    Muito bem observado, Marcio. O PT tem essa mania de achar que tudo se resolve com carisma, ações justas e boa-vontade. E não é assim, não. É preciso organizar os trabalhadores, fortalecer sindicatos, associações.

    Só lembrando: o povo italiano elegeu Berlusconi.

Gerson Carneiro

Acontece o seguinte também: o grupo detentor da velha mídia não é tolo, e deseja ardentemente estar lado a lado com o Poder. E percebeu que não só o projeto da oposição para alcançar o poder fracassou como a própria oposição fracassou. O DEM está aos cacos (cada um por si e o diabo com todos); o PSDB não passa de um clube das vaidades (clube dos quatro, FHC, Alckmin, Serra, Aércio Neves) que não vai para lugar nenhum; o PV também embarca no mesmo beco sem saída, então não restou outra alternativa para a velha mídia senão tentar se aproximar da Dilma fingindo que a "Dilma é outra Dilma, uma Dilma diferente daquela que eu conheci", como disse Hebe Camargo, e eu pude ler telepaticamente "…daquela que conheci ao lado do traste do Lula".

Observem o quanto patético é o esforço da velha mídia para enterrar o Lula e desenterrar o FHC. Confiram nesse vídeo o malabarismo da Regina Casé tentando justificar a presença do FHC no programa "Requenta" do último domingo 27/03/2011.

[youtube K58t2-eF_-A http://www.youtube.com/watch?v=K58t2-eF_-A youtube]

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