Cláudio Gonçalves Couto: Quem é mesmo que ganhou pelo cansaço?

Tempo de leitura: 4 min

Sobre caciques e partidos

Cláudio Gonçalves Couto, Valor Econômico, reproduzido no Maria Frô

06/06/2012

A birra de Marta Suplicy, ausentando-se do ato de lançamento da candidatura de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo, enseja uma boa oportunidade para discutir o papel das lideranças individuais nos partidos políticos.

Ela serve para mostrar que o caciquismo é um fenômeno mais complexo do que sugerem análises apressadas sobre a influência de certas lideranças na definição dos rumos das organizações partidárias.

Quanto a isto, um aspecto ganha relevo: enquanto alguns líderes criam sucessores, atuando na produção ou reforço de novas lideranças (crucial para a sobrevivência organizacional), outros embotam essa criação, contribuindo para a esclerose organizacional.

O problema é distinguir entre caciquismo – um tipo de liderança que subjuga a organização à vontade pessoal inquestionável do líder – e influência.

Uma liderança influente no partido logra convencer os correligionários, sem contudo impor-lhes decisões inquestionáveis.

Assim, se a persuasão é requisito para a obtenção de anuência, não há caciquismo.

Trata-se de diferença de grau, que ultrapassados certos limiares se converte em distinção de natureza.

Há situações nas quais se migra, ao longo do tempo, de um estado para outro. Assim, caciques podem converter-se apenas em lideranças influentes, seja por que se debilitam ou ajustam a conduta, seja porque um reforço organizacional do partido lhes reduz o espaço para o arbítrio. Inversamente, líderes influentes podem, em certas conjunturas, tornar-se caciques; algo mais provável em organizações partidárias frouxas ou enfraquecidas – o que não é a mesma coisa.

Caciques são os que se colocam acima do partido

Para existir, o cacique necessita do apoio de um subconjunto organizacional dentro do partido: sua entourage, uma facção majoritária ou posições-chave na burocracia. Assim, enquanto o partido como um todo é fraco organizacionalmente, esse subgrupo é relativamente forte, impondo a vontade de seu líder. Contudo, há uma condição principal, decisiva distinguir o caciquismo da influência: o cacique subordina os interesses da organização aos seus próprios; é o projeto pessoal do cacique que sempre prevalece sobre o do partido – e mesmo sobre o de sua claque.

Há quem veja no patrocínio de Lula à candidatura de Fernando Haddad evidência de caciquismo, demonstrando que o PT nada mais seria do que um partido sem vontade própria, a reboque do grande líder. Será mesmo? Isto não se coaduna com características notórias do partido: organização forte, disputa intensa entre facções, espaço para contestação seguido de alinhamento a decisões tomadas pelo conjunto. Na realidade, Lula é muitíssimo influente, mas não um cacique no sentido próprio do termo. E isto não só por méritos próprios dele, mas pelas características do partido que construiu – que restringe o caciquismo.

No caso paulistano, antes mesmo de Marta desistir da candidatura, já enfrentava – além de Fernando Haddad – a oposição interna de antigos aliados, agora pré-candidatos, os deputados Jilmar Tatto e Carlos Zarattini. Candidata duas vezes derrotada à prefeitura, a senadora já não desfrutava da condição de escolha óbvia da agremiação – como foi em 2008. A imposição de seu nome – a despeito de outras postulações, de um clamor interno por renovação e da grande rejeição aferida pelas pesquisas ¬- é que seria caciquismo. Em tal contexto, o apoio de Lula à renovação operou mais como contrapeso à tentativa de caciquismo em nível local do que se mostrou ele próprio uma imposição inconteste.

Compare-se com a autoimposição de José Serra no PSDB, contra Aécio Neves. Verificou-se no ninho tucano uma estratégia de sufocamento da disputa interna pela interminável postergação do embate, até que o ex-governador mineiro jogou a toalha, considerando que não teria tempo hábil para se viabilizar.

A solução pelo alto, dessa ardilosa vitória pelo cansaço, repetiu-se agora na escolha da candidatura tucana à prefeitura paulistana. Após meses alegando que não se candidataria, o que ensejou uma animada disputa entre quatro pré-candidatos (sugerindo renovação partidária) o ex-governador mudou de ideia, inscreveu-se na prévia após o prazo regulamentar, provocou a desistência de dois postulantes e prevaleceu. Serra obteve na prévia apenas pouco mais de 50% dos votos, num embate contra postulantes muito menos expressivos – tanto no que concerne à envergadura política quanto à história. Isto mostra o tamanho do desagrado que sua soberba causou na base tucana.

Fosse o PSDB dotado de maior densidade organizacional, os dois episódios da imposição serrista deflagrariam uma crise interna – como a que deve se produzir no PT de Recife neste ano. O caráter elitizado da agremiação e a baixa intensidade da vida partidária (sobretudo se comparada à do PT) permitem que as manobras dos caciques e seus embates permaneçam basicamente como um problema deles mesmos.

A renovação, neste caso, ocorre apenas nas franjas da disputa política (como nas eleições de deputado estadual e vereador), pelo ocaso das lideranças ou por algum acidente; raramente por uma estratégia bem definida. Em São Paulo, a oportunidade da renovação foi perdida; o risco da esclerose cresceu.

É nisto que as atuações de Lula e Serra se distinguem como influência, no primeiro caso, e caciquismo, no segundo. Enquanto o ex-presidente interveio no processo de modo a promover uma renovação de lideranças e atuando segundo a lógica da organização partidária, o ex-governador apenas fez prevalecer seu projeto pessoal de poder, às expensas do partido, que tornou seu refém. Isto permanece, a despeito de quem venha ganhar ou perder as eleições de outubro.

Algo que confunde a percepção de papéis tão distintos são os estilos muito diversos de um e de outro. Enquanto Lula é um líder carismático e de estilo esfuziante, Serra é um líder gerencial e de estilo soturno. Intuitivamente, o senso comum identifica o primeiro com o improviso e o personalismo, e o segundo com a racionalidade e a institucionalidade. Uma análise mais cuidadosa revela exatamente o oposto.

*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do “Valor”.


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Comentários

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Julio Silveira

Impressionante.
Me desculpem, estou preocupado comigo mesmo. Acredito cada vez mais em na teoria da conspiração. Essa teoria, em que as autoridades e catedráticos, ligados ao sistema, de alguma forma produzem conceitos que servem para fazer afundar possíveis adversários e boiar possíveis partidários. Criando dança com as palavras, de forma a criar um samba conceitual muito bem dirigido para atingir o objetivo de consolidar imagens.

Lucas Gordon

me parece um belo exercício retórico colocar o processo de escolha do canditado do PT como exemplo de democracia e a escolha do candidato do PSDB como imposição, por mais que eu ache o PSDB um exemplo perfeito de decadência do modelo partidário de se organizar a política.
eu certamente apoiarei Haddad nestas eleições, São Paulo não aguenta por muito mais sob o império do neoliberalismo e do conservadorismo. Mas esses PTistas loucos tem que perceber que não tem que aceitar toda e qualquer coisa que o partido/Lula faz.

Vlad

Hahahaha…artigo malicioso.
Só faz é acentuar o que todo mundo já sabe.

    Márcio Gaspar

    Que o desejo do Serra é ser ditador.

    Geysa Guimarães

    Bola devolvida com maestria!

CLÁUDIO LUIZ PESSUTI

O PT caminha para atuar como o PSDB sempre atuou , partido elitista.A base pode contestar, mas é atropelada, sem cerimônia.Só as capitais são lembradas, mas sou morador de Santo André-SP, e o Lula aqui inventou um candidato.Pegou um cara do movimento sindical, fez campanha pra ele pra deputado estadual em 2010, ele ganhou, até telefonema gravado do Lula recebi.Agora , impôs ele como candidato a prefeito, na marra, todo mundo abaixou a cabeça, inclusive o candidato que na eleição passada recebeu no primeiro turno 48,5% dos votos e só perdeu no segundo turno por causa do cansaço com 12 anos de PT na prefeitura.Se isto não é caciquismo, não sei o que é .

Taques

O duro não é escrever um “artigo” deste.

Duro mesmo deve ser chegar em casa e encarar os familiares.

Só duas opcões restam para explicar o comportamento do articulista.

A cegueira é a menos ruim.

A outra … deixa pra lá.

abolicionista

Não sei, acho que o problema não é só renovação dos quadros. Líderes como o Lula surgem no cerne de movimentos sociais. Com o fechamento dos espaços públicos onde se possa exercer a democracia de fato, as lideranças não despontam. Com a repressão policial a greves e a manifestações, com a cooptação dos sindicatos, com a criminalização dos movimentos sociais e a despolitização agressiva das massas, fica difícil surgir uma liderança popular autêntica. E não vejo nem o PT, nem o PSDB, nem qualquer outro partido mover uma palha para mudar isso…

Willian

“-um tipo de liderança que subjuga a organização à vontade pessoal inquestionável do líder-”

Nunca vi um definição mais clara do Lula. Parabéns ao autor.

Rodrigo Leme

O autor finge que o mesmo processo não está acontecendo de maneira muito pior no Pernambuco: Lula impondo um candidato de outro partido, no interesse que melhor lhe cabe, indo contra prévias do seu partido. Situação que se reverteu pq o PSB cansou de discutir o sexo dos anjos e foi pra prática.

O autor do texto tenta tapar o sol com a peneira qdo tenta negar que o PT virou partido onde só se anda para onde o Lula manda. E não sei até que ponto isso é ruim, a não ser que o partido adore viver naquela hipocrisia de ser um partido democrático.

    Wildner Arcanjo

    Quem estudou um pouco a proposta política do partido do PT, para os últimos anos de governo (sobretudo o Federal) sabe muito bem que Lula é um instrumento de ligação entre a proposta política, e de desenvolvimento, e o povo. Nada mais do que isso. Ele manda, e mandava, tanto quanto a Dilma, o Dirceu, o Palocci ou qualquer outro dirigente do PT. Ao contrário do que você tenta induzir, o único partido que não tinha uma proposta política, de desenvolvimento (e sim uma proposta pessoal) era o PSDB e o DEM (ou DEM e PSDB?).

Mardones Ferreira

O que o PT fez em recife foi um ato de partido que não tem cacique. k k k

RicardãoCarioca

Que blá-blá-blá…

Jose Mario HRP

Por mais que se crie defeitos em Lula ainda assim sua luz e inteligencia se enchem de energia!
Junto com Getúlio e Luiz Carlos Prestes forma a triade dos homens de aço do nosso país!

    Willian

    Depois algumas pessoas questionam como pode Abraão oferecer seu filho Isaac em sacrifício.

    Maria ce Lourdes Cardoso

    Willian, quando irei ver o nosso povo não misturando os assuntos. Esta tragédia Grega de pai mata filho, esquece. Estuda.

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