Caio Toledo: Itaú e Globo, vitórias simbólicas sobre o golpe

Tempo de leitura: 5 min

Vitórias simbólicas no debate sobre o golpe de 1964

por Caio N. de Toledo, especial para o Viomundo

A Folha de S. Paulo, na sua edição de 21 de fevereiro, noticiou que o Banco Itaú decidiu recolher as agendas de 2014 que estava distribuindo aos seus correntistas.

Na explicação do jornal, a agenda teria provocado “polêmica nas redes sociais ao classificar o golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart como revolução”.

A rigor, as redes sociais repercutiram a informação do blog do jornalista Mário Magalhães que denunciou a falsificação histórica perpetrada pelos marqueteiros de uma das mais lucrativas instituições financeiras do país, de FCH ao governo Dilma Rousseff.

Segundo a agenda do Itaú, há 50 anos, o país teria assistido ao “movimento revolucionário de 31 de março de 1964”. Tal como outras datas santificadas do calendário, seria um dia a ser lembrado e comemorado!

Embora a administração da instituição financeira não tenha reconhecido que em 31 de março de 1964 houve, de fato, um “golpe de Estado”, é de se registrar o gesto público do banco na medida em que mandou recolher a agenda golpista.  Muito provavelmente, o 31 de março de 2015 não mais será dignificado pelo banco numa futura agenda a ser oferecida aos seus clientes.

Na mesma direção, em recente editorial (31/8/2013), O Globo admitiu publicamente que seu apoio “ao golpe de 1964 foi um erro”.

Embora o jornal – tal como o conjunto das Organizações Globo – jamais tenha feito uma autocrítica consistente sobre seu apoio ao golpe de 1964 e à ditadura militar, não se deve, contudo, desprezar o valor simbólico da confissão pública do “erro”.

Sim, as Organizações Globo continuam sendo eficientes aparelhos ideológicos da direita brasileira, mas, desde agosto de 2013, não mais escreverão em seus editoriais e artigos que em 31 de março de 1964 ocorreu uma “Revolução redentora” ou que os brasileiros e brasileiras devem ter saudades dos tempos da ditadura.

Em matéria de re-significações sobre 1964, os casos do banco e do jornal são reveladores e significativos.

A rigor, hoje, apenas reduzidas publicações militares (livros e revistas), alguns sites ou blogs (de associações de militares da reserva e da direita civil) e obras didáticas (adotadas em escolas de formação dos subalternos das Forças Armadas) continuam afirmando que, em 1964, um “movimento revolucionário” teria salvado o país da “ameaça comunista”, livrado as instituições democráticas da “subversão e da corrupção” e criado as condições econômicas para o pleno desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A reduzida audiência e a indigência intelectual destas manifestações são notórias.

Para a profunda decepção dos ideólogos civis e militares do regime ditatorial – fato reconhecido em seus ressentidos e amargurados escritos –, hoje é dominante na cultura política brasileira a compreensão de que, há 50 anos, um golpe contra a democracia vigente no país foi um infausto episódio na história do país Este reconhecimento pode ser comprovado por meio de obras qualificadas da historiografia e da ciência política, da produção cultural (literatura, cinema, teatro, música etc.), de matérias jornalísticas, filmes, novelas e minisséries de TV e de um extenso número de sites/blogs jornalísticos e culturais.

Assim, ao contrário do que ocorria durante os governos militares, atualmente, o conjunto da grande mídia brasileira – que teve papel ativo no desencadeamento do golpe e apoio à ditadura militar – não mais comemora o dia 31 de março de 1964.

Por sua vez, quando aludem à data, os noticiários dos grandes meios de comunicação passaram a empregar a noção crítica de “golpe militar de 1964” ou “golpe de Estado” em substituição à apologética designação de “Revolução de 1964”. Atualmente, até mesmo o mais atuante aparelho ideológico da ditadura militar – as Organizações Globo (poderoso conglomerado de empresas reunindo jornais, revistas, rádios e TV aberta e paga) – veicula noticias, documentários, entrevistas e, inclusive, telenovelas com conteúdo crítico ao golpe de 1964 e ao regime militar.

É um fato significativo também que, decorridos 50 anos, não foi produzida uma única obra cultural relevante (na historiografia, na literatura, no cinema, no teatro, na música popular etc.) justificando a ação golpista ou legitimando o regime militar de 1964. Em contraposição, existem dezenas de obras de elevada consistência artística e intelectual, em todos os campos da produção cultural brasileira, que denunciam o golpe contra a democracia e condenam a ditadura militar.

No entanto, se estes fatos são auspiciosos, não devemos nos iludir sobre a extensão desta “vitória” ideológica e cultural; afinal, temos de convir que ainda é altamente insuficiente em nossos país o conhecimento e o debate públicos sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Embora existam livros, teses acadêmicas, filmes de ficção, documentários, peças de teatro etc. que revelam o clima de terror e a sistemática violência do regime militar (censura, prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos e mortes), apenas os reduzidos setores letrados da sociedade brasileira têm um conhecimento razoável destes sombrios tempos de nossa história política.

Não é, pois, descabido afirmar que a democracia política vigente no país ainda não logrou ser plenamente vitoriosa posto que ela não enterrou, definitivamente, a ditadura militar de 1964. Além de instituições e dispositivos herdados do período militar, cujos efeitos ainda se fazem sentir sobre a atual vida social brasileira, a memória e o conhecimento crítico sobre a ditadura – para significativas parcelas da sociedade brasileira – são frágeis, obscuros e lacunares.

Entendo que as entidades do campo democrático e progressista têm elevada responsabilidade pela fragilidade e inconsistência da memória social sobre a ditadura militar; desde o fim do regime militar, são raras e extemporâneas as iniciativas dos partidos políticos, das organizações de movimentos sociais e entidades culturais no sentido de promoverem um amplo e permanente debate público sobre o golpe de Estado e os efeitos perversos do regime pós-1964. Além das vítimas do regime (que sofreram prisões e torturas) e dos familiares dos mortos e desaparecidos, que setores da sociedade civil brasileira têm se mobilizado para denunciar os crimes e os arbítrios da ditadura militar?

Assim, na falta de mobilizações populares, da ausência de amplos debates públicos e da inexistência de centros de memória e museus públicos sobre os fatos históricos relativos à ditadura militar, têm predominado, entre nós, o silêncio e a cultura do esquecimento. (Sob este aspecto, bem distinta do Brasil têm sido os casos da Argentina e do Chile, pois, ali, a experiência da ditadura militar ainda não cessou e continua influindo sobre os rumos da democratização desses países.)

É de se convir e lamentar que as vitórias simbólicas alcançadas contra os golpistas e sicofantas da ditadura militar, entre nós, estão limitadas ao círculo restrito da cultura política de esquerda.

Caio N. Toldedo é professor aposentado da Unicamp e editor do blog marxismo21.

Leia também:

Demian Melo: Marco Antonio Villa, o vendedor da ditabranda

Rodrigo Vianna: A linguagem unificada da direita pró-Washington


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Comentários

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Ronaldo Silva

Vou depositar meu dinheiro na Cx Econômica como vingança!

FrancoAtirador

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PSDB/PSB/REDE já prometeram o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal

para o ITAÚ, o BRADESCO, o HSBC e o SANTANDER fazerem a Festa da Agiotagem?
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Povo 1

Itaú, Natura, Marina. Todos puros quanto um sabiá bicando um abacate.

paulo rodrigues

Percebi, desde o início da campanha, que o Itaú, “banco oficial da copa do mundo”, não utiliza o logo oficial da copa, pois “pinta” de branco o ano 2014, vermelho no logo original???pode???

Raimundo Pedroza

Gratidão é isso: Passados 50 anos e o velho Banqueiro ainda se sente no dever de bajular os ditadores como retribuição pelas benesses recebidas.

Raimundo Pedroza

O DITAÚ, digo, Itaú pode até não ter os juros e taxas mais caras do Brasil, mas tem as piores convicções ideológicas possíveis para uma empresa que se pretende séria.

Raimundo Pedroza

A agenda que ganhei não será devolvida. Guardarei como prova das convicções democráticas deste Banco, ou seja, o DITAÚ.

Raimundo Pedroza

Lanço aqui uma sugestão para todos os que defendem a democracia: que daqui para a frente passemos a nos referir a esse Banco com o nome de “DITAÚ”.

Raimundo Pedroza

É lamentável que, cinquenta anos depois de ter sedimentado suas bases com o favorecimento de um Regime Militar Criminoso, Torturador, que esmagou a democracia, a maior instituição financeira privada do pais retribua os seus clientes pelos mega-lucros extorquidos deles com uma Lôa à Ditadura Militar. Isso é que eu chamo de “respeito do banqueiro pelos seus clientes.” Entrarei amanhã mesmo com o meu pedido de encerramento de conta no “DITAU”. Ou este banqueiro pensa que todos os seus clientes são contra a democracia?

Luciano

Cancelei minha conta no Itaú a uns 3 anos. Cansei de ser roubado com juros altíssimos e “taxinhas”, além disso o Itaú é financiador e patrocinador da Rede Globo, e os dois estão devendo bilhões para a receita federal.

Luís Carlos

O Itaú, banco golpista e Marina/Rede.

    Rodrigo Leme

    O Itau, um dos 3 maiores doadores da campanha da Dilma.

    Milton

    Bancos e grandes empresas doam para todos os candidatos com chances de vencer, assim eles se garantem. Simples assim.

    lulipe

    Para eles, caro Rodrigo, a origem do dinheiro é apenas um detalhe…

    JULIO*Dilma2014/Contagem(MG)

    E não tem nada de ilegal nisso, tanto que é declarado, e sempre é bom lem
    brar que o PT, é a favor do financiamento público das campanhas.

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