Breno Altman: Os obstáculos diante do chavismo

Tempo de leitura: 4 min

Venezuelanos tem acesso à sua Carta Magna em qualquer lugar do país, até mesmo nas ruas com ambulantes, como mostra o registro do repórter fotográfico Joka Madruga, do ComunicaSul.

ELEIÇÃO NA VENEZUELA

15/04/2013 – 11h20 | Breno Altman | Caracas

Vitória de Maduro é incontestável, mas representa novos desafios

Próxima etapa da revolução bolivariana deverá combinar participação estatal com capital privado, nacional ou estrangeiro

por Breno Altman, no Opera Mundi

O resultado eleitoral venezuelano, com o triunfo do candidato chavista, é fato político amparado pela Constituição local. A reduzida vantagem de Nicolás Maduro sobre o direitista Henrique Capriles, inferior a trezentos mil votos (menos de 2% dos apurados), não anula a legitimidade do processo ou do mandato conquistado nas urnas.

Com mais de 50% dos eleitores sufragando o sucessor de Hugo Chávez, a regra democrática está sendo seguida à risca. A maioria, mesmo por escassa margem, tem o direito de decidir o destino nacional.

 A oposição conservadora pode estrilar e urrar, o que também está dentro do jogo, desde que não volte a recorrer ao golpismo e à violência. Mas não há qualquer elemento concreto e provado que coloque sob suspeita a peleja institucional deste domingo (14/04).

A história, diga-se, está cheia de situações semelhantes. Na mais célebre entre essas, nos Estados Unidos, John Kennedy (assassinado em 1963) venceu Richard Nixon, em 1960, por apenas 0,1% dos votos. Quem venceu, levou. Quem foi derrotado, voltou para a fila. Ou para o submundo do magnicídio.

Hugo Chávez atravessou cenário parecido quando perdeu, por menos de vinte mil sufrágios, referendo sobre emenda constitucional, em 2007. Apesar de vários assessores tentarem convencê-lo a pedir recontagem, preferiu reconhecer, de pronto, a vitória de seus adversários. A propósito, sua única derrota em dezessete disputas pelo voto popular no período de catorze anos no qual governou.

O respeito à soberania das urnas e sua defesa perante possíveis ataques, porém, não podem eximir os dirigentes bolivarianos de uma análise acurada sobre os motivos que levaram, em apenas seis meses, à redução importante de sua base eleitoral. A revolução amealhou 700 mil votos menos do que em outubro de 2012, enquanto Capriles arrebanhou 570 mil a mais. Parte dos eleitores chavistas não foi votar. Outra fatia, no entanto, trocou de lado.

Sobram razões, como se vê, para que a pulga esteja atrás da orelha.

Claro que, sem o carisma do ex-presidente, a esquerda ficou mais vulnerável à mídia e, sem sua voz, é capaz do discurso de enfrentamento ter soado excessivamente duro para alguns segmentos mais volúveis. Eventuais ações de sabotagem contra o setor elétrico e outras áreas do cotidiano, denunciadas pelos governistas desde o início da campanha, também podem ter auxiliado nesta sangria, ao lado de casos crônicos de maus serviços e corrupção. Talvez seja o caso, contudo, de buscar resposta mais estrutural, como assinalou o próprio presidente eleito logo depois da apuração, ao conclamar o país à “renovação da revolução bolivariana”.

Nova etapa da revolução



Há muitos indícios de que o primeiro ciclo deste processo tenha se esgotado. Desde que assumiu a liderança venezuelana, em fevereiro de 1999, Chávez concentrou seus esforços administrativos em transferir a parte mais expressiva dos excedentes petroleiros para programas sociais, universalização de direitos e outras iniciativas de distribuição da renda. Os resultados foram eloquentes. Andando na contramão do receituário neoliberal, a Venezuela passou a ser a nação menos desigual da América do Sul, o analfabetismo foi liquidado e a pobreza drasticamente reduzida.

Uma das consequências deste caminho foi a vasta ampliação do mercado interno, como força propulsora da economia, mas aprofundando o desequilíbrio histórico entre o ritmo de expansão do consumo popular e a velocidade do crescimento da produção agrícola e industrial. O modelo da dependência petroleira, que sempre inibiu o desenvolvimento interno venezuelano, não era o alvo principal nos primeiros dez anos de chavismo, apesar de várias iniciativas importantes terem sido tomadas. A questão estratégica era repartir os frutos da exploração do ouro negro a favor dos mais pobres.

Neste quadro, a aceleração da demanda provocou fortes pressões inflacionárias e sobre a balança comercial, com as importações minguando as reservas cambiais. A esse desarranjo se soma o espetacular subsídio para a compra de gasolina no mercado interno, que alguns cálculos apontam como equivalente a 10% do faturamento da PDVSA, a gigante estatal do petróleo.

No programa eleitoral de 2012, Chávez já tinha deixado claras estas dificuldades e anunciou um ambicioso programa de desenvolvimento produtivo. Não viveu o suficiente para dar cabo desse objetivo, que caberá a Maduro enfrentar. Concluído o ciclo inicial de resgate da dívida social, os capítulos seguintes dependerão fundamentalmente dos músculos da economia não-petroleira, de sua capacidade para gerar oportunidades, empregos e renda. Sem essa plataforma, as reformas distributivistas possivelmente ficariam, doravante, mais expostas a problemas de financiamento.

O novo presidente terá que enfrentar inúmeros e urgentes desafios neste terreno. Com as camadas populares ampliando rapidamente seu poder aquisitivo, passaram a ser usuais crises de escassez, tanto de mercadorias e serviços quanto de energia elétrica e água, amplificadas pela fuga de capitais como mecanismo de chantagem das oligarquias. A conta política pode ter sido apresentada nessas últimas eleições.

Para desatar esses nós, Maduro precisará estabelecer estratégia que combine participação estatal com capital privado, nacional ou estrangeiro, estabelecendo marco regulatório que enfrente os dilemas de infraestrutura e produção. A receita com o petróleo, na ponta do lápis, não permite ao Estado fazer todos os investimentos necessários, no prazo que ruge. Essas preocupações, aliás, foram lançadas pelo ex-sindicalista na noite de sua vitória, em que também destacou a necessidade de uma nova cultura de gestão, contraposta à ineficiência, ao burocratismo e ao desperdício do dinheiro público.

Ampliação do voto chavista

A implementação de programa desta envergadura, por fim, poderia ajudar a formar uma nova maioria, que fosse além dos limites atuais do voto chavista, atraindo inclusive pequenos e médios empresários que se sentiram desatendidos ou até ameaçados pela primeira etapa do processo bolivariano, quando todas as energias se voltaram para transferir renda do petróleo aos setores mais despossuídos. E essa maioria ampliada também seria fundamental para apoiar medidas amargas que venham a ser tomadas na reorganização da economia.

A legítima vitória de Nicolás Maduro, nessas circunstâncias, eventualmente serviu de alerta para os problemas que rondam a revolução que passou a chefiar, a maior parte deles provocada pelo sucesso inequívoco das políticas de Chávez em construir um sistema de mais justiça social.

Breno Altman é jornalista, diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel

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Comentários

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Santayana: Que autoridade ética tem os EUA para avaliar democracia alheia? – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Breno Altman: Os obstáculos diante do chavismo […]

Jose Mario HRP

Não peguei pesado não!
A violencia de que falamos na Venezuela é causada pelos mesmo tentáculos norte americanos que destroem o mundo e acabam fazendo o povo americano ficar sujeito a estas vinganças abjetas como os metodos americanos de dominar o mundo.
Fora a justiça de Deus há essas justiças dos fanáticos, dos ególatras, como os EUA e sua classe dominante!
Querem dar golpe na Venezuela e não adianta negar procurando defeitos na sociedade venezuelana.
Resposta para Mauro Assis.

Nelson

Estás redondamente enganado, meu caro Mauro Assis.
Quem conta voto são as instituições – tribunais eleitorais com seu funcionários – que não pertencem ao governo de plantão, mas ao Estado.
Eu sou mesário há várias eleições e nunca fiz uma fraude sequer, nem mesmo para o candidato que eu queria ver vitorioso.

Messias Franca de Macedo

… Maduro não é [Hugo] Chávez, Hugo Chávez não foi Simón Bolívar, a Venezuela está realmente dividida – ‘há de haver certas concessões’! -, e o futuro do país vizinho é deveras preocupante!…

América Latina [precisa estar atenta!…]
Bahia, Feira de Santana
Messias Franca de Macedo

Leonardo Severo: Mídia privada faz “guerra psicológica” na Venezuela – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Breno Altman: Os obstáculos diante do chavismo […]

Jose Mario HRP

Enquanto a democracia vive e se engrandece na Venezuela, nos eUA se vive assim:

    Mauro Assis

    Pôxa, José Mario, aí vc pegou pesado… o que tem uma coisa a ver com a outra? Fora que a violência na Venezuela é muitas vezes maior que nos EUA… morre mais gente em Caracas num feriadão do que as pessoas atingidas por esse atentado (atentado!) nos EUA.

FrancoAtirador

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Jornal Nacional adota discurso da oposição venezuelana
e deixa em segundo plano vitória de Maduro

Por Alexandre Haubrich, no Jornalismo B

Nesta segunda-feira o Jornal Nacional abriu mão de noticiar o fato político mais importante do domingo para fazer coro com a direita golpista venezuelana e com o Departamento de Estado dos EUA. A vitória de Nicolás Maduro na disputa pela presidência da Venezuela foi deixada em segundo plano para o principal telejornal da Rede Globo noticiar o desrespeito da oposição venezuelana e do governo estadunidense aos resultados eleitorais e dar espaço e legitimidade a esse discurso. A relevância da primeira vitória da Revolução Bolivariana na Venezuela sem Chávez não foi levada em conta pelos critérios da Rede Globo. A partir de quais critérios, já que os jornalísticos foram abandonados, foi feita a opção por destacar a posição dos derrotados?

A divisão temporal da matéria de Delis Ortiz, enviada a Caracas, demonstra o olhar escolhido, o olhar do grupo político antichavista coordenado por Henrique Capriles. O texto já começa deixando claro de que a matéria vai falar: “A praça onde a oposição costuma se reunir amanheceu tranquila”. Então a repórter fala sobre a pequena diferença percentual e segue reproduzindo o discurso derrotado pelo povo e pelas urnas: “a oposição denunciou fraude em várias seções eleitorais e exigiu uma nova apuração dos votos. Henrique Capriles disse que a Venezuela tinha um presidente ilegítimo”. Em seguida mostra instantes da referida fala de Capriles. O tempo total dessa primeira parte da matéria, toda ela falando sobre a oposição, é de 40 segundos.

Finalmente, depois de todo esse tempo de matéria, a repórter fala algo sobre o lado vitorioso: “enquanto a oposição reclamava a recontagem dos votos, o porta-voz do governo, o ministro das Comunicações Ernesto Villegas, convocava a militância chavista para o ato de proclamação de Nicolás Maduro como presidente eleito da Venezuela. E a concentração foi aqui, em frente ao Conselho Nacional Eleitoral”. Essa fala dura 19 segundos. Apenas um minuto e dez segundos depois de iniciada a matéria o nome de Maduro é citado pela primeira vez.

O momento seguinte da reportagem fala sobre as “reações internacionais”, o que para o Jornal Nacional quer dizer o Brasil, obviamente, e os Estados Unidos. Sendo que estes últimos, segundo a própria matéria, “disseram que a auditoria das eleições presidenciais venezuelanas seria importante e necessária”. O total desse trecho é de 25 segundos. Nada sobre o que falaram Evo Morales, Rafael Correa, Cristina Kirchner…

Depois de um minuto e 47 segundos, a repórter resolve enfim noticiar o fato: “E Maduro foi proclamado presidente eleito da Venezuela”. Segue uma frase do presidente. Esse trecho dura 13 segundos.

Por fim, “Apesar do anúncio do Conselho Eleitoral, manifestantes fizeram protestos contra o resultado, e houve confrontos com a polícia”. São dez segundos nesse trecho de encerramento.

Desconstruindo, então, a reportagem:

– 40 segundos para o que a oposição, derrotada, disse sobre o resultado;

– 19 segundos noticiando a convocação para a proclamação do presidente eleito;

– 25 segundos para o posicionamento de Estados Unidos e Brasil a respeito do processo eleitoral;

– 13 segundos para a proclamação e o que disse Maduro;

– 10 segundos para o protesto “contra o resultado”.

Além disso:

– apenas depois de um minuto e dez segundos de matéria o nome do vencedor é citado pela primeira vez;

– apenas depois de um minuto e 47 segundos de matéria a proclamação de Maduro como presidente eleito foi noticiada.

A notícia passada pelo Jornal Nacional não foi, portanto, sobre a eleição na Venezuela, seu resultado, e as motivações e implicações deste.

A matéria foi sobre o que disse a oposição – nacional e internacional – ao não reconhecer o resultado das urnas.

A inversão da notícia é clara, o abandono do grande fato é flagrante, e a tomada do discurso da oposição como olhar principal é flagrante.

http://jornalismob.com/2013/04/16/jornal-nacional-adota-discurso-da-oposicao-venezuelana-e-deixa-em-segundo-plano-vitoria-de-maduro

    Willian

    A notícia importante realmente é a grande votação do Capriles. O cachorro morder o homem não é notícia.

    FrancoAtirador

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    Para Bonner, Waack e outros Willians a serviço dos U.S.A.

    foi deveras importante a votação do Capriles Verdolengo,

    como o foi a votação do Serra para presidente em 2010.

    Basta lembrar do caso emblemático de Mayara Petruso.

    Querer forçar, pela notícia, uma disputa pós-eleitoral,

    acirrando os ânimos dos eleitores para deslegitimar

    o processo eleitoral na Venezuela é que é o fato grave.

    Faz parte da política do Departamento de Estado dos U.S.A.

    desestabilizar todo o Continente através da Mídia Bandida.

    Qualquer elemento que possa render dividendos a tal política

    será inflacionado por factoides dos Bandidos Midiáticos.

    Henrique Capriles nada mais é do que o ‘Candidato Tomate’.
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    .

Wilson das Neves

Está mais do que claro que houve fraude. Mas, pensando bem: foi melhor assim. A situação na República Bolivariana de Venezuela está mais do que preta, cunpañeros. O motorista Maduro vai ter que rebolar mucho.
Mas, quem sifu mesmo com o lance (morte de Chavez) foi Cuba. Agora não podem de jeito nenhum faltar os dólares de Miami, porque se não vierem vai ter muita bronca, muchachos.
Guantanamera, arriba Guantanamera…

    Julio Silveira

    Esse negocio de afirmar ter havido fraude é uma faca de dois gumes.
    Pode realmente ter havido mas não necessáriamente só a favor do vencedor.

    Mauro Assis

    Amigão, só quem frauda eleição é quem conta voto… e quem conta é o governo.

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