Avelãs Nunes: Senhores-credores impõem trabalho escravo ao povo grego e regresso da escravidão por dívidas

Tempo de leitura: 53 min

troika e grécia

CRÓNICA EM TEMPO DE GUERRA

por António José Avelãs Nunes, de Portugal,  especial para o Viomundo 

1 —  Escrevo esta ‘crónica’ em Julho/2015, enquanto decorre o dramático processo de ‘negociações’ entre os países e instituições credores da Grécia e o governo deste país, eleito com um mandato para pôr termo à austeridade que arruinou a economia do país e provocou uma grave crise social.

A História mostra que não é de hoje o recurso à reestruturação das dívidas soberanas nem a invocação do princípio segundo o qual nenhum povo pode ser obrigado a pagar dívidas contraídas para o subjugar.

O mais importante destes casos foi o que se passou com a Alemanha, em 1953. Na verdade, oito anos apenas depois do fim da 2ª Guerra Mundial, vários países (entre os quais a Grécia, a Espanha e a Irlanda) acordaram em perdoar dívidas à Alemanha, através de um acordo de natureza política (o chamado Acordo de Londres). [1]

Durante a conferência realizada em Lancaster House, o chanceler da RFA, Konrad Adenauer escreveu uma carta aos credores lembrando-lhes que era necessário «ter em conta a situação económica da RFA», chamando a atenção dos credores, para a necessidade de encontrar uma solução que ponderasse devidamente «o facto de a dívida e os encargos da dívida não poderem aumentar ao mesmo tempo que o crescimento económico diminui».

E os credores não tiveram dificuldade em compreender que impor à RFA políticas recessivas e fazer exigências duras no que toca ao pagamento da dívida não era o melhor caminho para assegurar a melhoria do nível de vida dos alemães e para garantir as condições para que a RFA pudesse pagar a dívida.

Hoje, todos os autores concordam que as condições então concedidas à Alemanha estão entre os factores mais importantes para explicar o famoso ‘milagre alemão’ da década de 1950. No início de Julho/2015, foi a vez de Habermas recordar isto mesmo: «A Alemanha deve o impulso que lhe permitiu o salto de que se alimenta ainda hoje à generosidade dos países credores [entre os quais a Grécia, digo eu. AN], que, pelo Acordo de Londres de 1953, eliminaram de uma penada cerca de metade das suas dívidas». [2]  Por que não se aplica agora, à Grécia e a Portugal, esta mesma receita milagreira? Por que se quer reduzir a política à mera aplicação de regras?

A História ensina que há muitas formas de resolver os mesmos problemas. E a Alemanha deveria estar entre os primeiros países a não esquecer as lições da História.

À luz da História, a Alemanha não pode esquecer que foi ela o devedor menos cumpridor da história do século XX, tratando-se, ainda por cima, de dívidas contraídas em associação com a prática de crimes gravíssimos contra os povos da Europa e de todo o mundo (crimes conta a humanidade). E não pode esquecer que mais de um milhão de gregos foram mortos em 1940 pelas tropas nazis (muitos deles deliberadamente mortos pela fome), que causaram também ao povo grego enormes prejuízos materiais, sem contar com a pilhagem de obras de arte sem preço.

Perante as dificuldades por que passa o povo grego, impressiona-me muito que alguns sectores políticos e da comunicação social dominantes na Alemanha (talvez reflectindo os sentimentos de uma parte da opinião pública alemã) tenham ido ao ponto de aconselhar os gregos a vender o Parthénon e as ilhas do Mar Egeu, para não morrerem à fome, como os seus compatriotas há setenta anos. É uma provocação primária e uma ofensa à dignidade do povo grego.

E impressiona-me ainda mais que o Ministro das Finanças alemão – que está sempre a dar lições aos ‘povos do sul’, exigindo-lhes que paguem as suas dívidas e impondo-lhes pesados sacrifícios punitivos –, sabendo muito bem que a Alemanha nunca pagou à Grécia um cêntimo que fosse para indemnizar o povo grego dos danos que lhe causou, tenha vindo a público dizer que a questão das reparações de guerra é assunto do passado.

2 — É uma arrogância que ofende o mundo inteiro, semelhante à daqueles que negam o holocausto. Triste sinal dos tempos… [3] O governo grego fez as contas e anunciou ter direito a reclamar da Alemanha uma indemnização de 278 mil milhões de euros pelos danos causados pela agressão da Alemanha nazi. Chegava para resolver os problemas financeiros da Grécia, que reflectem, aliás, ganhos fartos do capital alemão

A presença do grande capital financeiro no ‘governo’ da Europa do capital tornou‑se indisfarçável com a nomeação (em 2012) de Lucas Papademus como Primeiro‑Ministro da Grécia e de Mario Monti como Primeiro‑Ministro da Itália. Nem um nem outro foram eleitos para os parlamentos dos seus países, e muito menos foram eleitos pelo povo para exercerem as funções que lhes foram cometidas. São ambos banqueiros, nomeados para esta ‘comissão de serviço’ na vida política.

Mario Monti foi assessor do Goldman Sachs quando Mario Dragui era seu Director para a Europa, durante o período em que o banco americano orientou (regiamente pago) a ‘batota’ feita pelo Governo grego. Não deixa de ser simbólico o facto de Mario Monti ostentar também no seu currículo a actividade como conselheiro da Coca‑Cola.

Tal como Mario Draghi (que foi Director Executivo do Banco Mundial entre 1985 e 1990 e Governador do Banco de Itália, depois de, na qualidade de Director do Goldman Sachs, ter ajudado o Governo grego a ludibriar as autoridades da UE), Lucas Papademus colaborou, como Governador do Banco Central da Grécia, na falsificação das contas públicas deste país. Ele e Mario Monti pertencem à Comissão Trilateral.

É inequívoco que os governos chefiados por Papademus e por Monti foram governos de banqueiros, apresentados como governos de técnicos, como se não fosse completamente absurdo admitir que pode haver uma solu­ção técnica para problemas que são, essencialmente, problemas políticos. A verdade é que, não sendo juntas militares, eles foram verdadeiras juntas civis (Serge Halimi), constituídas à margem das regras do jogo democrático, humilhando os povos da Grécia e da Itália e traduzindo a menoridade da política e a negação da democracia. [4]

A história recente da Grécia (nomeadamente, as ‘histórias’ relacionadas com os ‘negócios’ associados aos Jogos Olímpicos de Atenas e à compra de submarinos, fragatas e aviões à Alemanha, à França e ao RU, de que falarei à frente) mostra bem as consequências de um país ser governado pelo capital financeiro e seus agentes.

E é esta história, e não a preguiça do povo grego ou quais quer outros pecados próprios de um povo incapaz de auto-governo, que explica o endividamento da Grécia, que em nada modificou as estruturas económicas, políticas e sociais que poderiam ajudar a desenvolver a sua economia, proporcionando mais emprego, mais riqueza e mais bem-estar ao povo grego, que, evidentemente, não foi parte activa naquelas histórias mafiosas.

Mas foi o povo grego que foi chamado a pagar a dívida.

Ora a verdade é que as condições de pagamento da dívida impostas à Grécia traduziram-se em políticas de austeridade draconianas (verdadeiras políticas de subdesenvolvimento), mal concebidas, ignorando a realidade do país, políticas das quais só poderia esperar-se o desastre que veio a acontecer.

Essas políticas foram, aliás, decididas com atraso, porque havia eleições na Alemanha e a Srª Merkel preferiu ganhar votos à custa do discurso ‘beato’ de que a situação da Grécia era fruto do ‘pecado’ de um povo que queria viver acima das suas posses, o discurso racista que acusava o povo grego de ser preguiçoso, perdulário e aldrabão (como se ela não soubesse quem são, nesta e em outras histórias que envolvem o capital financeiro, os verdadeiros aldrabões).

Nessa altura, Habermas foi duro para com o governo alemão. Escreveu ele:

«A prioridade das preocupações nacionais [alemãs] nunca se manifestou com tanta clareza como na resistência robusta de uma Chanceler que bloqueou durante semanas a ajuda europeia à Grécia e o mecanismo de emergência para salvar o euro». E ‘acusou’ Merkel de não ser capaz de ultrapassar «a consideração oportunista dos joguinhos da política interna», cedendo ao «medo das armas de destruição maciça da imprensa tablóide» (esquecendo «a força destrutiva das armas de destruição maciça dos mercados financeiros») e «bloqueando uma acção conjunta da União que teria apoiado atempadamente a Grécia contra a especulação que visava a bancarrota do estado».

[5] Com razão, Habermas confessa: «apercebi-me, pela primeira vez, da possibilidade real de um fracasso do projecto europeu».

Merkel intoxicou os alemães com uma conversa que sabia agradar a boa parte da opinião pública alemã. Levou os alemães a acreditar que são eles que estão a alimentar os ‘vícios’ desta gentalha, meio (ou todo…) caminho andado para que os alemães (e os ‘alemães’ de outros países) concluíssem que não faz sentido continuarem a pagar os vícios dos povos do sul. [6] 

É claro que a chanceler não disse aos alemães quanto têm ganho com o deutsche euro, com as regras de Maastricht, com a ‘independência’ do BCE, com a liberdade de circulação de capitais (e outras liberdades do capital), com os empréstimos concedidos à Grécia para que esta pagasse negócios chorudos e escuros com empresas alemãs, com as políticas de austeridade que impôs a gregos e a troianos para salvar os bancos alemães.

Essas políticas provocaram uma quebra do PIB da ordem dos 25% e um desemprego à roda dos 27% (cerca de 50% para os jovens), a par do desmantelamento da débil Administração Pública grega, da baixa dos salários e das pensões, da venda ao desbarato de empresas estratégicas. A economia grega foi destruída e o povo grego sofre as consequências de uma verdadeira calamidade social.

Tudo foi feito erradamente, começando com a tese de que o problema grego era um problema dos gregos e não um problema da Eurozona, um problema da UE, que teria de ser resolvido em termos comunitários. E continuando com a recusa da necessidade de um programa sério de renegociação e reestruturação da dívida soberana da Grécia (que a situação da Grécia impunha desde que a crise foi detectada e que representava menos de 2% do PIB comunitário). A opção foi salvar a banca à custa do povo grego (foi para a banca todo o dinheiro emprestado à Grécia), empenhando-se o BCE em operações várias destinadas a transferir a dívida grega da banca privada para instituições públicas (BCE, FMI, MEE). A Grécia foi tratada como uma colónia.

3 — Hoje ninguém nega – porque é impossível negá-lo – que o dinheiro das ‘ajudas’ das troikas à Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia foi todo direitinho para os bancos. As economias destes países e os respectivos povos nem viram a côr de tal dinheiro.

Um ex-conselheiro de Durão Barroso enquanto Presidente da Comissão Europeia tem vindo a público (em livro e em outros escritos) denunciar que o ‘auxílio’ da UE à Grécia e demais ‘países devedores’ se destinou exclusivamente a salvar os grandes bancos alemães e franceses, fortemente expostos à dívida grega. E mostrou também que o ex-Director Geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, deu igualmente o seu aval a vários empréstimos concedidos à Grécia quando o País já estava sobre-endividado, desrespeitando os estatutos do próprio FMI. Muito pode o capital financeiro!

Ora uma Comissão Internacional de Auditoria à dívida grega apresentou recentemente ao parlamento de Atenas (26 de Junho de 2015) um Relatório Preliminar no qual defende que uma boa parte da dívida grega deve considerar-se dívida ilegal, ilegítima e odiosa. E tal caracterização significa, segundo o Direito Internacional, que o povo grego não é obrigado a pagar tal dívida.

Uma parte da dívida da Grécia vem ainda do tempo da ditadura militar. Outra parte foi concedida generosamente por bancos alemães e franceses para alimentar negócios chorudos que em nada beneficiaram o povo grego. Basta recordar que os ‘negócios’ relacionados com os Jogos Olímpicos de Atenas (um empreendimento altamente reprodutivo para a economia grega e para o povo grego e que custou o dobro dos Jogos Olímpicos de Sidney) foram generosamente financiados pelos grandes bancos europeus (com os alemães à cabeça). É claro que coube a empresas alemãs a parte de leão dos ‘negócios’ envolvidos naqueles ‘Jogos’.

Já a Grécia respirava mal em virtude das dificuldades resultantes do peso da dívida e a Alemanha emprestava dinheiro ao governo grego com a condição de este não reduzir os programas de aquisição de navios de guerra e outro material bélico que a Alemanha queria vender. E a Alemanha vendeu ao governo grego, por muitos milhares de milhões de euros, cinco submarinos Type-214, ao mesmo tempo que a França lhe vendia (em 2009, em plena crise!) vinte helicópteros militares NH-90, e o RU vendia quatro navios de guerra Super Vita, somando mais uns milhares de milhões de euros.

O respeitado Instituto sueco SIPRI apurou que a Grécia absorveu, entre 2007 e 2011, 13% das exportações alemãs e 10% das exportações francesas de material de guerra, apresentando-se como um dos maiores importadores mundiais de armamento. [7] E o povo grego, vivendo acima das suas posses, desloca-se agora, de ilha em ilha, viajando em helicópteros, em fragatas ou em submarinos (de preferência estes, para encobrir os sinais exteriores de riqueza…). Se fossem devidamente contabilizados todos os malefícios do grande capital financeiro, dos políticos e das políticas ao seu serviço, o mundo perceberia melhor a origem dos males que nos afligem.

Uns anos atrás, durante mais de uma década, a Siemens conseguiu ganhar na Grécia, com base em subornos dos políticos gregos, contratos milionários, praticamente ‘encomendados’ pelo fornecedor e financiados com créditos concedidos por bancos alemães, que agora acusam os gregos preguiçosos de se terem endividado para viverem acima das suas posses. O mínimo que se pode dizer é que não é justo obrigar o povo grego a pagar tal dívida.

Estes e outros ‘negócios’ contaram certamente com a assessoria do Goldman Sachs (sob a batuta de Mario Draghi, actual Presidente do BCE), com a ‘generosidade’ dos maiores bancos alemães e franceses (desejosos de não perder a oportunidade de ganhar bom dinheiro, mesmo que tais empréstimos fossem concedidos muitas vezes sem ter em conta as regras mínimas da prudência bancária) e com a cumplicidade das autoridades da UE.

Esta visão das coisas tem levado alguns autores (entre os quais me incluo, na minha modéstia) a defender que países como a Grécia e Portugal não poderão suportar por mais tempo as consequências das políticas recessivas que lhes estão a ser impostas nem os sacrifícios que estão a ser exigidos aos seus trabalhadores, e a defender também que estes países, ainda mais depauperados por força dessas políticas, não poderão pagar as dívidas contraídas e os juros especulativos que estão a cobrar-lhes.

Tendo isto em conta, ganham pleno sentido as propostas que têm vindo a lume, por parte de alguns especialistas e de alguns partidos políticos de esquerda, no sentido de se pôr de pé, de forma concertada entre vários países da zona euro, um movimento que, rejeitando os dogmas inspiradores dos programas de ajustamento impostos pela troika aos países vítimas da especulação contra o euro, se empenhe em organizar e fazer vencer um programa de reestruturação da dívida destes países.

Como muitos outros autores, defendo que as negociações com este objectivo devem ser antecedidas de uma auditoria cidadã às contas dos estados devedores, para se apurar – em termos políticos (e não puramente técnicos), com a participação dos cidadãos, dos sindicatos, dos partidos políticos – em que condições essa dívida foi contraída e qual o destino dos fundos tomados de empréstimo, por forma a saber-se qual a parte dessa dívida que deve ser considerada dívida ilegítima (ou mesmo dívida odiosa). Porque o Direito Internacional reconhece que as dívidas ilegítimas e as dívidas odiosas não são exigíveis: os povos têm o direito de não as pagar e os governos que respeitem o mandato dos seus eleitores têm o dever de não as pagar.

Passada esta fase, uma renegociação e reestruturação da dívida soberana deve atender a estes pontos essenciais: fixação de um período razoável de carência (suspensão do pagamento dos encargos da dívida e da sua amortização); redução do montante da dívida (por exemplo, a que ultrapassa 60% do PIB), por perdão, mutualização ou outro instrumento; baixa da taxa de juro; alargamento dos prazos de pagamento; doseamento dos pagamentos a efectuar anualmente em função do volume das exportações ou da taxa de crescimento do PIB; reconhecimento do direito de suspender a satisfação dos encargos da dívida nos anos de recessão.

Mais uma vez chamo à colocação Paul Krugman: «Se quiser ser realista, a Europa tem de se preparar para aceitar uma redução da dívida, o que poderá ser feito através da ajuda das economias mais fortes e de perdões parciais impostos aos credores privados, que terão de se contentar com receber menos em troca de receber alguma coisa. Só que realismo é coisa que parece não abundar».

A verdade, porém, é que, por mais sensata que ela seja, esta ideia da renegociação e reestruturação da dívida tem tido a oposição radical dos santuários mais beatos do neoliberalismo, entre os quais o BCE, que vê no velho dogma das finanças sãs a panaceia capaz de resolver todos os problemas. Acreditam os fundamentalistas que só a austeridade (exigida para garantir a estabilidade dos preços e o equilíbrio orçamental) pode gerar confiança (dos ‘mercados’ e dos investidores) e que só a confiança pode criar emprego.

O problema é que a confiança está a fazer-se rogada, exigindo cada vez mais sacrifícios aos trabalhadores. A recessão acentua-se e prolonga-se e o desemprego aumenta… É o resultado conhecido das velhas receitas liberais, pré-keynesianas, que, até ao início da década de 1970, se julgavam mortas e enterradas. Em nome da ortodoxia neoliberal, em vez de se combater o desemprego, atacam-se os desempregados, como se fossem criminosos, e «conduzem-se países à falência para evitar a falência de bancos».

Mesmo nesta Europa austeritária, receou-se, a certa altura, que o ‘inferno’ para que vinham empurrando a Grécia poderia obrigar este país a declarar a cessação de pagamentos e o abandono do euro. E vários autores avisaram que a Grécia poderia não ir sozinha para o ‘inferno’. Entre outros, Paul Krugman: «É fácil ver como esta pode ser a primeira peça de um dominó que se estende a grande parte da Europa, (…), que pode tornar-se no centro de uma nova crise financeira».

Neste contexto, começou a ganhar terreno, em meados de 2011, a ideia da inevitabilidade da reestruturação da dívida externa grega, processo que começou a pôr-se em prática, mais na sombra do que às claras, porque a posição oficial era (e ainda é…) a de recusar qualquer ideia de renegociação e reestruturação da dívida.

O então Presidente do Eurogrupo começou a falar da necessidade de uma reestruturação soft da dívida grega. E, em finais de Junho/início de Julho/2011, a Alemanha e a França (que, talvez por defeito de fabrico, sempre gostaram de se substituir à ‘Europa’) começaram também a dar sinais de alguma flexibilidade, admitindo a renegociação com a participação voluntária dos bancos privados. Talvez tenham concluído que esta poderia ser a solução para acautelar da melhor maneira os interesses dos ‘seus’ bancos, com elevado grau de exposição à dívida grega, e para não se arriscarem a perder o deutsche euro, que tão bons serviços lhes tem prestado.

De acordo com as notícias vindas a lume, no início de Julho/2011, os bancos privados (sobretudo franceses e alemães) aceitaram reformar 70% da dívida de curto prazo e de médio prazo, substituindo-a por títulos de dívida pagável num prazo de trinta anos, com uma taxa de juro entre 5,5% e 8%, conforme a taxa de crescimento do PIB grego que vier a verificar-se. Os especialistas chamaram a atenção para o facto de esta operação (que teve o acordo da entidade que congrega a banca europeia, a Autoridade Bancária Europeia – EBA) assentar em um novo ‘produto financeiro’, particularmente complexo, que poderá conduzir a uma situação idêntica à que decorreu dos empréstimos subprime nos EUA.

Esta solução teve como contrapartida a condenação da Grécia à adopção de mais medidas de austeridade, pouco compatíveis com o estatuto de um estado soberano. Fortemente pressionadas, as autoridades gregas aceitaram o ‘acordo’ («rollover agreement»), que lhes foi imposto. Mas quando o Primeiro-Ministro Papandreou falou em ouvir o povo através de referendo, puseram-no na rua.

Em Março de 2012, deram-se mais alguns pequenos passos no mesmo sentido.

No entanto, apesar de o governo grego da altura ter sido ‘nomeado’ pela troika e pelos ‘mercados’, os créditos dos ‘sócios’ da troika não entraram no acordo. E a troika impôs condições (compensação aos credores, recapitalização da banca, etc.) que quase esvaziaram os efeitos positivos desta ‘reestruturação’.

Para entregar mais uma prestação do empréstimo concedido à Grécia a troika impôs ainda um novo programa de austeridade, persistindo – apetece dizer criminosamente – em condenar o povo grego a mais desemprego e a mais miséria e em destruir a economia do país, obrigando a Grécia a um programa de privatizações que transferirá para as mãos do grande capital estrangeiro (com os alemães na primeira linha), a preços de saldo, o que resta do sector empresarial do estado.

Para comemorar a façanha, o Ministro das Finanças alemão e o porta-voz da Comissão Europeia apressaram-se a dizer que, aliviada um pouco a carga, o governo grego tinha de cumprir escrupulosamente as exigências da troika…, exigências que, ainda que não escrupulosamente cumpridas, produziram, no período entre 2010 e 2012, uma diminuição acumulada do PIB de 25%, e conduziram a uma taxa de desemprego próxima dos 27%.

Esta reestruturação viciada não corrigiu nada na trajectória da dívida grega, antes agravou a situação geral no país. A tal ponto que foi inevitável uma nova reestruturação, mais uma vez ‘comandada’ pela troika (ou pela Alemanha, disfarçada de troika). Após as eleições de Junho de 2012 (marcadas pela escandalosa chantagem sobre o povo grego e pela ingerência nos assuntos internos da Grécia por parte das agências e dos estados ao serviço do capital financeiro) o governo de coligação anuncia o seu propósito de renegociar as condições da dívida, aceitando cumprir as ‘metas’ impostas pelos credores. Desta vez, entraram também os créditos das entidades representadas na troika.

O resultado – tanto quanto se sabe – traduziu-se na concessão de um período de carência; no adiantamento de parte do dinheiro emprestado para financiar a recompra de dívida externa grega no mercado secundário a um preço inferior ao da sua emissão (o que configura, indirectamente, uma redução da dívida); no compromisso de entregar ao estado grego os lucros obtidos pelo BCE nas operações sobre a dívida grega; no perdão de parte da dívida; no aumento dos prazos de maturidade dos empréstimos e na baixa das taxas de juro.

Teriam feito o justo e o correcto se estas facilidades tivessem sido concedidas antes de as políticas de austeridade terem destruído a economia grega e privado o estado grego de meios para promover o desenvolvimento autónomo do país.

É óbvio, de todo o modo, que não se trata de reestruturação a sério, porque, depois dos malefícios infligidos ao povo grego, as medidas adoptadas não proporcionam à Grécia condições mínimas para poder fazer crescer a sua economia, gerar emprego e criar riqueza. A ‘penitência’ imposta ao povo grego vai continuar, pelos vistos, até o deixar exangue.

A persistência nesta atitude absurda de recusar a ideia de uma reestruturação e renegociação séria da dívida dos países mais fracos e mais sujeitos aos chamados choques assimétricos (Grécia, Portugal e outros pequenos países da zona euro) só poderá conduzir a uma situação em que estes países sejam empurrados para fora do euro, ainda que contra a sua vontade. A menos que estes países aceitem ser ‘escravos’, continuando a aplicar as políticas de austeridade que têm criado verdadeiras tragédias humanitárias sem terem resolvido nenhum dos problemas de equilíbrio financeiro que se propuseram resolver.

4 — Logo que começou a ficar claro que as eleições legislativas de 21.1.2015 seriam ganhas por um partido que lutava contra as políticas de austeridade que conduziram a Grécia a uma verdadeira tragédia humanitária, a intervenção externa e as ameaças ao povo grego por parte de altos dignitários da UE e dos ‘países dominantes’ tornaram-se mais evidentes.

Três dias antes do acto eleitoral, Mario Draghi, intervindo na qualidade de Presidente do BCE, avisou que o programa de quantitative easing (alívio quantitativo, na tradução literal: a compra, durante determinado período, de 60 mil milhões de euros por mês de títulos de dívida pública de países do euro) só seria aplicado à Grécia mediante certas condições. Os gregos compreenderam: se não comessem a sopa toda que Bruxelas lhes põe no prato, têm o caldo entornado… Mas não votaram de acordo com a ‘sugestão’ de quem os ameaçava.

Dois dias depois das eleições, o Presidente do Eurogrupo afirmou (jornais de 27.1.2015) que «os gregos têm de compreender que os problemas fundamentais da sua economia não desapareceram só porque houve uma eleição». Traduzindo: não adianta terem feito, nas eleições, uma escolha diferente da que nós queríamos, porque a vossa escolha não muda nada. Nós não desistiremos de vos castigar, agora talvez por maioria de razão.

Neste mesmo dia, a Agência Moody’s proclamou, do seu trono imperial, que a vitória do Syriza «influía negativamente nas perspectivas de crescimento». Uma ‘sentença’ terrível para um povo que viu o PIB baixar cerca de 25% em resultado das políticas colonialistas impostas pela troika.

O social-democrata alemão, Martin Schultz, Presidente do Parlamento Europeu, não terá sido ‘politicamente correcto’ quando disse que preferia um «governo de tecnocratas» ao governo que acabava de ser eleito pelo povo grego. Mas ao menos disse o que pensava, para nós pesarmos bem a importância da democracia representativa para certos democratas. Pelos vistos, ele gostava mais de uma outra «junta civil» como a liderada pelo banqueiro Lucas Papademus (idêntica à que, na Itália, foi chefiada por outro banqueiro, Mario Monti), que ninguém elegeu, mas que sabia interpretar bem os interesses do grande capital financeiro. Mesmo os artistas mais consagrados deixam cair as máscaras…

A mesma cultura democrática transparece na proclamação do ministro das finanças alemão: «as eleições não mudam nada». Esta é a democracia do capital!

E o Financial Times não se conteve e anunciou mesmo a ‘morte’ do ‘criminoso’: «Este governo não pode sobreviver».

Em 28.1.2015, um dos vice-presidentes da UE (J. Kartainen) disse, sem o mínimo de vergonha: «nós [a UE] não mudamos de política em função de eleições». Ficamos sem saber para que servem as eleições, ou seja, ficamos a saber que, para a democrática UE, as eleições não servem para nada. Nem se percebe por que não as proíbem: era uma ajuda para diminuir a despesa pública…[8].

5 — Na primeira ronda de negociações (Fevereiro de 2015), os jornais anunciaram que o Presidente da Comissão Europeia e o Comissário Moscovici tinham chegado a um acordo com o governo grego. Só que, na reunião do Eurogrupo que deveria ratificá-lo, o respectivo presidente, verdadeiro moço de recados de Schäuble e Merkel, começou a reunião afirmando que aquele acordo não servia para base das negociações, apresentando uma proposta alternativa ‘em alemão’.

Em 16.2.2015, os ministros das finanças da zona euro, num gesto ternurento de ‘solidariedade europeia’, avisaram o novo governo grego de que não contasse com o dinheiro da ‘metrópole’ se recusasse continuar as políticas de austeridade. Com esta declaração de guerra, começava o processo de ‘negociações’ em que só o governo grego foi obrigado a ceder.

E o New York Times tirava de imediato a conclusão: «os mercados financeiros pensam que a Grécia não tem qualquer outra escolha que não seja abandonar o euro».

As ‘autoridades’ europeias não autorizaram o governo grego a utilizar cerca de 1.100 milhões de euros de ‘ajudas’ anteriores destinados a capitalizar a banca e que não chegaram a ser gastos nesse objectivo beneficente. E o BCE, contrariando compromissos assumidos anteriormente, anunciou que não devolveria à Grécia cerca de 1.800 milhões de euros por conta dos lucros que obteve com operações sobre a dívida grega.

Entretanto, beneficiando do sacrossanto princípio da livre circulação de capitais, os grandes empresários e os gregos muito ricos fizeram sair do País, durante os anos da ‘crise’, mais de cem mil milhões de euros. Quem o disse foi o Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz (jornais de 10.6.2015). Talvez tenham procurado na Alemanha um ‘porto seguro’, ajudando a Srª Merkel a recorrer menos à emissão de dívida pública e a poupar milhares de milhões de euros (segundo cálculos do Bundesbank, a Alemanha poupou 120 mil milhões de euros entre 2007 e 2014).

Perante este relato, não pode fugir-se à sensação de que estamos perante algo que se parece com uma ‘associação criminosa’ em que cada membro do gang faz a parte que lhe cabe do plano global traçado para aniquilar o inimigo a abater. Wolfgang Streeck tem razão: «a integração europeia transformou-se numa catástrofe política e económica».

6 — Em Junho/2015 teve início a última fase do dramático processo de ‘negociações’ entre os países e instituições credores da Grécia e o governo deste país, eleito com um mandato para pôr termo à austeridade que arruinou a economia do país e provocou uma grave crise social.

Sucessivas reuniões decisivas para o futuro da Grécia iam tornando claro que não havia negociações nenhuma, mas apenas ‘combates’ em que os credores procuravam impor à Grécia mais medidas de austeridade, batendo sempre a tecla da necessidade de cumprir as regras, ainda que estas tenham sido já classificadas de «estúpidas» e «medievais» por um Presidente da Comissão Europeia em exercício de funções.

Os ‘responsáveis’ europeus deram, durante esses longos dias, um triste espectáculo de mediocridade, de hipocrisia e de falta de cultura democrática. Em condições de democracia, a política e os políticos servem para construir soluções que sirvam os povos (é isto a democracia: governo para o povo), ainda que para tanto tenham de meter as regras na gaveta. Porque cumprir regras é tarefa de burocratas, não de políticos.

Sabe-se que o Governo grego propôs medidas de combate à corrupção e à evasão e fraude fiscais, bem como o aumento dos impostos sobre o rendimento dos mais ricos, sobre os lucros das grandes empresas e sobre os produtos de luxo.

É certo que rejeitou as propostas absurdas (provocatórias) dos credores de um saldo primário positivo de 3% do PIB em 2015 e 4,5% em 2016, mas aceitou trabalhar para um saldo positivo de 0,6% do PIB em 2015, 1,5% em 2016, 2,5% em 2017 e 3,5% nos cinco anos seguintes.

Em consequência, teve de aceitar também o aumento do IVA sobre os medicamentos para 6,5% e do IVA sobre produtos alimentares básicos, água e electricidade para 11% (os credores queriam impor taxas mais elevadas para quase todos os bens e obrigar o Governo a acabar com os descontos fiscais para as ilhas gregas).

O Governo de Atenas aceitou igualmente um programa de privatizações que renderia 3,2 mil milhões de euros em 2015/2016, mil milhões de euros em 2017-2019 e 10,8 mil milhões de euros no período posterior a 2020. Mas propôs que se constituísse, com essas receitas, uma provisão para garantir os direitos dos trabalhadores das empresas privatizadas e para investimento e que o restante fosse canalizado para financiar a Segurança Social e um banco de investimento que o Governo pretendia criar.

O Governo de Tsipras admitiu só repor o salário mínimo ao nível de 2010 depois de 2016 e propôs igualmente a adopção de medidas de combate ao ‘trabalho negro’ e à fuga aos descontos para a Segurança Social. E aceitou também aumentar progressivamente a idade de reforma e diminuir gradualmente as reformas antecipadas aos 62 anos.

Perante estas cedências relativamente ao seu programa eleitoral (o chamado Programa de Salónica), o Governo do Syriza pretendia que os credores aceitassem algumas medidas de alívio no que toca ao montante dos juros a pagar em 2015/2016 e proporcionassem à Grécia um programa de financiamento de medidas destinadas a promover o crescimento económico do país no período 2016-2021.

7 — Pois bem. Apesar disto, dessas reuniões iam saindo declarações dos representantes dos credores verdadeiramente insultuosas para os governantes gregos e para o povo da Grécia. O Governo da Grécia e o seu Primeiro-Ministro (que apresentou um programa social-democrata moderado, cometendo talvez o ‘crime’ de ressuscitar’ Keynes e as políticas keynesianas) eram rotulados de radicais. [9]

O ministro Schäuble classificou o Ministro das Finanças grego de «estupidamente ingénuo».

A Directora-Geral do FMI disse um dia que era preciso continuar a dialogar, mas que o diálogo só valia a pena «com adultos na sala».

Incrível a falta de educação desta senhora. Não é admissível que um funcionário internacional chame garoto ao Primeiro-Ministro de um estado-membro da Organização em que trabalha. O ordenado principesco que aufere justifica que se espere dela, pelo menos, que seja bem educada, uma vez que a competência dela e do FMI andam pelas ruas da amargura, depois dos erros crassos que cometeu e reconheceu (mas não emendou), das previsões erráticas e erradas que vem fazendo e das políticas que vem defendendo (umas vezes num sentido, outras vezes em sentido contrário).

Do que transpirava dessas reuniões ia resultando também que continuava a discutir-se a partir do pressuposto de que o chamado problema da dívida da Grécia é um problema dos gregos, que têm de aceitar todas as ‘penas’ impostas pelos credores (creio que só o Primeiro-Ministro grego insistia em continuar a falar de parceiros…).

De acordo com a informação de que disponho, creio poder afirmar que o Governo grego foi para estas negociações com os credores (Fevereiro/2015) sem ter um plano B (um plano de saída do euro, se tal fosse necessário), com base na ideia de que, na sua grande maioria, os gregos queriam permanecer no euro e no pressuposto de que, no quadro da UEM, era possível encontrar uma solução que servisse os interesses do povo grego.

Posso compreender aquela ideia, porque, segundo as sondagens, as reportagens e os comentários que tenho visto e lido, os gregos dão muita importância ao facto de terem a mesma moeda de outros (grandes) países da Europa. Há quem veja nesta ligação afectiva ao euro por parte do povo grego o reflexo de um sentimento de que a entrada no euro significou, para este povo tão martirizado (que foi berço da civilização europeia), o regresso definitivo à Europa (à sua casa europeia), depois da dureza da ocupação otomana e da quebra de identidade que ela terá significado.

Mas, politicamente, não posso acompanhar o pressuposto de que é possível permanecer no euro e, ao mesmo tempo, pôr termo às políticas de austeridade e ao retrocesso civilizacional que elas representam.

E porque assim penso, não me surpreende o resultado negativo e muito desgastante daquela ronda de negociações para o Governo do Syriza, que caiu na armadilha que ele próprio ajudou a preparar. Deixando claro que não tinha um plano alternativo, e proclamando que o seu objectivo prioritário era o de manter a Grécia na zona euro, o Governo grego só podia esperar uma pesada derrota no combate que ia travar com os ‘credores inimigos’, mais experientes e mais fortes (até porque sabiam muito bem que o governo grego precisava de financiamento e que o sistema bancário grego precisava de liquidez).

Sem surpresa, estas negociações de Fevereiro/2015 terminaram de forma desastrosa para a Grécia e de forma desonrosa para os credores. A estratégia de tentar mudar as regras de funcionamento da zona euro para, dentro dela, transformar a economia e a sociedade gregas, ficou esvaziada.

8 — Começa a ficar claro, a meu ver, que, como já vi escrito, «a Europa não tem um problema grego, tem um problema alemão», traduzido no regresso da irracionalidade, da arrogância, da embriaguez do poder por parte da elite dirigente da Alemanha, que se vangloria de que «agora na Europa fala-se alemão» e que parece continuar a contar com um povo fiel e obediente aos desígnios dos chefes. Um problema que reside no regresso da Alemanha alemã a uma Europa alemã. A Alemanha alemã reconstituiu o seu espaço vital no centro e no leste da Europa e vai ‘colonizando’ os povos do sul, todos a trabalhar para a Alemanha. A Europa alemã transformou-se numa espécie de Europa de Vichy, capitulacionista e colaboracionista, fazendo exactamente o contrário do que pedia Thomas Mann em 1953: uma Alemanha europeia numa Europa europeia, não uma Europa alemã comandada por uma Alemanha alemã.

Entretanto, com os fumos saídos dessas reuniões vinham ciscos incandescentes e incendiários, acenando com a possibilidade de a Grécia ter de sair da zona euro, uma arma utilizada a preceito porque os credores conheciam as sondagens indicativas de que a maioria dos gregos é favorável à permanência da Grécia no euro, sendo que esta é também a posição oficial do Governo do Syriza. Ameaçar com a ‘expulsão’ da Grécia do clube do euro era, pois, uma maneira de semear junto dos gregos o medo de serem expulsos de casa (da Europa), remetidos de novo, talvez, para as garras do império otomano.

Esta música ia permanecendo em antena por inspiração de Schäuble, que contou, como sempre, com alguns ajudantes. O Ministro das Finanças da Áustria proclamou aos quatro ventos (3.7.2015) que «o problema da saída da Grécia do euro resolve-se facilmente».

Mais brilhante foi Cavaco Silva, que veio explicar ao mundo que a zona euro tem 19 membros, pelo que, se sair um, ainda ficam 18. Lindo menino! Mostrou que sabe fazer uma conta de diminuir que se aprende na 1ª classe. Mas mostrou também que não percebe nada do que é a UEM, nem percebe o que significa o euro, nem percebe nada da Europa, e mostrou ainda que é completamente ignorante no domínio da História e da política. Uma vergonha.

Apesar destas ‘lições’, muita gente se foi apercebendo de que a saída da Grécia da zona euro punha a ‘Europa’ a navegar por mares nunca dantes navegados. E o medo do Adamastor ressurgiu: poderia ficar em causa o futuro do euro e o futuro da Europa.

Pouco antes de Cavaco Silva falar, o Presidente em exercício do Conselho Europeu declarava: «não tenho dúvidas de que este é o momento mais crítico da história da Europa e da zona euro».

Por essa altura, foi também a vez de a Srª Merkel vir a público, assustada: «Se perdermos a capacidade de encontrar compromissos, então a Europa está perdida»; «se o euro falha, a Europa falha». [10] 

Mas faltam classe e clarividência a estes ‘chefezinhos’ da ‘Europa’: não têm qualquer visão política do que seja a Europa e não fazem a mínima ideia do que querem fazer com a Europa. A ‘Europa’ está à deriva.

9 — Em desespero de causa (vendo que os socialistas europeus lhe negavam o apoio que talvez esperasse, dada a moderação das suas propostas), o Primeiro-Ministro grego anunciou, em finais de Junho/2015, a realização de um referendo, marcado para 5 de Julho de 2015, para que o povo se pronunciasse (SIM ou NÃO) sobre o programa de austeridade que os credores lhe queriam impor. Desta vez, não conseguiram fazer a Tsipras o que fizeram em 2012 a George Papandreou: despedi-lo e pôr em seu lugar uma «junta civil» comandada por um banqueiro. Mas os dirigentes dos países credores e da UE ficaram furiosos. E não o esconderam.

Entretanto, em 30.6.2015, a Grécia falhou o pagamento de 1,6 mil milhões de euros ao FMI. Poucos dias antes do referendo, o BCE (desrespeitando claramente o seu mandato, que o obriga a garantir a estabilidade financeira na zona do euro) suspendeu a linha de assistência de emergência destinada a fornecer liquidez à banca (a chamada ELA – Emergency Liquidity Assistance). O Governo grego teve de fechar os bancos para evitar a corrida aos depósitos e impor o controlo de capitais, fixando um limite de sessenta euros diários para levantamentos em caixas multibanco.

Vários responsáveis da UE e algumas instituições intensificaram a sementeira do medo, acenando com o papão da saída do euro e com o inferno que se seguiria. Mais um episódio da costumada ingerência da eurocracia e dos governantes de vários estados-membros da UE nos assuntos internos de outros estados. Mesmo os socialistas com responsabilidades de governo alinharam nesta ‘guerra’, à semelhança dos seus camaradas que, ao votarem no Bundestag os créditos da guerra, no dia 4 de Agosto de 1914, abriram caminho à Primeira Guerra Mundial.

Em 3.7.2015, o Presidente da Comissão Europeia foi claro: «a vitória do NÃO deixará a Grécia dramaticamente enfraquecida». E o Presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata alemão Martin Schultz, não poupou no ‘chumbo’ sobre o povo grego, avisando que o voto NÃO significaria o fim imediato do financiamento europeu, pelo que a Grécia ficaria «sem dinheiro, os salários não poderiam ser pagos, o sistema de saúde deixaria de funcionar, o fornecimento de electricidade e o sistema de transportes públicos ficaria paralisado» (Expresso de 7.7.2015).

Reagindo ao fogo inimigo, o Ministro das Finanças da Grécia deixou cair o verniz diplomático e disse uma verdade: «o que estão a fazer à Grécia tem um nome: terrorismo».

Contra a corrente, surgiam também vários apoios ao povo grego, pouco divulgados, porque não encaixavam nos critérios jornalísticos da imprensa livre. Um deles foi o do Prémio Nobel Joseph Stiglitz (29.6.2015), segundo o qual o voto NÃO «deixaria pelo menos aberta a possibilidade de a Grécia agarrar o seu destino com as suas próprias mãos».

O referendo realizou-se sem problemas (quem diria que um estado ineficiente seria capaz de organizar um referendo com esta importância e com esta envergadura em tão poucos dias?). Apesar dos bancos fechados, da falta de dinheiro e da campanha de terror, as políticas de austeridade receberam um rotundo NÃO de 67% dos gregos (os que anularam os votos porque queriam ir mais longe também recusaram estas políticas).

Foi comovente assistir à vitória da coragem sobre o medo, da resistência sobre o colaboracionismo, da dignidade sobre o servilismo, dos homens sobre os ‘carneiros’, da cidadania sobre o terrorismo, da política sobre as ‘regras’, da democracia sobre o «fascismo de mercado», da paz sobre a guerra, da verdade sobre a manipulação dela pela ‘comunicação social dominante’. [11] 

10 — Conhecido o resultado do referendo, o vice-chanceler alemão (Presidente do SPD) fez a declaração de guerra (5.7.2015): «destruíram a última ponte sobre a qual um compromisso poderia ter sido alcançado». Para bom entendedor, o recado estava dado: agora têm de aceitar uma rendição incondicional, caso contrário são ‘chutados’ para fora do euro.

O Presidente do Eurogrupo (social-democrata holandês) tocou a mesa música: «este resultado é muito lamentável para o futuro da Grécia».

O BCE (ao qual cabe – recordo de novo – a responsabilidade de manter a estabilidade do sistema financeiro no seio do Eurosistema) recusou um pedido do Banco Central da Grécia para aumentar o montante da linha de emergência ELA, mantendo o limite fixado em 26 de Junho, mas exigindo garantias mais fortes para conceber o mesmo montante de liquidez. É claro que foi necessário continuar com os bancos fechados, com graves prejuízos para as famílias e para as empresas (a economia).

Os credores têm manejado muito bem a arma do medo ameaçando com a ‘expulsão’ da Grécia da zona euro, sabendo que a maioria dos gregos prefere continuar na zona euro. E creio que o povo grego pode ter-se eixado enredar numa armadilha que ele próprio ajudou a construir, ao pensar que é possível manter-se na Eurozona e, simultaneamente, libertar-se do garrote das políticas de austeridade e das ofensas à sua dignidade que elas implicam.

O problema é que a austeridade é, em grande medida, filha do euro, das estruturas da UEM, das malhas tecidas no Tratado de Maastricht. E, como procurei mostrar atrás, o Tratado Orçamental (verdadeiro «golpe de estado europeu», como alguém já lhe chamou) é um autêntico pacto de subdesenvolvimento, um pacto colonial destinado a escravizar (Financial Times) os povos do sul. A UEM não significa liberdade, independência, soberania, mas empobrecimento, submissão, colonização, ‘escravidão’. Por isso é que, a meu ver, a pretensão do povo grego o coloca perante um problema tão impossível de resolver como a quadratura do círculo e o fragiliza que ‘guerra’ que os credores vêm travando contra ele.

Na minha maneira de ver, o Governo grego e o partido que o apoia cometeram o erro político de não terem compreendido isto mesmo. E fico sem saber qual a razão que levou Alexis Tsipras a convocar o referendo. Convocou o povo a pronunciar-se em referendo e fez campanha pelo NÃO. O povo grego, corajosamente, deu-lhe o apoio que pediu. Perante esta lição de dignidade, não consigo descortinar as motivações que levaram o Primeiro-Ministro grego a fazer aprovar no Parlamento, logo a seguir, um programa de austeridade ainda mais violento do que aquele que tinha sido rejeitado em referendo, programa que teve a oposição de dois dos ministros do seu Governo e de vários deputados do Syriza, mas que contou com os votos favoráveis dos partidos que entregaram a Grécia à troika, que submeteram o povo grego às políticas de austeridade dos ‘programas de resgate’ (contra os quais o Syriza sempre votou), e que votaram SIM no referendo.

É legítimo perguntar: para que foi convocado o referendo? Acreditaria Alexis Tsipras que o SIM ia ganhar, ficando desse modo legitimado para aceitar o diktat dos credores? Se acreditava na vitória do NÃO, fica difícil de entender que não tenha ao menos respeitado a lição de dignidade do povo grego, deitando para o lixo, através de uma votação no Parlamento, o voto do povo soberano no referendo de 5.7.2015. Não era de esperar que este governo se juntasse aos credores para, também ele, ofender a dignidade do povo grego.

A verdade é que, antes da realização do referendo, Varoufakis declarou que, em caso de vitória do SIM, se demitiria do cargo de Ministro das Finanças, enquanto Tsipras garantia que, democraticamente, respeitaria a vontade do povo grego, qualquer que ela fosse. E é estranho o que contou Varoufakis, segundo os jornais: depois de conhecido o resultado do referendo, ficou muito surpreendido por ter encontrado Tsipras melancólico no seu gabinete.

Com o voto do Parlamento na mala, o Primeiro-Ministro (que, horas depois do referendo, perdeu o seu Ministro das Finanças, que se tinha tornado incómodo para os credores e talvez também para ele próprio) partiu para Bruxelas, pensando que iria jogar um jogo só para cumprir calendário, com a vitória assegurada, talvez sonhando com uma qualquer austeridade de rosto humano. Enganou-se redondamente, porque esqueceu que Roma não paga a traidores, e os ‘romanos-credores’ sentiram-se traídos (a palavra é de Jean-Claude Juncker) por Tsipras quando decidiu convocar o referendo e muito mais traídos se sentiram quando viram o resultado do referendo e perceberam que o povo grego não cedeu à chantagem nem ao medo, fazendo valer a sua dignidade, para além dos cálculos políticos.

O Primeiro-ministro grego partiu para a ‘guerra’ confiante na vitória (até porque as suas exigências eram mínimas e as cedências eram muitas e importantes, em confronto com o Programa de Salónica e o programa da coligação no Governo), mas sem se ter preparado para a ‘guerra’, porque não tinha estudado e estruturado um plano B para a hipótese (previsível, dado o currículo das troikas) de correrem mal as negociações com os credores.

Seguiram-se reuniões várias, com a intervenção de personalidades diversas, de dia e de noite, numa verdadeira maratona, porque, afinal, os credores também tiveram medo de que a Grécia saísse do euro (poderia abrir-se uma fenda no dique que poderiam não conseguir tapar…) e também porque, do outro lado do Atlântico, Obama lhes fez ver a importância do que estava em causa, para além das contas de merceeiro, no plano da economia mundial e no plano geoestratégico global do imperialismo.

No meio disto tudo, custa a perceber que as questões em cima da mesa, tão importantes (decisivas é a palavra mágica…) à escala da Grécia, à escala da UE e da Europa, à escala da NATO e à escala mundial, tenham sido analisadas e decididas em reuniões do Eurogrupo, ao nível de ‘contabilistas’, confiadas a uma estrutura que não existe nos Tratados como instituição europeia, um órgão informal, mas que tem, afinal, sem qualquer apoio legal expresso, um papel decisivo na análise e na resolução do falsamente chamado problema grego, que é, sem sombra de dúvida, o mais grave problema político que a ‘Europa’ já enfrentou. [12]

Todos sabemos que a CECA foi criada por razões políticas. Que a CEE foi criada por razões políticas. Que foram razões políticas que justificaram a entrada da Grécia na CEE (1981); que levaram à entrada de Portugal e da Espanha na CEE, estimulada e apoiada ‘carinhosamente’ pela ‘Europa’ (1986); que ditaram o alargamento aos países da Europa central e de leste (nomeadamente aos que tinham integrado a comunidade socialista europeia e que, historicamente, fazem parte do espaço vital da Alemanha); que conduziram à criação da UEM e do euro. Todos sabemos que foram razões políticas que permitiram a entrada no clube do euro de países como Portugal, Grécia, os países bálticos e outros.

O que estão a fazer as instituições políticas da UE, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e até o Conselho de Chefes de Estado e de Governo? Quem decide sobre os problemas políticos mais importantes da ‘Europa’ são os ministros das finanças? Os problemas em discussão são um problema de contas? Que ‘Europa’ é esta? É uma vergonha para os europeus. Oxalá não venha a ser o coveiro da democracia e da paz na Europa, neste ano em que passam cem anos (bem medidos) sobre o início da 1ª Guerra Mundial (que começou nos Balcãs, lembram-se?) e setenta anos sobre o fim da 2ª Guerra Mundial.

11 –– Em 12 de Julho de 2015 foi tornada pública a plataforma de entendimento que os credores impuseram à Grécia e da qual constam as exigências apontadas como a condição sine qua non para um eventual futuro terceiro resgate com base em empréstimos concedidos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE). É um ultimato mais humilhante para o povo grego do que o Tratado de Versalhes para a Alemanha vencida na 1ª Guerra Mundial.

Tal como por ocasião do Pacto de Munique, em 1938, toda a ‘Europa democrática’, governada por conservadores ou por socialistas (no caso da Alemanha governada por uma grande coligação entre os dois partidos destas ‘famílias’ políticas), aceitou agora também a vergonha deste diktat humilhante imposto à Grécia pelos credores.

Esta operação ainda não recorreu ao «modelo chileno dos anos 1970» (cito de novo Wolfgang Streeck), talvez porque, como refere o sociólogo alemão, esta é uma opção que não está ainda actualmente disponível. A subjugação do ‘inimigo’ derrotado, espezinhando, como no Chile de Allende, a vontade democraticamente expressa pelo povo soberano, não recorreu, desta vez, aos tanques de um qualquer Pinochet. E não utilizou sequer os meios técnicos mais sofisticados que dispensam os tanques, os aviões, os drones, os bombardeamentos cirúrgicos (que só produzem danos colaterais).

Mas é um golpe do mesmo tipo: um golpe contra a democracia e contra a soberania de um povo, impiedosamente sacrificado aos interesses do império dos credores e do capital financeiro que governa o mundo. A guerra está a regressar à Europa, mas os soldados invasores usam fardas e armamento muito diferentes dos utilizados anteriormente. Mas os ‘senhores da guerra’ são praticamente os mesmos.

Dramaticamente, tal como aqueles que assinaram com a Alemanha nazi o Pacto da vergonha (Munique, 1938), também agora os dirigentes socialistas no poder (França e Itália) e os partidos socialistas na oposição (alguns dos quais estão entre os que chamavam Tsipras de radical irresponsável e agora o apelidam de realista corajoso) proclamam aos quatro ventos, orgulhosos do seu feito, que, graças a eles, foi conseguido este ‘acordo’ (recusam ver nele um ultimato humilhante), que salvou a Grécia, o euro e a Europa. Não aprenderam nada com a História.

O FMI veio agora dizer (um dia destes dirá exactamente o contrário…) que, no caso da Grécia, a dívida é altamente insustentável, adiantando que, com as medidas propostas pelos credores, «a dívida pública grega permanecerá em níveis muito elevados ao longo de décadas e altamente vulnerável a choques», admitindo que atinja um pico de 200% do PIB em 2018, prevendo que só lá para 2040 a dívida venha a situar-se à roda de 70% do PIB, e defendendo, por isso mesmo, a necessidade de uma reestruturação da dívida bastante ampla (perdão de 30% da dívida, concessão de um prazo de carência de trinta anos e prorrogação do prazo de vencimento da dívida por outros vinte anos). [13] 

Mas a verdade é que a Alemanha (e outros ‘alemães’ da Europa do capital) tentou impedir a publicação do relatório em que o FMI defende este ponto de vista. Acabou por vir a público por pressão dos EUA (quem pode, manda…). E o ‘acordo’ imposto à Grécia ignora, olimpicamente (talvez em homenagem à Grécia…) tal questão.

Limita-se a declarar que «existem graves preocupações quanto à sustentabilidade da dívida grega», mas logo acrescenta que tal situação se deve ao «afrouxamento das políticas durante os últimos doze meses».[14] E continua: «o Eurogrupo mantém-se disposto a ponderar, se necessário, possíveis medidas adicionais (eventual alargamento dos períodos de carência e dos prazos de pagamento)», mas adverte que «estas medidas ficarão dependentes da aplicação integral» do tratamento de choque austeritário imposto pelos credores. E remata: «a Cimeira do Euro salienta que não podem ser efectuados cortes nominais da dívida». Acabou a conversa. [15]

A verdade, porém, é que o medo do Grexit por parte dos credores e, muito provavelmente, a pressão da Administração americana, levaram o FMI a declarar, em 14.7.2015, que «a dívida da Grécia só pode tornar-se sustentável através de medidas de alívio que vão muito além daquilo que a Europa está, até agora, disposta a conceder».

Por outro lado, Mario Draghi vem revelando a discordância aberta do BCE com Schäuble (que continua a defender em público a saída da Grécia da zona euro, pelo menos temporariamente), sustentando que a Grécia precisa urgentemente de um «alívio da dívida» no âmbito do que permitem os Tratados da UE, recordando (aos Schäuble) que o BCE tem «um mandato para cumprir» e que não deixará de o cumprir, concluindo que «a Grécia é e continuará a ser um membro da zona euro». Parece que o BCE é o dono disto tudo (parafraseando um dito muito em voga no nosso País)…

Até a Comissão Europeia se vem pronunciando no sentido de que a dívida grega só poderá tornar-se sustentável se beneficiar de «uma alteração de perfil muito substancial», com maturidades mais longas para os empréstimos actuais e futuros, moratória no pagamento de juros e taxas de juro mais baixas (taxas AAA). Alguma coisa mexe…

Porque todos sabem, a começar pelos credores, que este ultimato não resolve nada, nem o problema da dívida, nem o problema da permanência da Grécia na zona euro. Bem prega a Comissão Europeia (e alguns ‘comentadores orgânicos’) que este ‘acordo’ permitiu ultrapassar definitivamente a ameaça de um Grexit. Mas ninguém leva a sério estas ‘sentenças’.

Mais grave ainda. Este ultimato deu passos atrás no que toca à resolução do verdadeiro problema da Grécia: uma estrutura produtiva distorcida, [16] fraco crescimento económico, forte dependência da importação de produtos essenciais (alimentos, energia, medicamentos, equipamentos).

12 — A referida plataforma de entendimento começa por enfatizar o seguinte: «A Cimeira do Euro sublinha a necessidade crucial de restabelecer a confiança com as autoridades gregas». Mas é claro que não é de confiança que se trata, porque, neste capítulo, as autoridades que representam os credores é que não oferecem confiança nenhuma. Quem precisa de justificar a confiança nelas são as autoridades europeias, as mesmas que patrocinaram negócios escuros, inspirados pelo Goldman Sachs e outros, que levaram a Grécia à ruína, em proveito das empresas alemãs e dos grandes bancos alemães e franceses e dos seus amigos gregos (conservadores e socialistas).

Em ‘tradução’ minha, o que a afirmação que transcrevi significa é isto: os credores vitoriosos sublinham que a Grécia vencida tem de se render incondicionalmente aos nossos comandos e o governo grego tem de ‘colaborar’ com as ‘tropas ocupantes’ (que vão regressar ao território ocupado, talvez não fardadas de troika mas fardadas de instituições), ainda que para tal tenha de desrespeitar e castigar o seu povo. Só assim as autoridades gregas terão a nossa confiança.

Para merecer esta confiança, o governo da Grécia tem de cumprir a sentença a que foi condenado de revogar, por via legislativa, decisões do Supremo Tribunal da Grécia favoráveis aos pensionistas e de revogar, a curtíssimo prazo, a legislação que promulgou durante os cinco meses de governo de Syriza com a qual a troika não concorda.

Para «restabelecer a confiança», o ultimato dos credores obriga o Governo grego a reconhecer que fruto das suas políticas algumas das dificuldades por que passa actualmente a Grécia. Obriga-se a vítima das políticas de austeridade que lhe foram impostas a atribuir a si própria a culpa dos seus sofrimentos, ilibando os carrascos dos ‘crimes’ que cometeram contra o bem-estar e a dignidade do povo grego. É puro sadismo.

O diktat de 12.7.2015 obriga também o Parlamento grego a aprovar, dentro de dois ou três dias, legislação vária e complexa, que, inclusivamente, obriga o governo grego a «introduzir cortes quase automáticos nas despesas no caso de desvio em relação aos objectivos ambiciosos relativos ao saldo primário, depois de consultado o Conselho Orçamental e sob reserva de aprovação prévia pelas Instituições» (FMI, UE e BCE).

É uma humilhação para o Parlamento grego, obrigado a votar de cruz (incluindo a perda de competências próprias dos parlamentos, e obrigado a aceitar que, em certas condições, haja cortes automáticos das despesas, i. é, sem qualquer intervenção do Parlamento).

É mais um sinal preocupante da crise da democracia representativa, assim desrespeitada por aqueles que se dizem os seus mais fiéis defensores. Tal ‘democracia’ só serve para enfeitar discursos, mas ninguém a leva a sério. Talvez estejam a brincar com o fogo.

Para além de medidas mais gravosas do que as aplicadas nos últimos cinco anos (obriga a concretizar a cláusula de défice zero até Outubro/2015), aquela plataforma impõe ainda:

*«um programa de privatizações significativamente reforçado» (o saque depois da vitória!);

* a «modernização rigorosa da contratação colectiva» (realce-se o cinismo da palavra modernização quando se impõe um regresso ao passado, contrariando as Convenções da OIT);

*a facilitação dos despedimentos colectivos «segundo as melhores práticas da UE nesta matéria»;

* a revisão da legislação laboral «alinhada pelas boas práticas internacionais e europeias», evitando «o regresso a políticas do passado, incompatíveis com os objectivos da promoção do crescimento sustentável e inclusivo»;

* a adopção de «um vasto programa de reforma do sistema de pensões»;

* a «racionalização do sistema do IVA» (i. é, o aumento brutal da carga fiscal que vai incidir sobre os mais pobres e que vai afectar negativamente o turismo, que é o sector mais importante da economia grega e o único que tem vindo a crescer);

* a adopção de medidas para «reduzir ainda mais os custos da Administração Pública» (traduzindo: baixar ainda mais os salários e despedir mais trabalhadores);

* a publicação a curtíssimo prazo de um Código de Processos Civil, certamente para tornar mais expeditos e mais céleres os processos de penhora, execução de hipotecas e despejo de pessoas que não conseguem pagar as prestações do empréstimo para comprar a casa em que habitam ou as prestações e outros encargos das oficinas, lojas, escritórios ou restaurantes em que ganham a sua vida;

* a obrigação do governo grego de apresentar um pedido de assistência financeira ao MEE, obrigatoriamente acompanhado de pedido idêntico junto do FMI (estranha exigência, que é uma confissão da ‘menoridade’ das instituições da UE; será por que, dado o seu passado, o FMI dá mais garantias como ‘polícia de última instância’?).

Em cada linha, uma afronta ao governo da Grécia e ao povo grego!

Como se vê pela terminologia utilizada, este texto é um monumento ao cinismo e à hipocrisia políticas, utilizando uma linguagem que humilha o povo grego, ao mesmo tempo que procura esconder a verdadeira dimensão do castigo que lhe está a infligir.

Para suprema humilhação, o ‘acordo’ obriga a Grécia a constituir um «fundo independente» constituído por «activos gregos de valor», esperando os credores que a sua venda venha a render 50 mil milhões de euros, que serão assim distribuídos: 25 mil milhões vão directamente para os credores-vencedores; 12,5 mil milhões de euros ficam cativos como contrapartida (garantia) de um eventual abatimento dos créditos do devedor-vencido; 12,5 mil milhões ficarão disponíveis para investimento sob a vigilância dos credores.

Pergunto: se as empresas públicas já foram privatizadas ou devem ser privatizadas imediatamente, que activos são estes? Fala-se do velho aeroporto de Hellinikon (abandonado desde 2001), dos correios, da empresa petrolífera e da companhia de electricidade. Mas estamos longíssimo dos 50 mil milhões de euros. O que resta então? As ilhas do Mar Egeu, as praias, o Parthénon, obras de arte, o recheio dos museus?

Hipocritamente, o diktat dos credores faz uma declaração tipo polícia bom: «A Comissão irá trabalhar em estreita colaboração com as autoridades gregas para mobilizar até 35 mil milhões de euros para financiar a economia».

Mas é claro que não se dispensa o acompanhamento dos representantes dos credores. Mais. Esta mesma Comissão Europeia tem bloqueado o pagamento à Grécia de 35 mil milhões de fundos estruturais a que a Grécia tem direito como membro da UE. Por outro lado, esta promessa de agora está a contar, diria o nosso povo, com o ovo no cú da pita, i. é, com o famigerado Plano Juncker, que nunca mais arranca e que, na minha opinião, não passa de uma quimera, assente na miragem de uma chuva de investimentos privados…

Com estas ‘armas’ os credores derrotaram o povo grego, vão continuar a tarefa de destruir a sua economia, vão aumentar o desemprego, a pobreza e a exclusão social, com a certeza de que a dívida só poderá aumentar e de que a capacidade da Grécia para a pagar vai continuar a ser cada vez mais reduzida. «Não há exemplos de países que tenham recuperado de uma crise através da austeridade» (Joseph Stiglitz).

O que os credores estão a impor ao povo grego são décadas de trabalho escravo ao serviço dos senhores-credores. É o regresso da escravidão por dívidas. Este diktat é o retrato da Europa do euro, da Europa alemã que confiscou a soberania dos estados-membros com a promessa de a trocar por uma solidariedade que agora lhes nega. Os povos da ‘Europa’ ficaram sem uma coisa e sem a outra. E, sem soberania, perderam também o único espaço em que podem exercer a cidadania e praticar a democracia.

13 — No plano pessoal, posso oferecer toda a compreensão a quem tem de tomar decisões em circunstâncias tão dramáticas. Mas, no plano político, não posso deixar de dizer que esses decisores têm de assumir a responsabilidade política por se terem deixado cair na emboscada que lhes foi preparada pelo poderoso e sagaz ‘inimigo’ cuja força não poderiam desconhecer

Falhada, nas condições que refiro atrás, a ronda negocial de Fevereiro/2015, penso que o Governo da Grécia deveria ter concluído que, ainda que continuasse a acreditar na viabilidade da sua estratégia de permanecer no euro e conseguir um ‘bom acordo’ com os credores (um acordo que permitisse aliviar o garrote da austeridade e criar condições para que a economia grega pudesse crescer e criar emprego e riqueza), tal estratégia (que eu acho que ficou esvaziada em Fevereiro) só poderia ter algum êxito se os credores fossem confrontados com a hipótese da saída da Grécia da zona euro em caso de fracasso das negociações.

Ora o Governo do Syriza manteve a prioridade concedida ao objectivo de permanecer no euro e reafirmou isso mesmo publicamente. E, segundo as informações de que disponho, creio que não tratou de preparar o complexo dossiê da saída do euro. E não se preocupou em fazer pedagogia política junto da opinião pública grega (à qual o Syriza tinha dito, durante a campanha eleitoral de que saiu vitorioso, não estar disponível para suportar «nenhum sacrifício pelo euro») com vista a ganhar o seu apoio para as negociações que iriam decorrer no mês de Junho/2015. Partiu para elas com a mesma ingenuidade com que tinha encarado a ronda de Fevereiro. E, sem poder utilizar a possibilidade de saída do euro como arma negocial (por não ter estudado nem preparado esta alternativa), o resultado foi ainda mais desastroso do que em Fevereiro. [17] 

Estas considerações não apagam a minha ideia de que a responsabilidade política dos credores da Grécia no castigo e na humilhação que infligiram ao povo grego é muito maior do que a de Tsipras e do seu Governo. Porque os credores sabiam muito bem que a Grécia não estava preparada para uma alternativa à austeridade punitiva e empobrecedora e puxaram a corda até que, já quase sem poder respirar, Tsipras aceitou o ultimato de rendição incondicional.

Quanto ao que se passou no Parlamento grego na noite de 15 para 16 de Julho/2015, tenho de dizer que estou ao lado da Presidente do Parlamento grego, na justificação do seu voto contra o ultimato dos credores: «Não temos o direito de interpretar o NÃO dos eleitores como um SIM». E não posso apoiar o gesto político daqueles deputados que declararam «votar contra as nossas [deles] consciências e apoiar o acordo», sabendo que 67% dos seus concidadãos rejeitaram clara e corajosamente as políticas de austeridade impostas por tal ‘acordo’.

Deixando de lado os deputados em si mesmos, o que vale a pena sublinhar é que a dita democracia representativa está a tornar-se uma farsa. Não podendo ignorar a vontade do povo grego expressa em referendo dias antes, os que se dizem seus representantes (os que votaram a favor da aceitação do ultimato) não honraram o mandato democrático que receberam através do sufrágio universal e desrespeitaram o povo soberano que os elegeu. Podem dar as voltas que quiserem, podem adulterar o significado das palavras, mas isto não é democracia, é a negação dela.

Uma nota mais: o Parlamento grego votou a submissão ao ultimato dos credores, com 64 votos contra e seis abstenções.

Durante o debate, o Primeiro-Ministro Alexis Tsipras voltou a dizer que não acreditava nas medidas constantes na proposta final dos credores e que não concordava com elas, mas votou a favor da sua aceitação, alegando que não tinha outra alternativa.

Alguém pensa que este Primeiro-Ministro (que agiu, confessadamente, em estado de necessidade) tem condições pessoais e políticas para executar um programa em que não acredita e com o qual não concorda? Obrigá-lo a aceitar tal programa e a comprometer-se a executá-lo foi um gesto deliberado de humilhação, tanto mais que, para além da confissão pública do FMI, não é admissível que algum dirigente europeu acredite em tal programa e entenda que a Grécia poderá algum dia pagar a sua dívida.

Como disse um dirigente finlandês, «o que era importante para nós, desde o início, era conseguir condicionantes duras. Sentimos que isso foi conseguido no acordo». É claro que este foi o objectivo de todos os credores que impuseram o ultimato a Tsipras no dia 12.7.2015: obrigá-lo a aceitar condições duras.

E duas perguntas finais. Será válido um ‘acordo’ assinado sob coacção por quem não acredita nas (e não concorda com as) medidas nele inscritas? As dívidas resultantes deste diktat poderão ser exigidas ao povo grego, que tão expressivamente rejeitou as propostas dos credores? Não se tratará de dívidas ilegítimas ou mesmo de dívidas odiosas, que, segundo o Direito Internacional, os povos não têm que pagar?

14 — Esta guerra dos credores contra o povo grego foi travada (e ganha pelos credores-agressores) também para deixar claro aos povos das colónias do sul que, nesta Europa do euro, nesta Europa do capital, nesta Europa alemã, quem dita as regras são os senhores-credores da ‘metrópole’. Aos povos das ‘colónias’ resta aceitar, submissamente, a sua sorte de colonizados, humilhados e ofendidos, ‘escravizados’.

O exemplo recente da Grécia mostra, a meu ver, entre outras coisas, que, no quadro da UEM, não tem qualquer viabilidade nenhum programa sério de renegociação e reestruturação da dívida soberana, por mais insustentável que seja essa dívida. Nesta ‘Europa’ agora dividida em credores e devedores, os primeiros recusam qualquer possibilidade de reestruturação da dívida que asfixia os devedores.

A Alemanha, que lidera as tropas dos credores nesta guerra contra os devedores, esqueceu o Acordo de Londres (1953) que garantiu o seu desenvolvimento e impõe às ‘colónias’ condições que vão em sentido inverso ao daquelas que lhe foram generosamente oferecidas. Porquê este ‘esquecimento’ da História? A verdade é que a Grécia ofereceu dura resistência ao invasor nazi e não pode hoje, por força das circunstâncias, ser uma peça importante na defesa do «mundo livre» contra a «ameaça comunista», no quadro da guerra fria. Querem castigar o povo grego por isso? Recordem-se, senhores carrascos, que, por causa disso, lançaram a Grécia numa guerra civil particularmente dramática. O povo grego, sobretudo depois do referendo de 5 de Julho, tem direito a não ser tratado com menos respeito do que aquele que o povo alemão mereceu (inclusivamente por parte da Grécia) oito anos apenas depois de os povos da Europa (e o povo grego está no quadro de honra!) terem derrotado as hordas nazis, pondo fim à barbárie.

Em conclusão: a análise do dramático processo que forçou o Primeiro-Ministro grego a assinar um documento em que não acredita e com o qual não concorda pôs em evidência que a Europa de Maastricht e do Tratado Orçamental apagou do chamado espírito europeu qualquer ideia de coesão e de solidariedade.

Pôs em evidência que, talvez na sua maioria, os cidadãos de cada um dos estados-membros não se sente concidadão dos naturais de outro país da UE (sobretudo se este for devedor). Pôs em evidência que o povo europeu não existe. Já sabemos que Dominique Strauss-Kahn disse um dia que, depois de feita a ‘Europa’, era preciso produzir os europeus. Mas ele saiu da cena política, e projecto deve ter sido posto de lado…

Pôs em evidência também que esta Europa do capital e do euro não muda. Os povos que querem salvar a sua independência como estados e a sua dignidade como povos têm de libertar-se das cadeias do euro.

15 — À luz do que fica dito, é inevitável reconhecer que sai reforçada a razão dos que, em Portugal, defendem a urgente necessidade de analisar todas as implicações da saída do euro, preparando-nos para tomar essa decisão quando as condições o aconselharem, sem nos deixarmos colocar na situação de sermos corridos, como agora quiseram fazer à Grécia (temporariamente, por um período de cinco anos, ou a título definitivo). [18]

De muitos lados vem a previsão (sobretudo à luz do que agora se passou no embate entre o povo grego e os credores) de que, mais cedo do que tarde, a Grécia vai ter de sair da zona euro. E de muitos lados vem também a previsão de que Portugal virá a seguir.

O melhor é estarmos preparados para o que aí vier. Porque só deste modo estaremos em condições de acertar com os ‘donos’ da UEM uma saída que diminua os custos que ela implica para os trabalhadores e para a economia nacional. Deste episódio ‘grego’ resulta claro que poderemos vir a ser forçados a uma ‘saída sem rede’.

Portugal nunca deve assumir esta solução, mas não deve fugir a ela, se os credores no-la impuserem. Historicamente, esta foi, aliás, a situação da generalidade dos povos colonizados, que tiveram de conquistar a sua independência em guerra aberta com os colonizadores e enfrentar ainda, após a independência, a hostilidade e o boicote político e económico da antiga potência colonial.

Dito isto, é fora de dúvida que a solução preferível é sempre uma saída negociada e apoiada. E talvez possamos ser optimistas e esperar que esta seja a solução preferível também para a aristocracia dos credores, que se veriam livres dos ‘problemas’ que lhes criam os incivilizados povos do sul (os devedores). Só não pensarão assim se assumirem que o seu objectivo último é o de colonizar e escravizar os devedores.

O processo de saída iniciar-se-á com a declaração da impossibilidade de pagar a dívida e os encargos dela. Mas a dívida não desaparece. Por isso é que é importante a colaboração das instituições da UEM, que poderá traduzir-se na redução do montante da dívida e na definição de outros pontos da necessária reestruturação da dívida, bem como na garantia do BCE relativa à sustentabilidade do nosso sistema bancário e no seu apoio à manutenção da inevitável desvalorização da nova moeda (porventura o escudo) dentro de limites toleráveis (20%-25%), ajudando o país a defender-se de movimentos especulativos contra a nova moeda.

16 — Não quero ser pessimista, mas a verdade é que a persistência nas políticas da UE (disfarçada de troika, actuando como tal ou como BCE ou envergando a farda dos credores na guerra contra os devedores) que estão a arruinar a economia dos países devedores e a minar a sua soberania, bem como a insolência com que os governantes dos países do norte vêm enxovalhando a dignidade dos países do sul, têm todas as características de uma verdadeira guerra.

Porque é de ‘guerra’ que se trata quando os estados mais fortes e mais ricos da Europa humilham os povos dos países mais débeis, ‘castigando-os’ em público com ‘penas infamantes’ e condenando-os a um verdadeiro retrocesso civilizacional em nome da verdade dos ‘catecismos’ neoliberais impostos pelo grande capital financeiro.

Como se diz atrás, o chamado Tratado Orçamental constitui um verdadeiro «golpe de estado europeu», que, sob a capa de soluções ‘técnicas’, dá corpo a uma visão totalitária que suprime o que resta das soberanias nacionais, ignora a igualdade entre os estados-membros da UE, ofende a dignidade dos chamados povos do sul e dos seus estados, e aponta para a colonização dos pequenos países pelos grandes.

Pode estar em perigo a paz na Europa. Jean-Claude Juncker tem razão, por uma vez,  quando diz (entrevista a Der Spiegel, 10.3.2013) que «está completamente enganado quem acredita que a questão da guerra e da paz na Europa não pode voltar a ocorrer. Os demónios não desapareceram, estão apenas a dormir, como mostraram as guerras na Bósnia e no Kosovo»

Sem querer ser agoirento, creio que vale a pena recordar aqui, uma vez mais, este alerta de Joschka Fisher: «A Alemanha destruiu-se – a si e à ordem europeia – duas vezes no século XX. (…) Seria ao mesmo tempo trágico e irónico que uma Alemanha restaurada (…) trouxesse a ruína da ordem europeia pela terceira vez». Dá que pensar.

A Europa alemã está a levar demasiado longe a sua arrogância e a sua desumanidade para com os povos do sul. Em entrevista ao Guardian (16.7.2015), Jürgen Habermas defende que o governo da Srª Merkel, ao impor a Tsipras a rendição incondicional, praticou um «acto de punição» contra o governo do Syriza e contra o povo grego. E acrescenta: «o governo alemão, incluindo a sua facção social-democrata, (…) revelou-se desavergonhadamente como o disciplinador-chefe da Europa e pela primeira vez pediu abertamente uma hegemonia alemã na Europa», o que justifica o temor do filósofo alemão de que este gesto «tenha deitado fora numa noite todo o capital político que uma Alemanha melhor acumulou ao longo de meio século».

O mal-estar cresce por toda a Europa, e também na França. A ponto de o secretário-geral do PS francês ter escrito e publicado uma carta aberta ao povo alemão, de que os jornais deram conta, em que propõe que a Alemanha repense o seu lugar na Europa. Escreve ele: «A Europa, meu querido amigo, não entende a obstinação do vosso país em seguir o caminho da austeridade. Será que o vosso país esqueceu o apoio dado pela França depois daqueles crimes atrozes cometidos em vosso nome? (…) A França e a Europa deixaram a Alemanha tornar-se a potência que é hoje. (…) Mas, querido amigo, a Alemanha tem de se organizar e depressa». Antes que seja demasiado tarde, digo eu.

Não quero terminar sem deixar claro que as questões em aberto não se resolvem pondo bigodes à Hitler nos retratos da Srª Merkel, nem diabolizando a Alemanha como um todo. O regresso da Grande Alemanha fez regressar os medos históricos da Europa, cujos povos têm sido secularmente martirizados e dizimados por guerras que não são as suas. E a extrema direita fascistóide já está no governo na Hungria e na Finlândia. E domina a Ucrânia, com o aplauso e o apoio incondicional das chamadas democracias ocidentais, que nunca mais aprendem a história do aprendiz de feiticeiro.

No entanto, sabemos hoje que a 1ª Guerra Mundial não ocorreu porque um fanático matou um arquiduque numa rua de Sarajevo. E sabemos também que o nazi-fascismo não se confunde com a personalidade psicopática e com as ideias criminosas do fanático Adolf Hitler.

O nazi-fascismo foi o resultado da aliança entre o partido nacional-socialista e os grandes monopólios alemães (da indústria e da finança) em determinadas condições históricas (da história do capitalismo). O que hoje se passa aos nossos olhos é o fruto da ditadura do grande capital financeiro, que ganhou supremacia relativamente às actividades produtivas (Keynes alertou para os perigos de uma situação deste tipo), produziu a ideologia neoliberal e tornou o mundo dependente dela, para seu proveito. Estes têm de ser os alvos do nosso combate, em especial no plano da luta ideológica, um terreno privilegiado da luta de classes nestes nossos tempos.

Texto concluído em 16 de Julho de 2015

[ 1] Estas são as ideias centrais do referido Acordo de Londres, durante o qual os EUA propuseram o perdão total da dívida da Alemanha: a) perdão de 50% da dívida alemã; b) diferimento sine die das dívidas de guerra que seriam reclamadas à RFA (alguns autores admitem, por isso, que o perdão das dívidas da Alemanha terá rondado os 90%)[1]; c) redução considerável da taxa de juro (limite máximo de 5%); d) possibilidade de a RFA pagar na sua própria moeda; e) reescalonamento do pagamento dos restantes 50% para um prazo de trinta anos (algo mais para uma parcela desta dívida, de tal forma que a Alemanha só em 1990 pagou dívida contraída em 1920); f) o pagamento dos encargos da dívida seria feito apenas se houvesse saldo positivo da balança comercial da Alemanha, que não seria obrigada a lançar mão de outros recursos (reservas de divisas ou dívida nova) se não registasse, em dado ano, aquele saldo positivo (para o conseguir, a Alemanha era mesmo autorizada a introduzir barreiras às importações); g) o pagamento efectivo dos encargos da dívida foi condicionado à capacidade de pagamento da Alemanha, não podendo o serviço da dívida absorver mais do que 5% do valor das exportações, e admitindo‑se a suspensão dos pagamentos e sua renegociação em caso de dificuldades económicas; h) os credores obrigavam‑se a permitir à Alemanha garantir de forma duradoura o crescimento da sua economia e a sua capacidade de negociação; i) o objectivo global do Acordo era o de permitir à Alemanha condições para prosseguir o crescimento económico sem sacrificar o consumo dos alemães.

[2]  Informação colhida em http://luizmullerpt.wordpress.com/2015/07/02/a-escandalosa-politica-da-europa-para-cpm-a-grecia-por-jurgen-habermas/

[3] Num quadro tão pobre de ética, são de assinalar, como sinal positivo (mesmo que, como é quase certo, vazio de consequências), as declarações de Joachim Glauck, Presidente da Alemanha, que declarou recentemente ao jornal Sueddeutsche Zeitung (2.5.2015) que os alemães de hoje são «descendentes daqueles que deixaram atrás de si uma senda de destruição na Europa durante a II Guerra Mundial», e, referindo-se especificamente á Grécia, reconheceu que, «vergonhosamente, há muito tempo que nos preocupamos pouco» com ela. Conclui que «o correcto, para um país com consciência histórica como a Alemanha, é considerar as possibilidades existentes para a reparação dos danos causados». Cfr. Avante!, 7.5.2015.

Mas o ministro Wolfgang Schäuble é incapaz de esconder o que lhe vai na alma. Num momento tão delicado para a Grécia e para a Europa do euro, este senhor, segundo os jornais, anunciou que sugeriu ao seu colega norte-americano trocar a Grécia por Porto Rico: a Grécia passava para a zona do dólar e Porto Rico vinha para a zona euro. Quem é este senhor para se arrogar o direito de trocar um país por outro? Todos os limites da decência e da democracia estão a ser ultrapassados.

O que dizem os jornais é que os EUA querem pôr fora do dólar a ‘colónia’ de Porto Rico. Mas os jornais dizem também que a agenda secreta de Schäuble é a de colocar a Grécia fora do euro. Talvez prestasse um bom serviço ao povo grego, devolvendo-lhe pelo menos a sua soberania, mas esse não é um comportamento’ europeu’, é um comportamento próprio de um administrador colonial que entende que certas colónias, depois de se ter comido a ‘carne’, são um fardo para o homem branco

[4] Não é de estranhar, por isso mesmo, que do Governo Papademus tivessem feito parte ‘técnicos’ pertencentes a um partido político de extrema‑direita, impedido de participar em quaisquer governos desde a queda da ditadura militar na Grécia, em 1974.

[5] Muita gente acreditou, na altura, apesar de falarem (falsamente, como bem sabiam e sabem) de problema grego, este iria resolver-se rapidamente, porque se tratava de pouca coisa: o PIB grego não chega a 2% do PIB da zona euro…

[6] Dados recentes da OCDE (9.7.2015) referentes a 2014 mostram que os portugueses trabalharam, em média, 1.875 horas, mais do que a média dos países membros da OCDE (1.770 horas), sendo que os trabalhadores gregos ainda trabalharam mais horas (2.042). Felizmente para eles, os trabalhadores alemães só trabalharam, em média, 1.371 horas, menos 486 horas do que os trabalhadores portugueses e menos 671 horas do que os trabalhadores gregos.

[7] Cfr. Diário Económico de 20.3.2012. Se não nos esquecermos de Portugal, como não recordar a fartura de auto-estradas que semearam por esse Portugal fora (a pedido dos grandes empreiteiros e da banca, que sempre esteve por detrás de todas as negociatas das PPP) e o clima de ‘exaltação patriótica’ com que «o bom povo português» assistiu à inauguração dos dez estádios de futebol para o Euro/2004 (dois só na capital, para fazer inveja a Milão, que tem dois clubes maiores e mais ricos que os de Lisboa, mas só tem um estádio para ambos!) e o júbilo com que celebrou depois a compra dos dois submarinos à Alemanha. Felizmente, só nos quiseram vender dois. Parece que também houve corrupção a olear estes negócios. Na Alemanha já foram condenados alguns dos intervenientes neles, por terem subornado interlocutores portugueses e gregos. Na Grécia, foi preso o próprio Ministro da Defesa, implicado nestes ‘negócios de estado’. Em Portugal, os órgãos judiciais competentes continuam a investigar, mas ainda não apuraram nada… Prova-se a corrupção activa, mas não se prova a corrupção passiva. É obra.  

[8] Em entrevista à New Stateman (ver Diário de Notícias, 16.7.2015), Yanis Varoufakis, já liberto das responsabilidades de Ministro das Finanças, diz que encontrou, nos meios da Eurozona, uma «completa falta de escrúpulos democráticos por parte dos supostos defensores da democracia europeia». E refere que, em uma reunião do Eurogrupo, o ministro Schäuble (que ele considera o maestro da «orquestra muito bem afinada» que é o Eurogrupo) lhe disse sem cerimónia: «não podemos permitir de maneira nenhuma que umas eleições mudem seja o que for». Segundo o relato de Varoufakis, ele comentou: «Talvez não devêssemos simplesmente realizar mais eleições nos países devedores». A resposta – diz ele – foi o silêncio geral. Há silêncios muito reveladores e comprometedores…

[9] O alvo mais apetecido passou a ser, rapidamente, o Ministro Varoufakis, talvez porque, pouco depois de ter tomado posse, ele próprio se rotulou de marxista errático. Ora, pelo que posso extrair das suas declarações e entrevistas tornadas públicas, penso que Yanis Varoufakis é um neo-keynesiano, à maneira de Paul Krugman, Joseph Stiglitz e James Galbraith, o que já é ser muito de esquerda, num tempo em que os sociais-democratas europeus são cúmplices dos neoliberais na morte de Keynes e na salga da sua sepultura, para que não volte a nascer.

De resto, li há tempos que a sua preocupação fundamental era a de salvar o capitalismo de si próprio, uma preocupação tipicamente keynesiana.

No plano da acção política, sabe-se que, antes de se aproximar de Tsipras e do Syriza, Varoufakis foi assessor do Primeiro-Ministro George Papandreou. Não parece, pois, que possa considerar-se um perigoso esquerdista.

Quem ler o Programa de Salónica (o programa eleitoral do Syriza) não pode deixar de concluir, aliás, que ele não vai além do que, segundo os critérios de há um quarto de século, seria considerado um programa social-democrata moderado.

[10] Transcrevo dos órgãos de comunicação social de 29.6.2015. Na minha opinião, as aparentes divergências entre Merkel e o seu Ministro das Finanças talvez traduzam apenas um acordo entre eles (expresso eu tácito) no sentido de um fazer o papel de polícia bom, encarregando-se o outro (Schäuble, neste caso) do papel de polícia mau.

[11] José Vítor Malheiros (Expresso, 7.7.2015) mediu o tempo dedicado nas seis principais estações de TV do nosso país às duas grandes manifestações a favor do SIM e do NÃO. A cobertura da primeira preencheu 46 minutos, a da 2ª não mereceu mais do que oito minutos. Viva a liberdade de imprensa!

[12] Na já citada entrevista à New Stateman, Varoufakis classifica assim o Eurogrupo: «é um grupo que não está previsto em nenhum dos Tratados, mas que tem o maior poder para determinar a vida dos europeus. Não responde perante ninguém, dado que é inexistente, não está previsto na lei. Não são guardadas actas e é confidencial. Assim, nenhum cidadão jamais saberá o que é dito lá dentro. As suas decisões são quase de vida ou de morte, mas nenhum membro tem de responder perante ninguém».

E relata um episódio que retrata bem o ‘estilo de trabalho’ deste organismo inexistente. Um dia, diz Varoufakis, «tentei falar de Economia no Eurogrupo, o que ninguém faz. (…) Não houve nenhum comentário. (…) Se tivesse cantado o hino nacional sueco teria obtido a mesma reacção. (…) Nem sequer houve aborrecimento, foi como se eu não tivesse falado». Anotação do Prof. Yanis Varoufakis (que diz ter trabalhado muito a sua intervenção, para lhe dar coerência e credibilidade): «isso é surpreendente para alguém que está habituado ao debate académico».

[13] Quando, antes de anunciado o referendo, se pensou que poderia chegar-se a um acordo, os jornais deram conta de um documento de trabalho distribuído aos deputados alemães (na previsão de que viessem a ser chamados a votar esse acordo), no qual se dizia que mesmo depois de aplicadas as medidas nele previstas, a dívida grega se situaria ainda, em 2030, à volta de 120% do PIB.

A própria Comissão Europeia prevê que a dívida grega possa representar 187% do PIB em 2020, 176% em 2022 e 143% em 2030. Esta dívida não é nem nunca será pagável, tanto mais que, com a ‘ajuda’ do programa de austeridade aceite pelo Primeiro-Ministro grego, há já previsões que apontam para uma quebra do PIB que pode chegar a -10% em 2015/2016. A pergunta que se impõe é esta: como poderá sobreviver um regime democrático a mais esta hecatombe, num país em que o PIB já teve uma quebra de 25% do PIB nos últimos cinco anos e tem uma taxa de desemprego de 27%, sem conseguir uma saída para os seus jovens?

[14]  O que é, consabidamente, uma mentira. Além do mais, é público que o PIB tinha baixado 0,4% no último trimestre de 2014 (ainda no tempo do governo amigo dos credores), e é público também que o governo do Syriza conseguiu aumentar o défice primário e conseguiu também alguns resultados positivos em matéria de balança de pagamentos.

[15] Mas todos sabemos que não há regra sem excepção. Veja-se o que se escreve no editorial do Financial Times de 11.6.2015: «Os credores da Ucrânia têm de partilhar a dor do país» e «têm de aceitar um perdão de dívida», pelo que há já um «pacote de apoios internacional [aposto que a Alemanha de Schäuble é um dos apoiantes!] (…) que admite a reestruturação da dívida e cortará em 15,3 mil milhões de euros os juros a pagar nos próximos quatro anos», para que a dívida seja gerível tendo em conta a produção do país. O mesmo editorial acrescenta que alguns credores privados «resistem a um perdão de dívida», mas logo dá a sentença: «terão de ceder! Têm a obrigação moral de concordar com uma reestruturação que permita reduzir a dívida para níveis sustentáveis». E defende o Financial Times «a utilização de mecanismos de indexação ao PIB», porque esta é a solução «melhor para todas as partes». E tira a seguinte moralidade: «em matéria de tal importância geopolítica, não se pode permitir que os interesses financeiros privados ditem as políticas públicas».

Apoiado! Isto é que é fazer política em vez de aplicar regras! Os inexistentes do Eurogrupo deviam ler este editorial e meditar no que nele se diz. E os Chefes de Estado e de Governo deveriam fazer o mesmo esforço de leitura e meditação. Recomendo o mesmo exercício aos responsáveis do FMI. Recusaram ao Nepal qualquer perdão de dívida, apesar de este país ter sofrido há tão pouco tempo os efeitos de uma catástrofe natural particularmente devastadora. Têm dito que não poderão apoiar a Grécia (as regras estatutárias não o permitem…) se este país não oferecer garantias de sustentabilidade da dívida e se o governo grego não der provas de empenhamento na execução do programa de austeridade contido no diktat de 12. 7. 2015. Mas garantiram à Ucrânia que «os fundos do FMI continuarão disponíveis mesmo que o país falhe nos pagamentos aos seus credores privados».

Informações colhidas em J. Cadima, «Prisão de povos», Avante! de 16.7.2015.

[16] Desde a adesão à CEE, em 1981, a parte da indústria no PIB baixou de 17% (1980) para 10% (2009), tendo-se registado uma quebra da produção industrial de 30% entre 2009 e 2013 (uma quebra maior do que a do PIB). A agricultura enfraqueceu e perdeu peso na economia, estando muito longe de garantir ao povo grego uma razoável autonomia alimentar (uma das bases da soberania).

[17] Na interessante entrevista que concedeu à New Stateman, Varoufakis diz que, na opinião dele, a Grécia precisa de saber «lidar correctamente com um Grexit». Reconhece que «a gestão do colapso de uma união monetária exige uma grande perícia» e acrescenta não ter a certeza de que a Grécia tenha essa capacidade «sem a ajuda de pessoas de fora». De todo o modo, diz que tinha criado no Ministério das Finanças um pequeno grupo que estava a estudar a problemática envolvida numa eventual saída do euro. Sublinha, porém, que «uma coisa é fazer isso a nível de quatro ou cinco pessoas e outra bem diferente é preparar o país para uma situação dessas. Para preparar o país, sublinha ele, tem de ser tomada uma decisão ao nível do Governo, e essa decisão nunca foi tomada».

Varoufakis esclarece depois que, na sua óptica, o Governo grego deveria ser muito cuidadoso para não activar um processo de saída do euro. Mas logo acrescenta ser sua opinião que, «no momento em que o Eurogrupo obrigasse o Governo a fechar os bancos, deveríamos dinamizar esse processo». Diz também que há mais de um mês vinha avisando o Governo da sua convicção de que, mais dia menos dia, o BCE ia obrigar o Governo a fechar os bancos (o que considerava uma «acção agressiva de potência incrível»), «a fim de nos arrastar para um acordo humilhante». Quando esta situação se verificasse (coisa que a maioria dos membros do Governo grego acreditava que nunca viria a acontecer), Varoufakis defendeu que a Grécia deveria «responder de forma enérgica», pondo em marcha o processo de saída do euro, «mas sem passar para lá do ponto de não retorno».

A proposta que o então Ministro das Finanças apresentou ao Governo grego não foi a de «ir directamente para uma nova moeda». Essa proposta incluía três medidas: 1) «emitir os nossos próprios títulos ou, pelo menos, anunciar que iríamos emitir a nossa própria liquidez denominada em euros»; 2) «cancelar os títulos gregos de 2012 detidos pelo BCE ou anunciar que o iríamos fazer»; 3) «assumir o controlo do Banco da Grécia». Mas esta proposta, informa Varoufakis, não foi aprovada pelo Governo grego, o que significa, creio eu, que ela não teve o apoio do Primeiro-Ministro.

Perante o resultado do referendo, Varoufakis ainda acreditou que o «impulso incrível» que ele representava iria possibilitar a «resposta enérgica» por ele defendida. A sua desilusão foi enorme, como se deduz destas palavras: «naquela mesma noite, o Governo decidiu que a vontade do povo grego – o retumbante NÃO – não deveria ser o que activaria a abordagem enérgica. Em vez disso, deveria levar a grandes concessões à outra parte: a reunião do conselho de líderes políticos, com o nosso Primeiro-Ministro a aceitar a premissa de que, aconteça o que acontecer, faça a outra parte o que fizer, nunca iremos responder de uma forma que os desafie. E isso, na prática – conclui Varoufakis, com inteira razão, a meu ver – significa curvarmo-nos. Deixamos de negociar».

O que se seguiu dá plena razão a Varoufakis: Tsipras colocou-se num beco sem saída, e foi obrigado a capitular, aceitando a rendição incondicional que o ‘inimigo’ sempre desejou. Foi uma humilhação para o povo grego, depois da lição de dignidade que deu no referendo.

[18] Toda a gente diz que Schäuble tem o sonho (e um plano para o realizar) de correr a Grécia do euro. Numa das reuniões do Eurogrupo antes do ‘acordo’ imposto a Tsipras após o referendo de 5.7.2015 foi presente uma proposta formal da Alemanha no sentido de afastar a Grécia do euro durante cinco anos, proposta que foi posta de lado dada a oposição da França. Mas o Presidente da Comissão Europeia já tinha admitido antes que «a Comissão tem um cenário de Grexit preparado e em detalhe» (Público, de 8.7.2015). A premeditação é clara… De resto, em devido tempo, a comunicação social deu conta de que já em 2011 o Ministro das Finanças alemão terá proposto ao governo grego uma saída negociada (apoiada) do euro.

PS do Viomundo: António José Avelãs Nunes é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito e ex-Vice Reitor da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor de vasta obra tendo como eixo os temas do capitalismo, direito, globalização e neoliberalismo. Além disso, suas obras trazem uma intrínseca preocupação com o ser humano, a desigualdade, as injustiças sociais e os sistemas das forças produtivas no mundo.

Entre seus livros, podemos citar: Industrialização e Desenvolvimento – A Economia Política do modelo brasileiro de desenvolvimento, obra prefaciada, na edição brasileira (editora Quartier Latin), pelo professor, historiador e economista paraibano Celso Furtado; e Neoliberalismo, globalização e desenvolvimento econômico, (2001) e A Constituição Européia – A constitucionalização do neoliberalismo, (2006). 

O professor Avelãs Nunes é um dos grandes críticos do processo de integração européia e um dos maiores juristas portugueses.

 Leia também:

71 mil brasileiros concentram quase 23% de toda a riqueza 


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

FrancoAtirador

.
.
“O MATERIAL HUMANO”
.
“O Próprio Ser Humano,
Considerado Mera Existência
de Força de Trabalho,
é um Objeto Natural, uma Coisa,
embora uma Coisa Viva, Consciente.
E o Próprio Trabalho Realizado
é Manifestação Material
dessa Força Potencial”
.
KARL MARX
.
[Página 320 (304 do PDF)]:
(http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/ocapital-1.pdf)
.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Capital_humano)
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Energia_mec%C3%A2nica)
(https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7a_de_trabalho)
.
.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Após uma Evolução Histórica Longa e Penosa,
    (https://vimeo.com/107530490)
    A UTOPIA AO ALCANCE DA HUMANIDADE
    .
    “A Figura do Processo Social da Vida,
    isto é, do Processo da Produção Material,
    apenas se desprenderá do seu Místico Véu Nebuloso,
    quando, como Produto de Humanos Livremente Socializados,
    ela ficar sob seu Controle Consciente e Planejado.
    .
    Para tanto, porém, se requer uma Base Material da Sociedade
    ou uma Série de Condições Materiais de Existência,
    (https://youtu.be/tg1P2eaDfCI)
    que, por sua vez, são o Produto Natural
    de uma Evolução Histórica Longa e Penosa”
    .
    Por Karl Marx, em O Capital
    .
    Para uma sociedade de produtores de mercadorias,
    cuja relação social geral de produção consiste em relacionar-se
    com seus produtos como mercadorias, portanto como valores,
    e nessa forma reificada relacionar mutuamente
    seus trabalhos privados como trabalho humano igual,
    o Cristianismo, com seu culto do homem abstrato,
    é a forma de religião mais adequada,
    notadamente em seu desenvolvimento burguês,
    o protestantismo… (https://youtu.be/WLwHnNybADo)
    .
    Nos modos de produção da velha Ásia e da Antiguidade,
    a transformação do produto em mercadoria, e, portanto,
    a existência dos homens como produtores de mercadorias,
    desempenha papel subordinado, que porém se torna tanto mais importante
    quanto mais as comunidades entram na fase de declínio.
    .
    Povos propriamente comerciantes só existem nos intermúndios do mundo antigo, como os deuses de Epicuro [*] ou como os judeus nos poros da sociedade polonesa.
    .
    *[Segundo a idéia do antigo filósofo grego Epicuro,
    os deuses existiram nos intermúndios,
    os espaços entre os mundos;
    eles não têm nenhuma influência
    nem sobre o desenvolvimento do universo
    nem sobre a vida do homem. (N. da Ed. Alemã.)]
    .
    Aqueles antigos organismos sociais de produção
    são extraordinariamente mais simples e transparentes
    que o organismo burguês, mas eles baseiam-se na imaturidade
    do homem individual, que não se desprendeu do cordão umbilical
    da ligação natural aos outros do mesmo gênero,
    ou em relações diretas de domínio e servidão.
    (https://youtu.be/R14oz_ChjOM)
    .
    Eles são condicionados por um baixo nível
    de desenvolvimento das forças produtivas do trabalho
    e relações correspondentemente limitadas dos homens
    dentro do processo material da produção de sua vida,
    portanto, entre si e com a Natureza.
    .
    Essa restrição real se reflete idealmente nos cultos da Natureza
    e nas religiões populares da Antiguidade.
    .
    O reflexo supersticioso do mundo real somente pode desaparecer
    quando as circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os humanos relações transparentes
    e racionais entre si e com a Natureza. (https://youtu.be/bBW8g64Vzf8)
    .
    A Figura do Processo Social da Vida,
    isto é, do Processo da Produção Material,
    apenas se desprenderá do seu Místico Véu Nebuloso,
    quando, como Produto de Humanos Livremente Socializados,
    ela ficar sob seu Controle Consciente e Planejado.
    .
    Para tanto, porém, se requer uma Base Material da Sociedade
    ou uma Série de Condições Materiais de Existência,
    que, por sua vez, são o Produto Natural
    de uma Evolução Histórica Longa e Penosa…
    .
    (http://abre.ai/o-fetichismo-da-mercadoria)
    .
    [Páginas 204-5 (193-4 do PDF)]:
    (http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/ocapital-1.pdf)
    .
    .
    TRABALHADORES & TRABALHADORAS, UNI-VOS!
    .
    (https://youtu.be/3l4nVByCL44)
    .
    NÓS SOMOS O MUNDO!
    .
    (https://youtu.be/yP5NXHj_RG0)
    .
    HASTA LA VICTORIA! SIEMPRE!
    .
    (https://youtu.be/Lr9x3vs2hJ4)
    (https://youtu.be/WZnv6qLWPy4)
    .
    .

Urbano

E dívidas feitas para enriquecer, mais e mais, exclusivamente os próprios donos do mundo, que funcionam no estilo fornecedor de drogas pesadas, qual seja: se o dependente não puder pagar, pelo menos no tempo aprazado, sifu…

FrancoAtirador

.
.
O Governo que deixar as Finanças do País a Cargo de Banqueiros
.
estará condenando toda a Nação dos Trabalhadores à Pobreza.
.
A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NA ALEMANHA
.
20.07.2011
DW (Deutsche Welle)
.
Estudo aponta que salários na Alemanha diminuíram na última década
.
Quem ganhava pouco há dez anos recebe hoje ainda menos dinheiro.
.
Pesquisa mostra a contradição vivida na Alemanha:
apesar de a economia estar indo bem,
a média salarial não acompanhou essa evolução.
.
A Economia Alemã Cresce, mas os Salários Diminuem
.
É esse o paradoxo apontado no estudo do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW), que mergulhou no desenvolvimento dos salários do país nos últimos dez anos.
.
Apesar de a economia alemã ter apresentado bons números desde a virada do milênio, os trabalhadores quase não foram beneficiados com esse cenário positivo, relata o estudo.
.
De fato, o contrário aconteceu:
entre a camada de baixa renda,
o salário caiu drasticamente neste período.
.
“Uma pessoa de renda média, por exemplo,
independente da ocupação que tem na Alemanha,
ganhava um salário líquido de cerca de 1.300 euros em 2000.
.
Em 2010, essa quantia caiu para 1.200”,
exemplifica Markus Grabka, pesquisador do DIW.
.
Enquanto o salário líquido de todos os trabalhadores
caiu em média 2,5% desde 2000 na Alemanha,
entre as pessoas que recebem menor remuneração
essa queda foi de até 22%.
.
E com o aumento da inflação na zona do euro,
o poder de compra dessa faixa da população ficará ainda menor.
.
Desigualdade
O estudo considerou uma pesquisa de acompanhamento de longo prazo.
.
Desde 1984, o instituto questionou cerca de 22 mil pessoas
sobre suas condições de vida e salários.
.
O chamado Painel Sócio-Econômico (SOEP) mostrou que os mais afetados
foram os trabalhadores que recebem a soma líquida entre 700 e 1.300 euros.
.
Para Wilhelm Adamy, sindicalista e perito em mercado de trabalho,
o resultado mostra uma tendência fatal.
.
“Quando se compara com o cenário internacional,
esse desenvolvimento é muito preocupante.
Porque em nenhum outro país industrial
a desigualdade de renda e a pobreza
aumentaram tanto na última década
como na Alemanha”, comenta.
.
Motivos para a queda
Segundo Grabka, diversos motivos contribuíram para a diminuição
dos salários entre a população de menor renda.
.
O plano de reforma do mercado de trabalho chamado de Hartz IV [*], introduzido em meados da década passada, provocou um dramático crescimento da camada populacional que recebe baixos salários na Alemanha.
.
Dados publicados pelo Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis),
nesta terça-feira (19/07), confirmam essa tendência:
entre 2008 e 2010, o maior número de vagas criadas na Alemanha
foi de empregos temporários ou terceirizados.
.
Outro motivo, acredita Grabka, é o aumento da participação feminina
no mercado de trabalho, que, segundo as estatísticas, ainda recebem menos do que os homens.
.
Além disso, os sindicatos teriam evitado a exigência de melhores salários,
intimidados pelo temor do desemprego em massa, afirmou o especialista.
.
O resultado é que, em 2010, o número de trabalhadores de baixa renda
alcançou o nível recorde de 7 milhões.
.
Segundo Grabka, um entre cada sete empregados na Alemanha,
num universo de 40 milhões de trabalhadores,
recebe um salário considerado baixo.
.
Autor: Richard Fuchs (np)
Revisão: Carlos Albuquerque
.
(http://www.dw.com/pt/estudo-aponta-que-sal%C3%A1rios-na-alemanha-diminu%C3%ADram-na-%C3%BAltima-d%C3%A9cada/a-15253195)
.
[*] Leia também:
.
16 agosto 2012
Frankfurter Rundschau (FR), via VoxEurop
.
A ‘Reforma Milagrosa’ do Trabalho na Alemanha
.
“Dez Anos de Hartz IV: Plano de Resgate do Emprego ou Obra do Diabo?”
.
Em 16 de de agosto de 2002, o Diretor de Pessoal da Volkswagen, Peter Hartz,
entregou um CD-Rom Azul na Chancelaria de Gerhard Schröder (SPD)
.
que continha o esboço da ‘reforma trabalhista’ conhecida como Hartz IV.
.
“Dez Anos de Hartz IV: Plano de Resgate ou Obra do Diabo?”
.
“Com a Reforma Hartz IV, que levou à redução do subsídio de desemprego e da ajuda social base, assim como à multiplicação de subempregos
[até 400 euros no máximo, isentos de encargos sociais] e de trabalhos temporários;
tanto os homens como as mulheres com mais idade foram obrigados
a aceitar trabalhos muito abaixo das suas qualificações.
.
O setor com salários baixos aumentou, generalizando
os salários com que as pessoas não conseguem viver.
.
Além de ter fracassado totalmente, a Reforma de Hartz
também contribui para a americanização
do mercado de emprego alemão
e para a profunda divisão da sociedade”.
.
(http://www.voxeurop.eu/pt/content/news-brief/2531791-dez-anos-depois-reforma-milagrosa-do-trabalho-continua-dividir)
.
.
08/05/2013 – 13:03
Agência Lusa
.
Cerca de 1,3 milhões de trabalhadores alemães têm de recorrer
a subsídios sociais adicionais, apesar de trabalharem a tempo inteiro,
porque os baixos salários não lhes chegam para viver,
noticia nesta quarta-feira o diário Süddeustche Zeitung.
.
(http://www.dw.com/pt/estudo-aponta-que-sal%C3%A1rios-na-alemanha-diminu%C3%ADram-na-%C3%BAltima-d%C3%A9cada/a-15253195)
.
.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Trabalho e Precarização na Ordem Neoliberal
    .
    Por Ricardo Antunes*
    .
    […]
    II
    O capitalismo contemporâneo, com a configuração que vem assumindo nas últimas décadas, acentuou sua lógica destrutiva. Num contexto de crise estrutural do capital, desenham-se algumas tendências, que podem assim ser resumidas:
    .
    1) o padrão produtivo taylorista e fordista (3) vem sendo crescentemente substituído
    ou alterado pelas formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas,
    das quais a chamada acumulação flexível e o modelo japonês ou toyotismo são exemplos;
    .
    2) o modelo de regulação social-democrático, que deu sustentação
    ao chamado estado de bem estar social, em vários países centrais,
    vêm também sendo solapado pela (des)regulação neoliberal,
    privatizante e anti-social.
    […]
    É preciso que se diga de forma clara: desregulamentação, flexibilização, terceirização,
    bem como todo esse receituário [Ultraliberal] que se esparrama pelo ‘mundo empresarial’,
    são expressões de uma lógica societal onde o capital vale
    e a força humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível
    para a reprodução deste mesmo capital.
    .
    O claro entendimento desta configuração actual do mundo do trabalho nos leva a entender suas principais mutações:
    .
    Nas últimas décadas, particularmente depois de meados de 70, o mundo do trabalho vivenciou uma situação fortemente crítica, talvez a maior desde o nascimento da classe trabalhadora e do próprio movimento operário inglês.
    .
    O entendimento dos elementos constitutivos desta crise é de grande complexidade, uma vez que, neste mesmo período, ocorreram mutações intensas, de ordens diferenciadas e que, no seu conjunto, acabaram por acarretar consequências muito fortes no interior do movimento operário, e em particular, no âmbito do movimento sindical.
    .
    O entendimento deste quadro, portanto, supõe uma análise da totalidade dos elementos constitutivos deste cenário, empreendimento ao mesmo tempo difícil e imprescindível, que não pode ser tratado de maneira ligeira.
    .
    Vamos indicar alguns elementos que são centrais,
    para uma apreensão mais totalizante da crise que se abateu
    no interior do movimento operário e sindical.
    .
    A sua indicação é fundamental porque afectou
    tanto a materialidade da classe trabalhadora, a sua forma de ser,
    quanto a sua esfera mais propriamente subjectiva, política, ideológica,
    dos valores e do ideário que pautam suas acções e práticas concretas.
    .
    Primeiramente, vivenciamos um quadro de crise estrutural do capital,
    que se abateu no conjunto das economias capitalistas
    a partir especialmente do início dos anos 70.
    .
    Sua intensidade é tão profunda que levou o capital a desenvolver
    práticas materiais da destrutiva auto-reprodução ampliada
    possibilitando a visualização do espectro da destruição global,
    ao invés de aceitar as necessárias restrições positivas no interior
    da produção para satisfação das necessidades humanas
    (Mészáros, 1995).
    .
    Esta crise fez com que, entre tantas outras consequências,
    o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação,
    com vistas à recuperação do ciclo de reprodução
    e que afectou fortemente o mundo do trabalho.
    .
    Um segundo elemento fundamental para o entendimento das causas
    do refluxo do movimento operário decorre do explosivo desmoronamento
    do Leste Europeu (e da quase totalidade dos países que tentaram
    uma transição socialista, com a ex-União Soviética à frente),
    propagando-se, no interior do mundo do trabalho,
    a falsa ideia do ‘fim do socialismo’.
    .
    Embora a longo prazo as consequências do fim do Leste europeu
    sejam eivadas de positividades (pois coloca-se a possibilidade
    da retomada, em bases inteiramente novas, de um projecto socialista
    de novo tipo, que recuse, entre outros pontos nefastos,
    a tese estalinista do ‘socialismo num só país’
    e recupere elementos centrais da formulação de Marx),
    no plano mais imediato houve, em significativos contingentes
    da classe trabalhadora e do movimento operário,
    a aceitação e mesmo assimilação da nefasta e equivocada tese
    do ‘fim do socialismo’ e, como dizem os defensores da ordem, do fim do marxismo.
    .
    Como consequência do fim do chamado ‘bloco socialista’,
    os países capitalistas centrais vêm rebaixando brutalmente
    os direitos e as conquistas sociais dos trabalhadores,
    dada a ‘inexistência’, segundo o capital, do perigo socialista hoje.
    .
    Portanto, o desmoronamento da União Soviética e do Leste europeu,
    ao final dos anos 80, teve enorme impacto no movimento operário.
    .
    Bastaria somente lembrar a crise que se abateu nos partidos
    comunistas tradicionais, e no sindicalismo a eles vinculado.
    .
    Um terceiro elemento fundamental para a compreensão da crise
    do mundo do trabalho refere-se ao desmoronamento
    da esquerda tradicional da era stalinista.
    .
    Ocorreu um agudo processo político e ideológico de social-democratização
    da esquerda e a sua consequente actuação subordinada à ordem do capital.
    .
    Esta opção social-democrática atingiu fortemente a esquerda sindical e partidária,
    repercutindo, consequentemente, no interior da classe trabalhadora.
    .
    Ela atingiu também fortemente o sindicalismo de esquerda, que passou a recorrer,
    cada vez mais frequentemente, à institucionalização e a burocratização,
    que também caracterizam a social-democracia sindical.
    .
    É preciso acrescentar ainda – e este é o quarto elemento central da crise actual –
    que, com a enorme expansão do neoliberalismo a partir de fins de 70
    e a consequente crise do Welfare State, deu-se um processo de regressão
    da própria social-democracia, que passou a actuar de maneira muito próxima da agenda neoliberal.
    .
    O Neoliberalismo passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos países subordinados, contemplando reestruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do estado, políticas fiscais e monetárias, sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital como Fundo Monetário Internacional.
    .
    A desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores;
    o combate cerrado ao sindicalismo classista;
    a propagação de um subjectivismo
    e de um individualismo exacerbados
    (da qual a cultura ‘pós-moderna’ é expressão)
    – bem como uma clara animosidade
    contra qualquer proposta socialista
    contrária aos valores e interesses do capital –
    são traços marcantes deste período recente
    (Harvey, 1992; McIlroy, 1997; Beynon, 1995).
    .
    Vê-se que se trata de uma processualidade complexa
    que podemos assim resumir:
    .
    1) há uma crise estrutural do capital ou um efeito depressivo profundo
    que acentuam seus traços destrutivos;
    .
    2) deu-se o fim do Leste Europeu, onde parcelas importantes da esquerda
    se social-democratizaram;
    .
    3) esse processo efectivou-se num momento
    em que a própria socialdemocracia sofria um forte crise;
    .
    4) expandia-se fortemente o projecto económico, social e político neoliberal.
    .
    Tudo isso acabou por afectar fortemente o mundo do trabalho, em várias dimensões.
    .
    Vamos indicar a seguir as tendências mais significativas
    que vêm ocorrendo no interior do mundo do trabalho.
    .
    III
    Como resposta do capital à sua crise estrutural, várias mutações vêm ocorrendo
    e são fundamentais nesta viragem do século XX para o século XXI.
    .
    Uma delas, e que tem importância central, diz respeito às metamorfoses
    no processo de produção do capital e suas repercussões no processo de trabalho.
    .
    Particularmente nos últimos 35 anos, como respostas do capital à crise dos anos 70,
    intensificaram-se as transformações no próprio processo produtivo,
    através do avanço tecnológico, da constituição das formas de acumulação flexível
    e dos modelos alternativos ao binómio taylorismo/fordismo,
    onde se destaca, para o capital, especialmente, o toyotismo.
    .
    Estas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência inter-capitalista
    e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário
    e a luta de classes, acabaram por afectar fortemente a classe trabalhadora
    e o seu movimento sindical e operário (Murray, 1983; Bihr, 1998).
    .
    Fundamentalmente, essa forma de produção flexibilizada busca a adesão de fundo,
    por parte dos trabalhadores, que devem aceitar integralmente o projecto do capital.
    .
    Procura-se uma forma daquilo que chamei, em ‘Adeus ao Trabalho?’,
    de envolvimento manipulatório levado ao limite, onde o capital busca
    o consentimento e a adesão dos trabalhadores, no interior das empresas,
    para viabilizar um projecto que é aquele desenhado e concebido
    segundo os fundamentos exclusivos do capital.
    .
    Nos seus traços mais gerais, o toyotismo
    (via particular de consolidação do capitalismo monopolista do Japão do pós-45)
    pode ser entendido como uma forma de organização do trabalho
    que nasce a partir da fábrica Toyota, no Japão e que vem se expandindo
    pelo Ocidente capitalista, tanto nos países avançados
    quanto naqueles que se encontram subordinados.
    .
    Suas características básicas (em contraposição ao taylorismo/fordismo) são:
    .
    1) a sua produção muito vinculada à demanda;
    .
    2) ela é variada e bastante heterogénea;
    .
    3) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções;
    .
    4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível
    do tempo de produção e funciona segundo o sistema de ‘kanban’,
    placas ou senhas de comando para reposição de peças e de stock
    que devem ser mínimos.
    .
    Enquanto na fábrica fordista cerca de 75% era produzido no seu interior,
    na fábrica toyotista somente cerca de 25% é produzido no seu interior.
    .
    Ela horizontaliza o processo produtivo e transfere à “terceiros”
    grande parte do que anteriormente era produzido dentro dela.
    .
    A falácia de ‘qualidade total’ passa a ter papel de relevo no processo produtivo.
    .
    Os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ) proliferaram,
    constituindo-se como grupos de trabalhadores
    que são incentivados pelo capital para discutir o trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade da empresa.
    .
    Em verdade, é a nova forma de apropriação do saber fazer [Know How] intelectual do trabalho pelo capital.
    .
    O despotismo torna-se então mesclado com a manipulação do trabalho,
    com o ‘envolvimento’ dos trabalhadores, através de um processo
    ainda mais profundo de interiorização do trabalho alienado (estranhado).
    .
    O operário deve pensar e fazer pelo e para o capital, o que aprofunda
    (ao invés de abrandar) a subordinação do trabalho ao capital.
    .
    No Ocidente, os CCQs têm variado quanto à sua implementação, dependendo das especificidades e singularidades dos países
    em que eles são implementados.
    .
    Esta forma flexibilizada de acumulação capitalista,
    baseada na ‘reengenharia’, na ‘empresa enxuta’,
    para lembrar algumas expressões do novo dicionário do capital,
    teve consequências enormes no mundo do trabalho.
    .
    Podemos aqui tão somente indicar as mais importantes:
    .
    1) há uma crescente redução do proletariado fabril estável,
    que se desenvolveu na vigência do binómio taylorismo/fordismo
    e que vem diminuindo com a reestruturação, flexibilização
    e desconcentração do espaço físico produtivo, típico da fase do toyotismo;
    .
    2) há um enorme incremento do novo proletariado, do subproletariado fabril
    e de serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado.
    São os “terceirizados”, subcontratados, “part-time”,
    entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem
    em inúmeras partes do mundo.
    Inicialmente, estes postos de trabalho foram preenchidos pelos imigrantes,
    como os “gastarbeiters” na Alemanha, o “lavoronero” na Itália,
    os “chicanos” nos EUA, os “dekaseguis” no Japão…
    Hoje, sua expansão atinge também os trabalhadores especializados
    e remanescentes da era taylorista-fordista;
    .
    3) vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino,
    que atinge mais de 40% da força de trabalho nos países avançados,
    e que tem sido preferencialmente absorvido pelo capital
    no universo do trabalho precarizado e desregulamentado;
    .
    4) há um incremento dos assalariados médios e de serviços,
    o que possibilitou um significativo incremento no sindicalismo destes setores,
    ainda que o sector de serviços já presencie também níveis de desemprego acentuado;
    .
    5) há exclusão dos jovens e dos idosos do mercado de trabalho dos países centrais:
    os primeiros acabam muitas vezes engrossando as fileiras
    de movimentos neonazis, e aqueles com cerca de 40 anos ou mais, quando desempregados e excluídos do trabalho,
    dificilmente conseguem o reingresso no mercado de trabalho;
    .
    6) há uma inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho,
    particularmente nos países de industrialização intermediária e subordinada,
    como nos países asiáticos, latino-americanos…
    .
    7) há uma expansão do que Marx
    chamou de trabalho social combinado
    onde trabalhadores de diversas partes do mundo
    participam do processo de produção e de serviços.
    O que, é evidente, não caminha no sentido da eliminação da classe trabalhadora,
    mas da sua precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada.
    Em outras palavras: aumentam os níveis de exploração do trabalho.
    .
    *(http://www.ifch.unicamp.br/pos/sociologia/index.php?texto=rantunes&menu=menudocente)
    .
    (http://www.oolhodahistoria.ufba.br/04antune.html)
    (http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010021549/3antunes.pdf)
    .
    .

Deixe seu comentário

Leia também