Nassif: O dia em que chefes de redação se esconderam nas barras da saia

Tempo de leitura: 5 min

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O dia em que a mídia brasileira descobriu Murdoch

por Luis Nassif, em seu blog

Em meados dos anos 2.000, subitamente o Olimpo da mídia passou a ser invadido por corpos estranhos, dinossauros de direita que se supunha extintos desde o final da Guerra Fria, com uma linguagem vociferante, bélica, atacando outros jornalistas, pessoas públicas, partidos políticos, com um grau de agressividade inédito. Inaugurava-se o que batizei, na época, de jornalismo de esgoto.

O grande movimento começou por volta de 2005, coincidindo com a montagem do cartel midiático liderado por Roberto Civita, o cappo da Editora Abril.

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Inspirada no australiano-americano Rupert Murdoch, a estratégia adotada consistia em juntar todos os grandes grupos de mídia em uma guerra visando ganhar influência para enfrentar os grupos que surgiam no bojo das novas tecnologias.

Desde seus primórdios, a indústria de comunicação de massa ganhou a capacidade de criar um universo virtual, com enorme influência sobre o universo real. Personalidades construídas pela mídia são agentes poderosos de influência em todos os campos. Ao contrário, as vítimas de ataques sofrem consequências terríveis em sua vida pessoal, profissional.

Nas democracias imperfeitas — como é o caso da brasileira –, com enorme concentração de poder, trata-se de um poder tão ilimitado que uma das “punições” mais graves impostas a recalcitrantes é a “lista negra”, a proibição da citação de seu nome em qualquer veículo. O sujeito “morre”, desaparece.

Em um modelo competitivo de mídia, essas idiossincrasias são superáveis, permitindo a diversificação de pensamento.

De fato, o fim da guerra fria – no caso brasileiro, o fim da ditadura e o pacto das diretas – produziu um universo relativamente diversificado de personalidades, entre jornalistas, intelectuais, empresários, artistas e celebridades em geral, bom para o pluralismo e para o jornalismo, ruim para as estratégias políticas da mídia.

Montado o pacto, o primeiro passo foi homogeneizar o universo midiático, acabando com o contraditório.

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Nos Estados Unidos, a estratégia de Rupert Murdoch foi criar um inimigo externo, que substituísse os antigos personagens da Guerra Fria. Os atentados às Torres Gemeas vieram a calhar. E calar eventuais vozes independentes, de jornalistas, com ataques desqualificadores, para impedir o exercício do contraponto.

A estratégia brasileira imitou esse modelo, criando fantasmas bolivarianos, ameaças ficcionais à democracia e ataques desqualificadores aos críticos.

O fuzilamento de recalcitrantes baseou-se em um modelo retratado no filme “The Crusader” que, no Brasil, recebeu o nome de “O Poder da Mídia” – dirigido por Bryan Goeres, tendo no elenco, entre outros, Andrew McCarthy e Michael York. É de 2004.

Narra a história de uma disputa no mercado de telecomunicações, no qual o dono da rede de televisão é cooptado por um dos lados. A estratégia consistiu em pegar um repórter medíocre e turbiná-lo com vários dossiês até transformá-lo em uma celebridade. Tornando-se celebridade, o novo poder era utilizado nas manobras do grupo.

Por aqui o modelo foi testado com um colunista de temas culturais, Diogo Mainardi. Sem conhecimentos maiores do mundo político e empresarial, foi alimentado com dossiês, liberdade para ofender, agredir e, adicionalmente, tornar-se protagonista nas disputas do banqueiro Daniel Dantas em torno das teles brasileiras.

Lançado seu livro, os jornais seguiram o script de “construir” uma reputação da noite para o dia e alçá-lo à condição de celebridade. O ápice foi uma resenha do Estadão  comparando-o a Carlos Lacerda e um perfil na Veja tratando-o como “o guru do Leblon”. Tornaram-se peças clássicas do ridículo desses tempos de trevas.

Foi usado e jogado fora, quando não mais necessário. Seus ataques a vários jornalistas serviram de álibi para as organizações fazerem o expurgo e montarem a grande noite de São Bartolomeu da mídia.

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A segunda parte do jogo foi a reconstrução do Olimpo midiático com uma nova fauna, que se dispusesse a preencher os requisitos exigidos, de total adesão à estratégia do cartel. Não bastava apenas a crítica contra o governo e o partido adversário. Tinha que se alinhar com o preconceito, a intolerância, expelir ódio por todos os poros, tratar cada pessoa que ousasse pensar diferente como inimigo a ser destruído.

Vários candidatos se apresentaram para atender à nova demanda. De repente, doces produtores musicais, esquecidos no mundo midiático, transformaram-se em colunistas políticos vociferantes e voltaram a ganhar os holofotes da mídia; intelectuais sem peso no seu meio tornaram-se fontes em permanente disponibilidade repetindo os mesmos mantras; humoristas ganharam programas especiais e roqueiros espaço em troca das catilinárias. Dessa fauna caricata se exigia a lealdade absoluta, a capacidade de exercitar a palavra “canalha” para se referir a adversários e nenhum pudor para repetir os mantras ideológicos das senhoras de Santana.

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Mas a parte que interessa agora – para entender a ação que me move o diretor da Globo Ali Kamel – foi o papel desempenhado por diretores de redação com ambições intelectuais.

Com autorização para matar e para criar a nova elite de celebridades midiáticas, ambicionaram não apenas o poder midiático, mas julgaram que eles próprios poderiam cavalgar a onda e ocupar o posto de liderança da nova intelectualidade que a mídia pretendia forjar a golpes de machado. Eles construíam o novo Olimpo e se candidatavam ao posto de profetas, assumindo outro Olimpo – o do mundo intelectual – que estava a léguas de distância de sua capacidade.

Montaram um acordo com a editora Record e, de repente, todos se tornaram pensadores e escritores. Cada lançamento recebia cobertura intensiva de todos os veículos do cartel, páginas na Veja e na Época, resenhas na Folha, Globo e Estadão, entrevistas na Globonews e no programa do Jô.

Durante algum tempo, o mundo intelectual tupiniquim testemunhou um dos capítulos mais vexaminosos de auto-louvação, uma troca de elogios e de favores indecente, sem limite, que empurrou a grande mídia brasileira para o provincianismo mais rotundo.

Diretor da Veja, Mário Sabino lançou um romance que mereceu uma crítica louvaminhas na própria Veja, escrita por um seu subordinado e campanhas de outdoor em ônibus bancada pela própria Record – que disseminava a lenda de que o livro estaria sendo recebido de forma consagradora em vários países. O livro de Kamel foi saudado pela revista Época, do mesmo grupo Globo, como um dos dez mais importantes da década.

Coube à blogosfera desmascarar aquele ridículo atroz, denunciando a manipulação da lista dos livros mais vendidos de Veja, por Sabino, para que sua obra prima pudesse entrar. E revelando total ausência das supostas edições estrangeiras de Sabino na mais afamada e global livraria virtual, a Amazon.

Na ação que me move, um dos pontos realçados por Kamel foi o fato de ter colocado em meu blog um vídeo com a música “O cordão dos puxa sacos”, para mostrar o que pensava da lista dos livros mais relevantes da década da revista Época.

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Graças à democratização trazida pelas redes sociais, os neo-intelectuais não resistiram à exposição de suas fraquezas. Voltaram para o limbo da subcultura midiática.

Kamel conformou-se com seu papel de todo-poderoso da Globo, mas com atuação restrita aos bastidores, onde seus subordinados são obrigados a aceitar seu brilho e suas orientações; Sabino desistiu da carreira de candidato ao Nobel de literatura.

Derrotados no campo jornalístico, no mano-a-mano das disputas intelectuais, recorreram ao poder das suas empresas para tentar vencer no tapetão das ações judiciais, tanto Kamel quanto Sabino, Mainardi, Eurípides.

Ao esconder-se nas barras da saia das suas corporações, passaram a ideia clara sobre a dimensão dos homens públicos que eram, quando despidos das armaduras corporativas.

PS do Viomundo: Parafraseando Paulo Henrique Amorim, sem os irmãos Marinho Ali Kamel não passaria de Resende.

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Comentários

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Mauro Assis

Sinceramente, não entendi: liberdade de expressão não é isso? Cada um escreve e diz o que der na telha, e se alguém se sentir incomodado, recorre à justiça. E aí, cumpra-se o que o Meritíssimo decidir.

ismario m. alves

quem controla o judiciario?

Martins

Parabéns! O blog do nassif é uma trincheira na luta pela democracia na mídia, por isso sou Nassif.

jose carlos lima

Vamos apoiar o desengavetamento do direito de resposta
http://www.pt.org.br/direito-de-resposta-aguarda-ser-votado-na-camara/

José C. Filho

Desde quando esses jornalistas baba-ovos e os pretensos intelectuais aliados à essa corja midiática são celebridades? Talvez para um pequeno segmento da elite cafona. Para a imensa maioria do povo brasileiro, são desconhecidos, zeros a esquerda, chulos.

Ramos de Carvalho

Por isso, eu sou Nassif.

alvaro

Um texto como este vale a pena ser lido.

Fabio Passos

Falou e disse, Nassif!

O poder destes tipos não vem da capacidade intelectual… vem do dinheiro do patrão!

Chupa, PiG!

A inteligência está na rede.

Marcia Sara

Luiz Nassif, belíssimo artigo! E, além de estar muito bem escrito, ABSOLUTAMENTE VERDADEIRO. É vergonhoso e deprimente o que acontece na mídia brasileira.
Mas, nós, cidadãos, podemos e devemos agir: não assistir a Globo e outras do mesmo gênero, passar longe da imundície chamada Veja (não veja), assim como dos jornalecos tão bem conhecidos por nós. E exigir que o governo corte a verba para esses traidores da Pátria.

Wendell

Sensacional! Ótimo artigo.

Elias

Demais! Nassif hoje me fez lembrar de Eduardo Galeano. E esse artigo bem que pode ser o prefácio de um livro chamado “As Veias Abertas da Mídia Brasileira”. Quanta coisa Luis Nassif pode nos contar. Como contou no Dossiê Veja. Ah! se pudéssemos espalhar a todos como a mídia nos engana. Como somos ludibriados no dia-a-dia das bancas de jornais, nas rádios e nos telejornais da noite. Noite. Sim. Estamos à mercê de uma longa noite de manipulação midiática. Se não nos mobilizarmos rapidamente contra esse absurdo, em breve teremos a imbecilização a nos comandar.

Luna

Desejo a Luiz Nassif toda a sorte possível na questão desse Ali Kamel, não que eu esteja subestimando meu caro e ótimo jornalista Luiz Nassif. Pois quando eu falo em sorte é o desejo de você esbarrar em um juiz de direito peitudo e honesto tal como nos filmes de cowboy de John Wayne. Que seje um homem simples e direto que aplique a justiça doa a quem doer, que possa a flor de lis estar protegida ou não pela mãos dos Marinhos, se tiver de ser cortada, com tal juiz, será cortada. Não perca a esperança, nesse mundo de meu deus tudo ainda é possível, que existe um tal juiz ainda desta maneira, pode acreditar! existe!

Abelaardo

A grande questão é conseguir a punição, também, para o planejador, o selecionador e o contratante desses serviçais topa tudo. O espaço que contratados usam para detonar tirania, opressão, dano moral, chantagem e humilhação a quem não reze a cartilha de interesses da contratada, é de exclusiva responsabilidade dessa contratada, ainda que tente alegar o contrário. O resultado é que a proprietária do espaço usado pelo topa tudo, é também responsável pela fiscalização do bom uso da concessão que lhe foi confiada pela autoridade governamental. Portanto, o governo deve entender que faz o papel de bobo da corte, quando permite-se submeter a esse jogo sem fim de gato e rato e de forma vexaminosa. A conclusão é que se continuar omisso e não procurare vencer o temor, sobre aquele que não possui autoridade e poder constitucional para usar, abusar e avançar despreocupadamente todos os limites legais determinados pela concessão, estará confessando abertamente a nação que já se faz um escravo e serviçal do concessionário.

Jocilene

Eu tive o desprazer de ler no portal do Wikipedia sobre esse Kamel e tive ânsias,”de todos os processos Kamel ganhou todas contra os blogueiros”

A Justiça Estadual agora virou capacho do Kamel?!

Nenhum juiz entendeu o direito a liberdade de expressão dos blogueiros??

Ora pois cabe uma investigação desse Judiciário…vamos a Suprema Corte contra os judicialização do protegido Kamel!

FrancoAtirador

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Não perca no próximo DoMingao do Faustão

Entrega do Prêmio Xarlí Banâna-no-Rábo.
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Os candidatos estão listados no Expediente

dos principais Jornais e Revistas do País.
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