Katarina Peixoto e o golpe: Devemos olhar para o Chile, não para o Paraguai

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Não é para o Paraguai que devemos olhar. É para o Chile

Katarina Peixoto, no RS Urgente

A carta do vice-presidente, que virou piada nacional e revelou a confissão de um conspirador desqualificado e politicamente mesquinho, merece atenção. Além de dizer que passou para a oposição, Michel Temer fez isso, antes de dizê-lo, numa carta dirigida à mídia familiar.

A carta é ridícula, as redes sociais fazem dela o uso devido. Mas é muito grave que um vice-presidente confesse publicamente que é o articulador de um golpe sem precedentes, na história do Brasil.

Muitos falam, dado o seu caráter parlamentar, em golpe paraguaio. Mas se observarmos mais de perto, a conspiração e a onda de ódio que vem tomando conta do país nos levam ao Chile de Allende, não a uma coisa como o golpe que derrubou Lugo, no Paraguai.

O formato do golpe depende menos desse parlamento mequetrefe, capitaneado pela horda delinquente de neopentecostais, do que das estruturas de poder misturadas ao governo.

Há um quadro de desinvestimento, sabotagem, lockout dissimulado, que vem penalizando o país para além da arbitrariedade gritante em curso, no Paraná, com nome de dispositivo de posto de gasolina.

O rentismo, e Bresser Pereira foi quem melhor viu isso, há pouco mais de um ano, não perdoa.

Que fique claro: a lei de responsabilidade fiscal, a meta fiscal, a relação dívida/pib, a cláusula que visa a tomar bancos estatais como bancos de varejo privado, o ataque filisteu e de baixíssimo nível, contra o BNDES, tudo isso não passa de uma guerra ideológica, sem lastro econômico e social minimamente sustentável.

Quem perde com o pleno emprego, com o fim da fome endêmica, com o avanço do financiamento estatal e, sobretudo, com a garantia do compromisso com esse tipo de financiamento, é o rentismo.

Nenhuma outra força perde. A vitória de 2014 foi uma vitória por direitos e pela garantia dos direitos. E foi uma vitória que quase não aconteceu, porque o rentismo capitaneou a campanha mais sórdida, borderline e destruidora do debate democrático, desde antes de 1989.

Com 48% dos votos, o maior partido da oposição, capitaneado por um indivíduo que jamais deu um dia de trabalho na vida, pôs o delinquente do Cunha na presidência da Câmara.

Claro estava e está, que esse uso visava a desmoralizar e a ruir as instituições e o nível do debate democrático. Puseram um indigente, de origem política baixa, para operar a vingança: a destruição dos direitos trabalhistas, a destruição dos direitos das crianças e dos adolescentes, a perseguição das mulheres e dos gays, o armamento irresponsável da sociedade, a baixeza, os golpes procedimentais, o chorume retórico.

Transformaram o Congresso num antro neopentecostal, antirrepublicano, militante do ódio misógino e do horror às regras elementares de uma república. Tudo em nome, como sempre, do moralismo.

O prejuízo que esse comportamento borderline deu ao país é imenso. E, agora, o vice-presidente resolveu se juntar aos operadores dessa desmoralização institucional, deliberada, a fim de ocupar a posição de fiador da recuperação econômica.

Não falam mais em moralidade, como Cunha vai sem dizer; não comentam a operação que os denunciou e mostrou os verdadeiros saqueadores da Petrobrás.

Falam em recuperar economicamente o país e em pacificá-lo. O primeiro movimento, de Temer organizando-se e sendo ovacionado em encontros fechados, com o grande empresariado e membros da banca, é chileno. Os bons alunos de história da América Latina, no colégio, saberão do que estou falando.

O problema mais grave, e por isso querem que o processo se arraste, é convencer alguém de que Temer, que nem para vereador se elege, unificará ou pacificará algo. Alckmin já concordou. A ideia do movimento golpista é isolar e usar Cunha qual uma fralda descartável suja, em lixão coletivo, sem separar o que degrada do que não degrada.

Em seguida, cassar a Dilma e jogar fora o rapaz do Leblon, que é, além de vagabundo, inútil e prejudicial, politicamente, a qualquer plano consequente da direita.

O golpe é paulista, conservador, economicamente liberal, e tem pouca adesão institucional, representativa e organizativa. E por isso é arriscado e extremamente violento.

Os golpistas não contam com maioria entre governadores, prefeitos, parlamentos, organizações da sociedade civil (OAB, CNBB, UNE, associações profissionais, entre outros), nem com os movimentos sociais e com as estruturas representativas dos setores organizados politicamente.

Parte da banca e do grande capital investidor e sabotador, com a mídia familiar, serão capazes de destruir o restante?

O povo ainda não se posicionou e, vale dizer, não entendeu o que está em jogo. Cunha está cobrando alto pela ida ao lixão e parece pouco disposto a ser jogado para baixo do tapete do golpismo.

Sumidades do congresso atual já garantiram sua participação no circo que será a comissão do impeachment: o pastor que estica os cabelos e o subalterno do baixo clero do exército, frequentador da igreja batista e delinquente misógino confesso, Marcos Feliciano e Bolsonaro Filho.

O embate e a feira de negociações agora se dá dentro do PMDB, entre um tubarão e sua rêmora, Temer e Cunha. O PSDB paulista dá suporte, com seus agentes financeiros. A carta do Temer precisa ser lida com esse contexto.

O parlamento foi vilipendiado e hoje é uma feira de produtos de má procedência, com raríssimas exceções, inclusive à esquerda. As forças organizadas estão em estado de alerta e enxergam ou exalam agressividade e disposição para a violência. De ambos os lados.

A oposição segue sem convencer o povo, o eleitorado que assiste tevê e tem ou não acesso aos programas do governo, que está empregado ou esteve e acabou de perder o emprego.

Um golpe parlamentar não anda com um parlamento dirigido por um marginal, trapaceiro internacional e chantagista de todos e de cada um.

Mas o golpe pode andar nos moldes chilenos. E isso dá uma mostra, não apenas da canalhice desmemoriada de parte do PSDB paulista, porém, muito mais perigosamente, da irresponsabilidade e do desprezo da direita brasileira e paulistana, pela democracia e pela vontade popular.

Não há caminho de pacificação após a semeadura do ódio. Não há cenário apaziguador algum, daqui para a frente.

Se a democracia vencer na comissão do impeachment, o caminho sem volta já está aberto e em larga medida, traçado. O PMDB rachou de novo e tende a rachar mais.

Há milhares de prefeitos, de todos os partidos, que não estão dispostos a enfrentar um cenário de guerra política e de financiamento no ano de eleições nacionais, como teremos, daqui a algumas semanas. A elite pensante do país não aposta, ao contrário do que os aplaudidores do Temer parecem fazer, na desmemoria como categoria de recuperação econômica.

Não há crise econômica ou promessa de recuperação econômica que sare a ferida política que está se abrindo.

Lei de responsabilidade fiscal dando causa ao golpe implica o impedimento da quase totalidade de todos os representantes do executivo do país, e não é preciso esforço algum para ver isso.

Michel Temer não é somente ridículo, como fez questão de deixar claro. Ele e os seus, os que estão a aplaudi-lo de pé e a confiar a ele a possibilidade de cicatrização, são irresponsáveis e inconsequentes.

Se vencermos, caminhamos para uma radicalização política ainda maior (o que não é o mesmo que dizer radicalização do governo, antes, o contrário).

Se perdermos, caminhamos para uma guerra política com consequências desastrosas.

Olhem para o Chile. O golpe paraguaio, perto do que estamos vivendo, é uma bicicleta, para usar a imagem de uma profetiza* que deve estar de cabelos em pé, a estas alturas.

(*) Maria da Conceição Tavares, que disse que a economia do Chile, em comparação com a brasileira, “é uma bicicleta”. Pois bem, segue a imagem da ministra da justiça de nossos corações, metaforizando aquilo que quer passar por cima de nós.

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Comentários

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Lauri Guerra

Este golpe tem as mesmas digitais dos organizadores de vários outros golpes, como diz Bacellar, e por óbvio servindo sobretudo à interesses geopolíticos do imperialismo e à preservação de privilégios das elites locais.
Mas o enrêdo que os golpistas seguem mais de perto é o do golpe hondurenho que apeou Zelaya do poder.
Os paralelos saltam aos olhos:
1. Invocação da constituição para justificar sua violação, acusando ambos presidentes de crimes que não só não comenteram, como nem crimes são aquilo de que acusados são. Lá consumada a farsa e no Brasil em andamento;
2. Conivência do sistema judiciário com o golpe e mesmo participação deste (PGR, Força-tarefa do Paraná, no STF Gilmar, etc. no Brasil e em Honduras com a armação facciosa de uma das câmaras do supremo para co-onestar o golpe e lá tambem com a participação da procuradoria);
3. Massacre midiático comandando o processo golpista e assumindo o comando político efetivo do golpe, em ambos países;
4. Truculência e ilegalidades na câmara de deputados comandada em Honduras, por Roberto Micheletti , um corrupto e narco-traficante, e no Brasil, por Cunha um corrupto e achacador (e a se confirmarem as ameaças de morte que teria feito, um criminoso de alta periculosidade), com o propósito único de atropelar a constituição e as instituições democráticas para levar à cabo o golpe.
5. Comportamento de quadrilha da maioria dos deputados, assintosamente buscando unicamente vantagens políticas e econômicas pessoais, tanto em Honduras como no Brasil, desandando para comportamento de turba no parlamento.

Urbano

Triste sina a do Paraguai, pois tudo que é de escroques já bateram nele. Até os do Brasil também fizeram isso…

Dan

Excelente artigo. O desabafo de Temer, que é sem dúvida ridículo, é sinal que a oposição vê o golpe como um fato consumado.

Bacellar

Devemos olhar para o Chile. Mas também pra Argentina, pra Venezuela, pro Paraguai, pro México…Eh o velho Condor pairando na AL. Quem da diretrizes diretas e ideológicas aos financistas e rentistas nacionais? Yep…

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