Alexandra Mello: A festa é das mães, mas quem tira proveito são os homens. Como sempre

Tempo de leitura: 4 min

por Alexandra Mello, especial para o Viomundo

O dia é das mães. Mas em muitos lares, parece que a homenagem é a eles, homens.

O cardápio, pensado e feito por elas, precisa agradá-los.

Todos satisfeitos, elas é que se levantam e voltam à cozinha. Mas radiantes. Afinal, têm os filhos ali reunidos.

Dizem que é a data com maior movimento nas estradas. Acredito. Mãe é mãe e ninguém é mais enobrecida no discurso do que ela.

Mas na prática, eles é que são enaltecidos na sociedade. Herança histórica de anos e anos de opressão.

Não podemos pedir que mudem, se nós mesmas, diariamente, reforçamos esses papéis.

Ao renunciar, ao esperar, ao contemporizar, ao assumir culpas, ao ceder, ao servir.

É mais cômodo permanecer nesses lugares conhecidos. A vida segue na ilusão de que tudo está na mais perfeita ordem. E está.

Mas ordem é garantia de conforto. Não de felicidade (ou do que quer que seja mais próximo disso).

O mais interessante é que o que é dito por muitos deles, é que elas é que são as opressoras. E, num belo dia, depois de muito oprimi-las, resolvem que não mais serão oprimidos. Irônico.

É claro que muita coisa já mudou e graças às mulheres que militaram e militam incansavelmente por essa causa.

Tenho ressalvas a algumas das atitudes e posicionamentos, mas teria que estudar mais pra poder fundamentá-las.

Discutir no vazio, seria injusto demais com quem está fazendo também por mim.

Muitas vezes, algumas mudanças só acontecem com radicalismo e alguma violência.

O filme “As sufragistas” retrata bem a luta das mulheres britânicas, no início do século XX, pelo direito ao voto, depois de esgotadas todas as tentativas pacíficas.

Não é verdade que o diálogo é sempre possível. Por uma razão muito simples: sem voz de um lado, ele não existe. Mas ainda há muito a se fazer em busca da igualdade de direitos tão merecida por nós e que fará com que limitações consideradas naturais deixem de ser.

Um exemplo? Por que é tão natural que nas festas, as mulheres é que bebam menos e parem antes deles quando os filhos estão juntos? Por que? Por que a eles é dado o direito de perderem o juízo?

Homens babam com mulheres livres. Desde que não sejam as “suas”. Homens mudam rapidamente de discurso para justificar escolhas. E não se acanham de cantar “eu prefiro seeeeer essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

Acho ótimo. Também prefiro. Mas muitas vezes, seria tão mais bacana dizer a elas que foram sim opressores antes de mudar de opinião, no momento em que isso lhes foi conveniente.

O dia é das mães. E mães, embora não saibam (porque ficam no lugar do sagrado) podem ser as pessoas mais revolucionárias de todas.

Contribuindo com os filhos para que se tornem seres pensantes, autônomos, críticos, questionadores. Podem fazer perguntas que os levem a refletir.

Que os provoquem. Que os deixem inquietos. Abrir mão de parte da vida pública por um tempo para educar filhos pode ser ato revolucionário.

Mas se fazem essa escolha, acabam sendo tratadas, por elas próprias (esta, uma daquelas minhas ressalvas), como belas e recatadas. E belas, se seguirem os padrões definidos.

Enquanto menininhos brincarem só com carrinhos e armas e menininhas, de casinha; enquanto livrarias deixarem uma sessão de livros cor-de-rosa; enquanto só mães participarem dos grupos de whatsapp das escolas dos filhos; enquanto eles forem chefs e elas cozinheiras; enquanto casais se separarem e à casa do pai for garantido que seja também o lugar do profano (no melhor dos sentidos) e à da mãe, apenas autorizado que seja o do sagrado (também no melhor dos sentidos); enquanto casais se separarem e as tarefas todas ficarem sob responsabilidade das mães; enquanto tanta coisa acontecer, e outras tantas não, não adiantará nada sairmos às ruas gritando por mudanças.

A primeira e mais determinante começa dentro de casa. Em lares comuns. O retorno virá bem mais tarde, mas certamente mais sólido.

Não precisamos de cursos de desprincesamento para meninas. Desprincesamento pressupõe um princesamento anterior. E o que precisamos é fazer diferente desde o início. Pra que não tenhamos que desconstruir depois.

Vamos todos pra cozinha nesse domingo! E depois do domingo também. Pra que nossos filhos nunca mais escutem frases como: “ele é tão bom pra ela, ajuda tanto!”.

Cooperação sugere relação mútua. Sem que um ajude e o outro agradeça. Fico por aqui com Adélia Prado a nos inspirar. E cheia de gratidão pelos meninos que me fizeram mãe e me enchem de dúvidas e perguntas.

Casamento



Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,
 vamos dormir.

Coisas prateadas espocam: 
somos noivo e noiva.

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Comentários

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Lukas

Acredito que Alexandra Melo não faça muito sucesso nas reuniões de família.

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