Exército da privataria, segundo o autor
Cães de guarda dos bancos
Caso contra as agências de classificação
por Michael Hudson*, no Counterpunch
No confronto financeiro que desponta hoje as agências de classificação estão desempenhando um papel político de “executoras”, como guardiãs do crédito, para pressionar Islândia, a Grécia e até mesmo os Estados Unidos para que sigam políticas orientadas aos credores, que inevitavelmente levam a crises financeiras.
Essas crises, por sua vez, forçam governos devedores a vender patrimônio público em condições de estresse. Perseguindo esse trabalho de cães de guarda dos bancos mundiais, as agências de classificação estão intensificando uma estratégia política que refinaram ao longe de mais de uma geração, na arena corrupta da política doméstica dos Estados Unidos.
Por que as agências de classificação preferem a venda de patrimônio público em lugar de política de arrecadação sólida? O estudo de caso de Kucinich
Em 1936, como parte das reformas do mercado financeiro norte-americano, promovidas pelo New Deal [políticas públicas do ex-presidente Franklin Delano Roosevelt para enfrentar a Depressão econômica], os reguladores proibiram os bancos e administradores financeiros institucionais de comprar títulos considerados “especulativos” pelos “reconhecidos manuais de classificação”.
Empresas de seguro, fundos de pensão e fundos mútuos submetidos à regulamentação pública foram obrigados a “levar em consideração” a visão das agências de análise de crédito, o que deu a elas um monopólio sancionado pelo governo.
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Essas agências fazem dinheiro oferecendo suas “opiniões” (pelas quais nunca são legalmente responsáveis) a respeito da possibilidade de remuneração de várias graduações de títulos, de AAA (as dívidas asseguradas por governos, as que têm graduação top porque os governos sempre podem imprimir dinheiro para pagar) até as profundezas dos títulos junk.
As agências Moody’s, Standard and Poor’s e Fitch se concentram principalmente em ações e títulos emitidos por corporações, estados e municípios.
Fazem dinheiro duas vezes na mesma transação quando cidades e estados equilibram seus orçamentos transformando patrimônio público em entidades privadas, que emitem novos títulos e ações.
Esse incentivo empresarial cria nas agências de análise uma antipatia por governos que se financiam na base do “pague de acordo com a necessidade” (o que Adam Smith apoiava), aumentando impostos sobre imóveis e outros bens, ao invés de tomar emprestado para cobrir os gastos.
O efeito dessa parcialidade hereditária é dar opiniões baseadas não no que é melhor, economicamente falando, para o governo local — e sim no que produz mais lucros para elas, agências.
Governos locais são pressionados quando o nível de endividamento sobe e provoca uma situação financeira severa. Os bancos cortam suas linhas de crédito e exortam as cidades e estados a pagar suas dívidas vendendo seu patrimônio público mais viável.
Oferecer opiniões a respeito destas práticas se tornou um grande negócio para as agências de análise. Então, é compreensível porque seus modelos de negócios se opõem a políticas – e a candidatos políticos – que apoiam a ideia de basear o financiamento público na cobrança de impostos — e não no endividamento. Esse interesse próprio influencia suas “opiniões”.
Se essa explicação para a visão interesseira das agências de análise hoje parece muito cínica, existem exemplos nos últimos trinta anos para ilustrar este comportamento antiético delas.
O primeiro e mais notório caso aconteceu em Cleveland, Ohio, depois que Dennis Kucinich foi eleito prefeito, em 1977.
Essas agências de análise vinham dando boas notas à cidade, apesar dela usar títulos de forma imprópria, em operações de empréstimo para cobrir o rombo do orçamento, deixando Cleveland com uma dívida de US$ 14,5 milhões junto aos bancos, em linhas de crédito abertas de curto prazo.
Cleveland tinha uma mina potencial com a Municipal Light, uma das primeiras empresas públicas de energia dos Estados Unidos, criada pelo prefeito da Era Progressista Tom Johnson, em 1907.
A empresa fornece eletricidade para as ruas de Cleveland e outros espaços públicos, como também para usuários particulares.
Enquanto isso, os bancos e seus principais clientes locais estavam pesadamente investidos na empresa particular concorrente da Muni Light, a Cleveland Electric Illuminating Company (CEI).
Membros do banco Cleveland Trust tinham assento no conselho da CEI e exerciam grande influência na câmara municipal da cidade para assumir a Muni Light. Em uma série de medidas que representantes da cidade, do Senado norte-americano e das agências reguladoras consideraram impróprias (a linguagem popular chamaria de criminosas), a CEI provocou uma série de interrupções no serviço e trabalhou com os bancos e com as agências de classificação para forçar a cidade a vender a empresa municipal.
Os bancos, por sua parte, estavam de olho na possibilidade de financiar a venda – e tinham esperanças de pressionar a cidade a vender, ameaçando puxar a tomada das linhas de crédito de Cleveland se ela não entregasse a Muni Light.
Foi para barrar essa privatização que Kucinich concorreu a prefeito. Para evitar que a cidade se afastasse de seus interesses por conta da pressão financeira — acima de tudo dos bancos e das empresas de serviços particulares – ele buscou arrumar as finanças da cidade aumentando os impostos.
Isso ameaçou reduzir o endividamento junto aos bancos (em consequência, atingindo também os negócios das agências de classificação), enquanto livrava Cleveland da pressão que surgia nos Estados Unidos para que as cidades começassem a vender patrimônio público, especialmente a partir dos anos 80, quando políticos pró-corte de impostos deixaram os municípios profundamente endividados.
Os bancos e as agências de análise disseram ao prefeito Kucinich que apoiariam sua carreira política e até sugeriram financiar sua campanha a governador se ele fizesse acordo e concordasse em vender a empresa pública de energia.
Quando ele se recusou, os bancos disseram que não podiam renovar as linhas de crédito a uma cidade que se recusava a equilibrar as contas privatizando seu empreendimento mais lucrativo.
Foi como se uma empresa de cartão de crédito de repente exigisse o pagamento completo da conta de um cliente dizendo que, se o montante não fosse pago, o xerife viria tomar a propriedade do cliente para vender (geralmente com financiamento oferecido a clientes dos bancos).
As agências de análise também ameaçaram rebaixar o crédito de Cleveland se a cidade não privatizasse a empresa de energia.
A tática era oferecer a cenoura para corromper o prefeito politicamente, enquanto se usava a ameaça de forçar a cidade a entrar em uma crise financeira, elevando suas taxas de juros. Se os moradores e o comércio não aceitassem pagar tarifas de eletricidade elevadas, como resultado da privatização, teriam de pagar taxas de juros elevadas.
Mas, mantendo seus princípios, o prefeito se recusou a vender a empresa e os eleitores decidiram manter a Muni light como empresa pública em um referendo, que teve margem 2 para 1 pela não privatização.
Eles bancaram o pagamento das dívidas da cidade com aumento dos impostos, para evitar pagar tarifas elevadas da eletricidade privatizada.
A escolha estava bem de acordo com o Livro V do Riqueza das Nações, de Adam Smith, que descreve como o endividamento acaba com uma proliferação de impostos para pagar juros sobre juros.
Isso faz com que o setor privado pague preços elevados para manter suas necessidades básicas, o que o prefeito de Cleveland Tom Johnson e outros líderes da Era Progressista, um século atrás, tentaram socializar para reduzir o custo de vida e de se fazer negócios nos Estados Unidos.
A aliança dos bancos com os futuros ricos donos de monopólios em Cleveland levou a cidade a ser a primeira dos Estados Unidos a declarar insolvência desde a Grande Depressão, já que o estado de Ohio a forçou a declarar falência financeira em 1979.
Os bancos usaram a crise para lucrar facilmente, comprando títulos vendidos em baixa exacerbada pela análise negativa das agências de classificação. Os bancos ajudaram a financiar a campanha do adversário de Kucinich na eleição para prefeito em 1979.
Mas, ao salvar a Muni Light, ele havia economizado centenas de milhares de dólares para os eleitores, dinheiro que os privatizadores teriam cobrado nas contas de eletricidade para cobrir taxas cobradas e comissões financeiras, dividendos para os acionistas, além de salários exorbitantes e opções de ações.
Os eleitores perceberam o feito de Kucinich e continuam o enviando ao Congresso como deputado, desde 1997.
Já a rival privada da Muni Light, a Cleveland Electric Illuminating Company, alcançou notoriedade por ter sido a principal responsável pelo blackout no Noroeste dos Estados Unidos, em 2003, que deixou 50 milhões de pessoas sem luz.
A moral é que o critério das agências de classificação era simplesmente “o que era melhor para os bancos” e não para o devedor que estava emitindo os títulos.
Elas estavam doidas para elevar o crédito de Cleveland se a cidade fizesse algo injurioso – primeiro, tomar emprestado dos bancos, ao invés de equilibrar o orçamento com o aumento dos impostos de renda e sobre a propriedade; em segundo lugar, elevando o custo geral das empresas locais ao vender a Muni Light.
As agências ameaçaram reduzir o rating da cidade porque a prefeitura de Cleveland agiu para proteger seus interesses econômicos e manter baixo o custo de vida e de se fazer negócios na cidade.
As táticas usadas pelos bancos e pelas agências de classificação têm sido mais facilmente bem sucedidas em cidades e estados que se aprofundaram em uma dependência do endividamento.
O objetivo é assumir patrimônio público federal, fazendo com Washington o que fizeram com Cleveland e com outras cidades na última geração. Pressão similar vem sendo exercida a nível internacional, sobre a Grécia e outros países.
As agências de classificação atuam como “carrascos” políticos, para deixar de joelhos as economias que evitam a privatização de seus bens como forma de resolver o problema da dívida, mas não assumem que fazem isso por interesses financeiros próprios.
Por que as agências de análise são contra ações públicas que enfrentem a fraudes financeira
O perigo imposto pela pressão das agências de classificação sobre a economia global, quando elas incentivam uma corrida à dívida e à privatização, tornou-se recentemente ainda mais óbvio com a disposição delas de proteger os abusos cometidos por parte de bancos e seguradoras.
O ex-funcionário do congresso Matt Stoller cita um exemplo fornecido por Joshua Rosner e Gretchen Morgenson em Reckless Endangerment, um texto que relata o apoio que as agências deram deram aos direitos do credor de realizar empréstimos predatórios e fraude indiscutível.
No dia 12 de janeiro de 2003, o estado da Georgia passou uma lei forte antifraude desenhada por grupos de defesa do consumidor. Quatro dias depois, a Standard & Poor’s anunciou que se a Georgia aprovasse punições antifraude para corretores de imóveis e credores corruptos, pacotes que incluíssem essas dívidas não poderiam ser classificados como AAA.
“Por causa da nova lei estadual, Fair Lending ACT, a S&P disse que não iria mais permitir que empréstimos imobiliários com origem na Georgia fizessem parte dos pacotes de títulos imobiliários avaliados pela empresa. As agências Moody’s e Fitch logo seguiram o exemplo, com alertas semelhantes. Foi um golpe duro. A decisão da S&P significava que os emprestadores da Georgia não teriam mais acesso à máquina da financeirização; teriam que manter os empréstimos que tinham feito em seus próprios portfólios ou vendê-los um por um a outras instituições. As agências deixaram claro ao público que haveria um volume menor de empréstimos imobiliários, destruindo o sonho da casa própria”.
O recado era de que apenas os empréstimos bancários livres da ameaça de fiscalização e punição eram considerados livres de risco para os investidores.
O risco em questão era de que agências estaduais de fiscalização reduzissem ou até mesmo cancelassem pagamentos que estavam sendo extraídos por agentes bandidos do mercado imobiliário, avaliadores e banqueiros. Como Rosner e Morgenson resumiram: “A Standard & Poor’s disse que estava agindo porque a nova lei criava obrigações para instituições que participassem de qualquer transação envolvendo títulos que pudessem ser considerados predatórios. Se uma firma de Wall Street comprasse empréstimos que mas tarde fossem considerados fora da lei e os incluísse em um pacote para financiar empréstimos imobiliários, a empresa de Wall Street também poderia ser processada pela lei da Georgia. O mesmo para os investidores que comprassem do pacote”.
“Participantes em transações de títulos, incluindo aí depositantes, emissores e prestadores de serviço, podem ser todos passíveis de punição por violação da lei Fair Lending Act da Georgia”, explicou a nota à imprensa da S&P
A lógica da agência de classificação de risco é de que os investidores não terão retorno se entidades públicas forem capazes de ir à Justiça denunciar fraude financeira e títulos enganosos.
É um princípio básico da lei que receptadores ou outros compradores de propriedade roubada devem perdê-la, e o bem retornar à vítima.
Então, ir à Justiça contra a fraude é tanto uma ameaça ao comprador quanto um colecionador de arte que comprou uma pintura roubada deve devolvê-la, não importa quanto pagou ao intermediário.
As agências de classificação de risco não querem que esse princípio se aplique ao mercado financeiro.
Nós caímos em uma enrascada e tanto quando descobrimos que as agências de classificação defendem que empréstimos imobiliários agrupados em um pacote só podem receber a nota AAA se forem de estados que não protegem os consumidores e devedores contra fraudes imobiliárias e financiamento predatório.
A lógica é: dar autoridade aos tribunais para combater fraude ameaça o direito dos credores.
Se honestidade e viabilidade de crédito fossem o objetivo das agências de classificação de risco, elas dariam nota AAA somente a estados cujos tribunais impedem credores de praticar o tipo de fraude que acabou na crise dos empréstimos imobiliários em setembro de 2008.
Mas, proteger os interesses dos poupadores ou dos correntistas dos bancos – e com isso até mesmo a viabilidade dos pacotes de empréstimos imobiliários – não é uma tarefa que se espere das agências.
Disfarçadas de centros de pensamento e organizações de pesquisa objetiva, as agências agem como lobistas dos bancos e corretoras, endossando uma corrida ao endividamento, privatização e erosão dos direitos dos consumidores, além do descontrole sobre fraudes.
“A S&P foi matando agressivamente os serviços de regulamentação de empréstimos imobiliários e as regras que preveniam fraudes ou empréstimos predatórios”, concluiu Stoller. “Naomi Klein escreveu sobre como a S&P e a Moody’s foram usadas pelos bancos canadenses, no começo dos anos 90, para ameaçar o país com um rebaixamento, a não ser que cortasse o seguro-desemprego e o programa de saúde”.
O discurso básico é que tudo o que interfere com o poder arbitrário do credor de fazer dinheiro com truques, exploração e fraude aberta, ameaça a capacidade de cobrar dívidas.
Os bancos e as agências de classificação de risco exercem esse poder com tanta intransigência que corromperam o sistema financeiro, transformando-o em um mercado de empréstimos imobiliários junk, títulos junk para financiar corporações e apostas computadorizas no “capitalismo de cassino”.
Então, qual é a lógica que existe em dar a essas agências um monopólio público para impor suas “opiniões” em nome de seus clientes pagos, derrubando políticas públicas às quais o setor financeiro se opõe – regras que os investidores institucionais são legalmente obrigados a obedecer?
Ameaças de rebaixamento dos Estados Unidos e outras economias nacionais para forçar políticas pró-financistas
Sempre que a exigência de pagamento a qualquer custo ameaça se tornar autodestrutiva, os credores recuam para suas posições alternativas.
O plano B é executar as hipotecas e tomar posse das propriedades dos devedores.
No caso da dívida pública, os governos são aconselhados a privatizar o que é de domínio público – com os bancos fornecendo crédito a seus clientes para comprar os bens, em geral em vendas-relâmpago, sob condições estressantes que deixam espaço para ganhos de capital e outros ganhos financeiros.
Nos casos em que a execução da hipoteca e a venda forçada de bens não é suficiente para restituir tudo aos credores (como quando a economia entra em colapso), o plano C é simplesmente o governo salvar os bancos, retirando a dívida podre e outras obrigações do balanço dos bancos e transferindo-os para o Tesouro público, para que os contribuintes honrem os compromissos.
A ameaça da Standard and Poor’s de rebaixar o crédito dos títulos do Tesouro americano de AAA para AA+ teria exacerbado o problema se realmente desestimulasse a compra desses títulos por parte dos investidores.
Mas na segunda-feira, dia 8 de agosto, em seguida à sexta-feira do rebaixamento, as taxas de juros para o Tesouro tomar dinheiro caíram, com os títulos de curto prazo atingindo, na verdade, território negativo.
Isso significa que os investidores tiveram de perder uma pequena margem simplesmente para manter o dinheiro em um lugar seguro. Então, as opiniões da S&P são tão ineficientes como guias úteis para o mercado como não são guias para promover boas políticas econômicas.
Mas, na verdade, a intenção da S&P não era realmente afetar a capacidade de negociação dos títulos do Tesouro. Era uma jogada política para promover a ideia de que a solução para o déficit do orçamento dos Estados Unidos, hoje, é perseguir a austeridade econômica.
A mensagem é de que o presidente Obama deve cortar gastos com Previdência Social e o Medicare [programa de saúde para a terceira idade], para liberar mais dinheiro para subsídios, socorros financeiros e corte de impostos para o topo cada vez mais rico da pirâmide.
O professor de economia neoliberal da Harvard, Roberto Barro, deixou isso explícito em um artigo publicado no Wall Street Journal.
Chamando o rebaixamento da S&P de um “despertador” para lidar com o déficit do orçamento, ele destacou a solução preferida do setor financeiro: uma luta de classes cruel contra o trabalho para reduzir o padrão de vida e polarizar ainda mais a economia norte-americana entre credores e devedores, através da transferência dos impostos sobre especulação financeira e bens para trabalhadores e consumidores.
“Primeiro, faça reformas estruturais nos principais programas sociais — de saúde e de aposentadoria –, começando com aumentos da idade mínima exigida [para aposentadoria]. Segundo, reduza a estrutura das aliquotas marginais no imposto de renda individual. Terceiro, no espírito da reforma dos impostos de Reagan de 1986, compense o corte de impostos gradualmente, sumindo com descontos como a isenção para juros de empréstimos da casa própria e benefícios empregatícios – sem falar na eliminação dos subsídios para o etanol. Quarto, elimine permanentemente impostos estaduais e corporativos, alavancas que são ineficientes e rendem pouco dinheiro. Quinto, crie um imposto geral sobre gastos, a exemplo do imposto de valor agregado (VAT), com um índice de cerca de 10%”.
O lobista dos bancos Anders Aslund, do Instituto Peterson de Finanças Internacionais, embarcou nesse trem aplaudindo o desastre econômico da Letônia (uma queda de 20% no PIB, 30% de redução dos salários no setor público e uma migração acelerada) como se fosse uma história de sucesso para outros países da Europa seguirem.
Como principal defensor e beneficiário último das privatizações, o setor financeiro orienta economias devedoras a vender seus bens públicos e a cortar serviços sociais – enquanto aumenta impostos sobre os assalariados.
As populações que vivem nessas economias a chamam de inferno e tentam emigrar para encontrar emprego ou simplesmente para fugir de suas dívidas.
Que outro nome se poderia dar ao aumento da pobreza, das taxas de mortalidade e de alcoolismo, enquanto poucos enriquecem?
As agências de classificação de risco são hoje como era o FMI nos anos 70 e 80. Países que não concordam em vender seus bens públicos (e não dão isenções de impostos para multinacionais quando elas assumem monopólios privatizados) são tratados como fora da lei e isolados, no estilo de Cuba ou do Irã.
Esses planos de austeridade são modelos econômicos falidos, mas o setor financeiro consegue lucrar mesmo quando as economias são destruídas.
O plano B deles é executar as hipotecas, estendendo isso ao patrimônio nacional.
Nos anos 80, economias planejadas por credores em países do Terceiro Mundo chegaram a seu limite de crédito. Sob coordenação do Banco Mundial, um vasto mercado de gastos em infraestrutura nacional foi criado a partir de dívidas bancárias.
Os projetos visavam principalmente facilitar as exportações e prover a energia elétrica para os investimentos estrangeiros. Depois que o México anunciou sua insolvência, em 1982, quando não tinha mais como pagar os juros da dívida, para onde deveriam se virar os credores?
Sua solução foi usar a crise da dívida como alavanca para dar início ao refinanciamento destes mesmos projetos de infraestrutura, agora que quase todos já estavam pagos.
Dessa vez, o que foi financiado pelos bancos não foram novas construções e sim a compra, por parte do setor privado, da infraestrutura que fora financiada pelo Banco Mundial e por seu consórcio de banqueiros internacionais aliados!
Cogitou-se até de que o governo dos Estados Unidos poderia vender seus parques nacionais e outros imóveis, estradas e infraestrutura, talvez as reservas de petróleo, o serviço de correios e assim por diante.
A “opinião” da S&P foi suficientemente levada a sério por John Kerry, candidato democrata à presidência em 2004, como um alerta de que os Estados Unidos precisavam “arrumar a casa”.
Ele apoiou a ação da S&P como uma pressão positiva para que os Estados Unidos resolvessem o problema dos programas sociais – como se a Previdência Social e a FICA (Federal Insurance Contributions Act) fossem algum tipo de esmola e não uma poupança feita pelos trabalhadores, que agora pode ser usurpada, enquanto o governo esvazia os cofres para dar socorro à montanha russa de Wall Street.
Foi a publicação financeira Wall Street Journal que concluiu: “Em um mundo perfeito, a S&P não existiria. E nem seus rivais Moody’s Investors Service e Ritch Ratings Ltd. Ao menos não em seus atuais papéis de juízes globais e jurados dos títulos de corporações e de governos”.
Como escreveu o editor financeiro Francesco Guerrera de forma bastante eloquente, após a ameaça da S&P de rebaixar os títulos do Tesouro americano: “A decisão histórcia tomada pela S&P no dia 5 de agosto é o ápice de 75 anos de uma política equivocada, que acabou entregando uma função regulatória-chave a três entidades com fins lucrativos”.
O comportamento de grandes bancos e de agências de classificação de risco em Cleveland e em outros casos semelhantes – de prometer dar boas notas aos estados, condados e cidades que concordassem em pagar a dívida de curto prazo com os bancos através da venda das joias da coroa – não é ostensivamente um crime, segundo a lei (a não ser quando seus capangas de fato promovem assassinatos).
Mas as agências de classificação de risco fizeram um pacto com bandidos, para apoiar apenas investidores que concordem em seguir suas políticas sem recorrer à Justiça em caso de fraudes financeiras.
Aceitar um comportamento economicamente destrutivo como este é o oposto de promover responsabilidade fiscal. Cortar impostos federais e pagamentos da Previdência Social para obter uma “opinião” mais positiva da S&P daria aos bancos a habilidade de puxar a tomada, para forçar privatizações e planos de austeridade anti-trabalhistas, evitando rolar a dívida norte-americana – e cortando os impostos no estilo exigido pelo Tea Party, ao invés de financiar o Orçamento cobrando impostos na base do pague quanto puder.
O recente derretimento do euro oferece uma lição objetiva sobre porque a formulação de políticas não deve nunca ser entregue aos bancos centrais: a mentalidade deles é pró-credor.
Caso contrário, eles não teriam a confiabilidade política exigida pelo setor financeiro, que capturou o Banco Central dos Estados Unidos, o Tesouro e as agências regulatórias, conquistando poder de veto sobre quem é indicado para cargos nessas instituições.
Dada a preferência que têm pela deflação da economia “real” – enquanto tentam inflar os preços dos ativos financeiros promovendo os produtos dos bancos – o FED e o Tesouro tendem a ações que podem agravar a espiral econômica negativa. Um comportamento autodestrutivo, porque hoje o maior entrave à recuperação econômica é o excesso de endividamento.
*Michael Hudson foi economista de Wall Street. Professor e pesquisador da Universidade de Missouri, Kansas City, ele é autor de vários livros, entre eles “Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire” e “Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy”.
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