Wálter Maierovitch: O novo Alemão e a indústria das drogas

Tempo de leitura: 3 min

14 de dezembro de 2010 às 10:41h

O novo Alemão e a indústria das drogas

É preciso atacar a economia do tráfico. De outra forma, não haverá avanços.

por Wálter Maierovitch, em CartaCapital

Sozinho e com a elementar cautela de substituir os habituais paletó, gravata e sapatos por camiseta, bermuda e tênis, dei um giro pelo Complexo do Alemão. Só faltou uma volta de teleférico – estava em reforma. Deu para sentir o novo astral e o contentamento da comunidade decorrentes das designações do experiente general Fernando José Lavaquial Sardenberg, infante e paraquedista, para comandar a Força de Paz no Alemão (foi o primeiro em missão no Haiti). E de juízes estaduais para solucionar conflitos e dissensos, quando estes, antes da reconquista pelo Estado, eram resolvidos pelo crime organizado, que aplicava as suas “leis”.

Não se deve esquecer, como já ensinou Piero Calamandrei nas suas Opere Giuridiche,  que o Judiciário, ao solucionar conflitos, restabelece a tranquilidade social. Enfim, os moradores do Alemão voltaram a ter cidadania e até uns trocos do “cartão Família Carioca”, um nada original Bolsa Família criado pelo prefeito Eduardo Paes: 440 mil moradores que vivem abaixo da linha da pobreza serão beneficiados – 12% habitam no Alemão.

No Alemão, dentre tantas coisas, interessei-me em saber sobre a casa, com piscina e deck de madeira, de um dos chefes do tráfico. As imagens da casa têm sido repetidas desde a operação policial e os jornais noticiaram como tendo sido uma surpreendente descoberta feita pelas forças de ordem. A tal casa fica no alto e se destaca na paisagem. Poderia ter sido objeto de fotografias aéreas ou de filmagens pelos 007 da inteligência policial. Por evidente, uma “banda pobre” policial mantinha a sua blindagem.

Uma comparação assaltou-me no Alemão. Na região andina, fotografias aéreas e imagens de satélites são registradas com o objetivo de acompanhar as áreas por onde se espalham os arbustos da coca, cuja folha é a matéria-prima na elaboração do cloridrato de cocaína. Desse importante material de imagens decorreu a conclusão de que as áreas de cultivo de coca migram. Mais ainda, nos últimos 20 anos, nunca foram reduzidas.

Ora, não se vence a batalha contra o crime organizado, quer de matriz mafiosa, quer terrorista, sem ataque à economia que movimenta e lhe dá força. Quando a meta é levar as associações delinquenciais à bancarrota, torna-se imprescindível a coleta de dados, como a da casa do chefão do tráfico de drogas ilícitas do Alemão ou os estabilizados 200 mil hectares de arbustos de coca nos países andinos. Sem o desfalque patrimonial, as organizações criminosas continuam a exercitar o poder corruptor, a se infiltrar no poder e influir em época eleitoral.

Depois de preso, Al Capone, que controlava em Chicago a famiglia da Cosa Nostra, resolveu revelar como conseguiu, em 13 anos de Lei Seca (1920-1933), amealhar 60 milhões de dólares: I own the police (algo como a polícia me pertence). E para ter a polícia na mão, Capone precisava de dinheiro. Parênteses: Capone, que era bronco, não lavava dinheiro e foi preso por não pagar tributos. O lavador de dinheiro da Cosa Nostra sículo-norte-americana era Meyer Lansky, dado como gênio das finanças. Lansky nunca  foi preso e jamais passou mais de 40 minutos num distrito policial.

Conforme revelado pelo jornal Valor Econômico, a polícia carioca utiliza um potente software. Como o programa carece ser abastecido de dados, algo anda a falhar. Dessa base de dados não contava a casa com piscina e deck no Alemão. Numa visão macro, a criminalidade organizada do Rio e de São Paulo (PCC) ainda não foi atingida para valer no seu “bolso”. As apreensões de imóveis de Polegar e de Thiago Santos Igreja são insignificantes à luz do fenômeno criminal instalado há mais de 30 anos no Rio.

Outrossim, impressiona  o fato de o jornalismo investigativo, e não as polícias, haver revelado, em O Globo e diante da grande quantidade de drogas encontradas no Complexo do Alemão, que traficantes brasileiros ligados a Beira-Mar têm fazendas em Capitán Bado e Pedro Juan Caballero, e de lá sai parte da maconha ofertada nos mercados do Rio e de São Paulo. Pior: desde 2000, o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone denuncia o uso de sementes transgênicas de maconha em Capitán Bado.

Com efeito. O secretário de Segurança do Rio, que conseguiu pela primeira vez na história nacional uma marcante vitória contra o crime organizado na Vila Cruzeiro (Penha) e Complexo do Alemão, sem derramamento de sangue inocente e dentro da  legalidade, deveria reforçar as ações de contraste à economia das associações que atuam dentro do Rio e, também,  identificar as redes, fora do estado, de fornecimento de drogas e armas às quais o Comando Vermelho, os Amigos dos Amigos e as milícias estão plugados.

Convém não esquecer um sempre atual ensinamento do advogado Edwin Meese, colaborador do FBI nas questões de branqueamento de capitais. Para ele, a “lavagem de dinheiro é como o banco de sangue que dá vida ao crime organizado”. E como pecunia olet (o dinheiro tem cheiro), o capital sujo pode ser perseguido.

Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP


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Comentários

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NATANAEL

Uma pequena pergunta deve ter havido muitas deneuncia sobre a fuga dos traficantes no dia do ataque,o disque denejucia não funcionou ou sera quem recebe as ligações fazem parte das milicias

Alexandre Figueiredo

Outro grande problema que desafia a polícia é que o narcotráfico e o comércio de armas – para o aparelhamento dos grupos criminosos – envolvem redes internacionais e figurões ricos, que nos são ocultos e desconhecidos, que rodam por cruzeiros marítimos e vão para Nova York como quem vai para a casa do vizinho. Gente extremamente rica, verdadeiros chefões, talvez até bem mais elegantes que os mafiosos que aterrorizaram os EUA nos anos 30. Esses são os verdadeiros chefões do tráfico, e não existe a menor dúvida que essas casas "opulentas" encontradas no Alemão são apenas modestos arremedos dos casarões e mansões que os verdadeiros chefes do tráfico internacionais possuem.

O combate à criminalidade, com toda a certeza, não pode se limitar à base nem menosprezar o ataque de âmbito econômico, como Walter nos lembrou. É preciso desenvolver todo um sistema de informação e de proteção a testemunhas e delatores, para que dessa maneira a criminalidade seja combatida no seu todo, atingindo o topo, que por enquanto continua inabalado.

WILSON STANFORD

Azenha,
Já tem sido amplamente discutida a questão do tráfico. Alguns aspectos são inexoráveis, por exemplo: a existência de amplo mercado consumidor na cidade do Rio de Janeiro. As 60 toneladas de drogas apreendidas obviamente não estavam alí para serem apenas estocadas. Tinham un destino certo e garantido que era o enorme mercado consumidor do Rio. Não obstante, este mercado continuará a gerar demanda por drogas naquela região. É óbvio que o trafico descobrirá outros metodos de se organizar para atingir o fissurado mercado consumidor. O aumento no controle do tráfico irá aumentar o preço da droga no Rio. O enfoque territorialista atinge em cheio a organização atual do tráfico, porém não irá eliminá-lo. Estranhamente quase nenhuma menção ao consumo tem sido feita. Talvez os bandidos tenham que migrar para bases mais distantes como foi comentado já pelos leitores. E o método de entrega irá evoluir para um sistema "DELIVERY", acobertado obviamente por policiais corruptos. Infelizmente, a presença do Estado não irá eliminar o fenômeno do mercado consumidor de drogas.

    Ubiratan Rosa Passos

    Nunca vi gente tão pessimista! Para mim vocês estão sendo imediatistas.
    Ora, o consumo de drogas diminuiu nos EEUU? Diminuiu na Suécia (lá, eles estão deseperados!), na Holanda, na Rússia, na China…?). Os consumidores vão desaparecer? Os traficantes vão tentar se reorganizar? Que grande descoberta! A banda honesta da polícia sabe disso, tanto quanto eu e você.
    Não restam dúvidas do sucesso inicial, apesar das opiniões contrárias, da ação do estado. Há que haver contunuidade e determinação, inclusive com a caça a banda podre do aparato policial.
    EU ACREDITO NO BRASIL.
    A propósito, policial americano invade residências de traficantes e não hesitam em atirar. Eles podem, nós, não. A Constityição os protege, em detrimento dos direitos do cidadão comum.
    Vamos torcer para que a caça a esses bandidos continue! Deixemos o pessimismiode lado! Sabemos que a batalha vai ser dura.

Athos Vieira

A solução não passa por melhor software ou vontade e eficiência policial. A questão reside na legalidade do mercado. Jamais a proibição irá evitar o tráfico porque um se alimenta do outro. Al Capone começou a cair quando a Lei Seca foi abolida, as famílias que se mantêm sobrevivem de outras ilegalidades e o dinheiro, alto dinheiro, circulando "sem controle", taxas e regulação, interessa a muita gente. Para além de FB's e Polegares.

eduardo schenberg

Parabéns Walter, aguardamos com grande expectativa o debate após o filme Cortina de Fumaça, na sexta-feira as 20h na MatilhaCultural

saudações http://www.plantandoconsciencia.org/

Marcelo de Matos

Eu sou um dos que admiram as opiniões do professor Walter. Não consigo, porém, comungar do seu otimismo. Pecunia olet (o dinheiro tem cheiro)? O imperador Vespasiano ensinava o contrário a seu filho Tito – o dinheiro não tem cheiro. Instituiu tributo sobre os mictórios públicos, provocando a ira do rapaz. O professor Walter acha possível vencer o tráfico destruindo sua força econômica. Data vênia, tenho minhas dúvidas. Na minha ignorância penso que as drogas são irmãs siamesas das armas. Em toda apreensão de drogas são apreendidos, também, sofisticados armamentos suecos, israelenses, americanos ou russos. Os produtores mundiais de armas devem dar proteção aos traficantes para que continuem sua atividade. Assim é possível escoar, de modo concomitante, a produção de armas. Se partirmos do princípio de que é imprescindível destruir a economia dos traficantes, teríamos de destruir, também, a economia dos fabricantes de armas. Isso incluiria até nosso amado país.

Douglas da Mata

"O secretário de Segurança do Rio, que conseguiu pela primeira vez na história nacional uma marcante vitória contra o crime organizado na Vila Cruzeiro (Penha) e Complexo do Alemão, sem derramamento de sangue inocente e dentro da legalidade,(…)"

Ops, como assim, legalidade?

Presença de tropas federais ao arrepio da CRFB?

O ilustre jurista parece em "campanha" pela política de segurança pública do RJ. Compromete sua análise. Todos sabem que a rede varejista de tráfico, ainda que ocupe "territórios", como fazia no Alemão, não é nem de longe o principal problema do tráfico, e nem a relação promíscua desses varejistas com a polícia (o popular "arrego")é o principal problema, na medida que esses "acertos" não se dão na esfera decisória do Estado, e somente nas "pontas", ou na "rua".

Outro erro grave é misturar milícia com tráfico: São fenômenos distintos, ainda que sejamos seduzidos em igualá-los, pelos efeitos que causam. Tráfico movimenta a economia de local de fora para dentro ("exporta" produto e traz recurso do comprador), já a estrutura econômica da mílicia "retira" o dinheiro da comunidade, ao vender proteção para a insegurança que ela mesma causa.

Outra questão importante: O tráfico não tem "legitimidade", a não ser em seus limites territoriais e em grupos restritos dentro desses limites, já as milícias agem como força paraestatais, e usam os recursos do Estado (armas, porte de armas legais, viaturas, o corporativismo, e o fato de serem agentes oficiais de segurança) como ferramentas ("vanatagem competitiva"), aliadas ao fato de que a violência que praticam ser legitimada pelas elites, pelo pavor da classe média, ungidas por autoridades que as enxergaram como "solução" para "pacificar" as comunidades, como fizeram no Pan 2007, no bom e velho, bandido bom é bandido morto.

São fenômenos distintos, com repercussões parecidas, à primeira vista, mas que devem ser enfrentadas de forma distinta.

Supor que uma os duas propriedade de Beira-Mar, Polegar ou outros bagrinhos sejam a espinha dorsal da lavagem dos recursos, é piada!

Há, e o jurista sabe, escalas muito mais sofisticadas, degraus muito superiores onde o tráfico alimenta bancos, corretoras chiques, mercado imobiliário de alto luxo, etc.

Mas de tudo, novamente, o que mais me assusta é um grande jurista defender a ilegalidade da presença das forças armadas como agentes de segurança pública! Em um país com a triste memória que temos, com cicatrizes que ainda não se fecharam, é um acinte.

Alex

Quando lecionava insistia aos meus educandos em compreender o tráfico de drogas dentro duma visão macro, afinal e economia da drioga envolve todas as fases clássicas da produção, industrialização, distribuição, comercialização e financeirização, portanto louvo o texto postado e seu autor pela lucidez e contundência, descartando a alternativa miltaresca à problemática do comércio de entorpecentes.

José Manoel

Azenha: o Dr. Wálter Maierovitch é um grande brasileiro; um dos bastiões de que dispomos para combater o crime organizado no país!!!

Fábio Villela

O tráfico ira sair das favelas e migrar para o interior do estado do Rio, de Minas e São Paulo. A distribuição da droga tenderá a se fragmentar e elitizar cada vez mais. Os principais fornecedores de maconha, cocaína serão recompensados cada vez mais pelos lucros astronômicos, o que paga o risco de ser preso. A lavagem de dinheiro pode ser combatida, mas isso meu caro não interessa as elites. Quem mais faz lavagem de dinheiro são os ricos, banqueiros, grandes empresários, que possuem grande influencia na sociedade. O tráfico continuará sendo combatido por meio da repressão aos pretos, pobre e putas, para manterem-lhes nos seus devidos lugares nessa sociedade excludente e racista.

Ronaldo

Há anos estamos prendendo traficantes em prisões de segurança máxima, e jamais ouvi ou li que determinada prisão tenha ocorrido por delação de algum preso durante interrogatório.

Paulo Villas

Acho que a questão das drogas terá de sair da esfera policial mais cedo ou mais tarde. O tráfico existirá enquanto houver demanda , creio que sempre haverá , e o consumo da droga fôr crime, o que é uma estupidez , mas isso é outra discussão. A grande vitória do Alemão foi a retomada do território para a cidadania , e o fim da ostensividade armada dos zumbis , que a midia chama de "exercito do tráfico".

FAlo nada

Como tantas comparações com os EUA se eles nunca serviram de exemplo em termos de 'guerra ao trafico',uma expressão que não deveria existir!?maior consumidor de drogas do mundo e com uma sociedade corrompida?
Podem gritar e matar quantos quiserem,tirar o dinheiro de quem for as drogas sempre existiram e sempre existirão nas sociedades como um todo.Está na hora de assumir isto e não tentar esconder embaixo do tapete.Desta maneira, podendo se preocupar com problemas reais.

dukrai

até que enfim alguém dito de esquerda e progressista começou pelo começo e considerou muito positiva a tomada do complexo do Alemão pelo estado.
eu até achei que tinha virado um direitão fascista em elogiar a ocupação da área pelos milicos.

    Marcelo de Matos

    De esquerda? Menos… Eu sou a favor da presença do Estado em todas as favelas e subúrbios. Também não sei se sou mesmo de esquerda.

    dukrai

    é só dar uma escorregada que vem os mala azucrinando. dei uma gugada e o Wálter declara uma geléia geral "Sou independente e não faço média. Para deixar claro: votei para o Galeno Amorim (PT), Luiza Erundina (PSB), Aloísio Nunes Ferreira (PSDB), Marta (PT), Fábio Feldman(PV) e Dilma (PT). …" http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20
    uma coisa positiva é que pega no pé do Vampiro Brazileiro, do Gilmar Dantas e outros menos cheirosos

    Geysa Guimarães

    Curioso é ele votar no cheiroso poderosíssimo, Aloysio Nunes. Quem vota Aloysio, vota Serra.
    Se o Paulo Preto se candidatar na próxima, presumo que Maierovitch será seu eleitor.

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