Urariano Mota: Feliz carnaval,princesinha!

Tempo de leitura: 3 min

por Urariano Mota, em Direto da Redação

A imagem da menina do último carnaval, eu pensei tê-la esquecido. Dizem que uma imagem vale mil palavras. Bobagem, diz não. Entre tantas que cometi no carnaval que passou, do porta-estandarte de Banhistas do Pina, orgulhoso da sua tradição, ao desfile do Bloco da Saudade, com suas mulheres bonitas, mais um imenso galo ao fundo sobre a ponte, a mais bela é a que se mostra em cima desta coluna. Ela ficou na memória, acredito, porque ela não era uma imagem. É uma pessoa. É uma linda menina, passado e futuro do carnaval. A princesinha da imagem era a filha da cozinheira de um boxe do Mercado da Boa Vista. Ela, a menina, tão feliz estava, que nem comeu todo o seu almoço no prato. Talvez a mãe, generosa como todas, tenha posto mais comida do que a menina queria. Mas não, penso mais é que a princesinha estava tão feliz, que perdeu a vontade de comer, assim como ocorre a todos nós em raras ocasiões. Quando o peito está contente, para que melhor alimento?

A princesinha, informa a foto, portava uma coroinha de lata, um vestidinho verde, umas trancinhas que caíam em graça pelos lados da coroinha. O que a foto não diz é que as trancinhas elegantes davam na gente uma vontade de cheirar os cabelos da princesinha. Vontades assim dão na gente, de vez em quando, mas o adulto, escolado, sabe que a beleza, se tocada, pode reagir mal. Assim como um cão amarrado em corrente, que na infância enfiou os dentes na mão do colunista, bem lembro. Não que a princesinha fosse morder. Pelo contrário, ela ainda mais sorriria encabulada, penso. Mas morderiam este escrevinhador outros homens na multidão do mercado, porque deviam achar descabido um beijo em trança rebelde de uma criança negra. Coisa de pedófilo se aproveitando do carnaval, assim podia pensar a maldade do vulgo em forma de julgamento. Por isso eu a toquei com os olhos, que estavam encantados e úmidos de álcool e emoção, nessa mistura que vem no rosto e nem a disciplina mais férrea consegue esconder. Então pedi a minha mulher, “tire por favor a foto da princesinha”. E o celular registrou.

Eu não lembro agora o seu nome. É claro, eu lhe perguntei tudo, o nome, idade, bairro, quem eram os pais, essas perguntas idiotas de repórteres que primam pela objetividade. Ou seja, aqueles clássicos 5 burros Ws: Who, What, Why, Where, When, que traduzidos se mostram mais límpidos ainda na sua burrice: Quem, O quê, Por quê, Onde e Quando. Meu Deus dos ateus, só não perguntei à princesinha, para minha salvação, se ela gostava de carnaval. Se gostava!… ela era um sorriso amplo, guardado, de menininha cuja beleza não é um esplendor, mas que faz a alegria e ternura da sua mãe. Isso, sim. Mas isso, sim, também, transmite felicidade e amor a quase toda a gente.

Eu queria falar tudo o que manda o coração para essa menina. Eu bem queria ser um homem feliz por dizer tudo o que ela inspira em um espaço tão breve, que será visto de passagem, entre um flash e outro da última notícia, entre a passagem de um bloco, de um maracatu, de um clube ou outro nas ruas. Por isso digo apenas, antes que esqueça, que o sorriso da princesinha era triste e feliz em um só movimento. O triste vinha do seu modo de ser, ou da pequena experiência que ela já possuía da crueldade do mundo. E feliz, ainda assim, porque tão poucas vezes ela foi ou será princesa, uma princesinha, ainda que de mentirinha, sorrindo para alguém que a descobriu no meio da multidão. E feliz também ela era porque crianças não gostam de ser tristes, crianças retiram do maior golpe um instante para sorrir. Como agora, nesta imagem do carnaval que passou e permanece.

Então eu a vou chamar de Mariinha, quem sabe, princesinha Maricota, quando mais próprio seria chamá-la de Eutanasinha. Sim, uma pequenina eutanásia, porque no seu sorriso há um quê de matar sem dor a gente, ou de matar suave, que é uma forma de matar no coração que fala baixinho agora, enquanto o som dos clarins não toca mais alto: olha, a humanidade está na infância e ninguém vê. É toda uma gente muito bárbara, princesinha, tão bárbara, que pensou tê-la esquecido no carnaval do ano que passou.

Dizem sempre e repetem até o cansaço que uma imagem vale mil palavras. Bobagem, princesinha. Difícil é encontrar a foto que expresse as mil palavras que o afeto dos mais bárbaros quer dizer. Assim, façamos um acordo de paz provisória entre o que pretendia tudo falar e a tua imagem no mercado: feliz carnaval, Eutanasinha. O cheiro que não te dei vai nesta coluna.

Leia também:

O rock brasileiro is on the table

Brasileiros selvagens, não visitem os EUA!


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Hélio Pereira

Esta linda menina reflete em seu sorriso a esperança e alegria dos inocentes,mostra que gosta de Festa,de carnaval,enfim de tudo que gosta quem é decente,esta menina com seu belo sorriso demonstra que o mais importante é o momento presente.

Jotace

FELIZ CARNAVAL,PRINCESINHA!

Enquanto um casal negro promove uma demanda judicial contra a Disney pela discriminação que exibiu um “Coelho Branco” contra os seus filhos (http://actualidad.rt.com/sociedad/view/86215-disney-racismo-eeuu-ni%C3%B1os), é com satisfação e orgulho de brasileiro que leio esta página humana e revestida de toda a ternura tão bem escrita pelo conterrâneo jornalista Urariano Mota. Jotace

lando carlos

esse texto , e tão humano, verdadeiramente humano!

Isidoro Guedes

O Carnaval (multicultural) pernambucano nasce (da energia e da alegria) do povo. E o futuro desse Carnaval está garantido, no sorriso puro e singelo de crianças como essa da foto… O sorriso da felicidade que nasce da adversidade, mas que pureza de seus sonhos acredita que a felicidade acabara consumindo essa adversidade para se tornar apenas felicidade. Viva nosso Carnaval, viva nosso povo!

Urariano Mota: Feliz carnaval,princesinha | PapoCatarina

[…] Urariano Mota: Feliz carnaval,princesinha 10/02/2013 15:20:33Enviado por PapoCatarina TweetPublicado por: viomundo […]

Urbano

Urariano, para os cretinos nenhum fator se faz necessário para que possam expor a sua bestialidade. De certa feita, eu me encontrava no início de noite num bar, quando entrou uma mocinha de seus quinze, dezesseis anos, que eu a conhecia desde seus nove, dez anos a vender drops e pastilhas nos bares da redondeza, a fim de ajudar a mãe que possuía um tabuleiro de guloseimas nas imediações. A menina chegou e sentou-se em minha mesa (eu estava só na maior parte das vezes). Ofereci um refrigerante que ela aceitou. Creio inclusive que era uma sexta-feira, pois o bar estava meio populoso. Pronto! Eu como estava num local privilegiado, ao olhar para a platéia percebi o burburinho que faziam e, pior, olhando para mim. Imediatamente me dei conta de suas cretinices, pois além de verem em mim um pedófilo, mas burro também, já que eu teria marcado com a vítima exatamente num ambiente aberto e repleto de gente. Reagi os encarando, com um sorriso sarcástico nos lábios. O interessante é que com isso, eles se acalmaram. A menina ao término do refrigerante, foi embora, após as minhas costumeiras recomendações de cuidado e juízo. Continuei na minha cervejinha, sem nem lembrar mais do ocorrido.

    Urbano

    Desculpe-me pela vírgula solteira separando o sujeito e o verbo.

Gerson Carneiro

Caro Urariano Mota, contarei algo que está dentro do cenário daquela história que contei em outro conto seu chamado “Já fui ladrão”.

Aconteceu na mesma época e no mesmo cenário.

Lá na CEAGESP, em São Paulo. Era o ano de 1997. E eu estava lá naquele emprego e em certo dia, por volta das 10h00 uma garota negra, de uns 13 anos, passou com um tabuleiro pendurado no pescoço, vendendo balas e chicletes.

Eu quis comprar balas e chicletes. Queria de alguma forma “ajudá-la”.

Ela passou por mim, e após passar eu disse “ei garota, ei garota!”.

Achei que ela não tivesse ouvido. Corri, ultrapassei e parei na frente dela e perguntei:

– Estou querendo comprar balas e chicletes. Te chamei. Por que você não parou?

– É porque os homens mexem comigo.

Meu chão se abriu. Até hoje lembro da face triste da garota e choro.

Eu queria poder cuidar de todas as crianças do mundo. Crianças não deveriam sofrer jamais.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Sinceramente, cara, é o que sempre mais me sensibiliza,

    e, de certa maneira, me deprime, pela incapacidade humana.

    Mas sabe, hermano: este profundo sentimento de tristeza

    foi convertido pela poesia solidária em arte e beleza…
    .
    .
    Há uma criança na rua!
    (Armando Tejada Gómez*)

    Por Raíces de América (1980)

    A esta hora exatamente
    Há uma criança na rua …

    É honra do homem proteger o que cresce
    Cuidar que não haja infância dispersa nas ruas,
    Evitar que naufrague seu coração de barco
    Sua incrível aventura de pão e chocolate
    Transitar pelos países de bandidos e tesouros
    Colocando uma estrela no lugar da fome.
    De outro modo é inútil
    Ensaiar na terra a alegria e o canto
    De outro modo é absurdo
    Porque de nada vale,
    se há uma criança na rua.

    E a esta hora exatamente
    Há uma criança na rua…

    *Poeta Argentino

    (http://www.raicesdeamerica.com/musicas/poema.mp3)

    http://www.raicesdeamerica.com/portu/cd1.asp
    .
    .
    Íntegra do poema original, em espanhol:

    Hay un niño en la calle

    A esta hora, exactamente,
    hay un niño en la calle.

    Le digo amor, me digo, recuerdo que yo andaba
    con las primeras luces de mi sangre, vendiendo
    un oscura vergüenza, la historia, el tiempo,
    diarios,
    porque es cuando recuerdo también las presidencias,
    urgentes abogados, conservadores, asco,
    cuando subo a la vida juntando la inocencia,
    mi niñez triturada por escasos centavos,
    por la cantidad mínima de pagar la estadía
    como un vagón de carga
    y saber que a esta hora mi madre está esperando,
    quiero decir, la madre del niño innumerable
    que sale y nos pregunta con su rostro de madre:
    qué han hecho de la vida,
    dónde pondré la sangre,
    qué haré con mi semilla si hay un niño en la calle.

    Es honra de los hombres proteger lo que crece,
    cuidar que no haya infancia dispersa por las calles,
    evitar que naufrague su corazón de barco,
    su increíble aventura de pan y chocolate,
    transitar sus países de bandidos y tesoros
    poniéndole una estrella en el sitio del hambre,
    de otro modo es inútil ensayar en la tierra
    la alegría y el canto,
    de otro modo es absurdo
    porque de nada vale si hay un niño en la calle.

    Dónde andarán los niños que venian conmigo
    ganándose la vida por los cuatro costados,
    porque en este camino de lo hostíl ferozmente

    cayó el Toto de frente con su poquita sangre,
    con sus ropas de fé, su dolor a pedazos
    y ahora necesito saber cuáles sonríen
    mi canción necesita saber si se han salvado,
    porque sino es inutil mi juventud de música
    y ha de dolerme mucho la primavera este año.

    Importan dos maneras de concebir el mundo,
    Una, salvarse solo,
    arrojar ciegamente los demás de la balsa
    y la otra,
    un destino de salvarse con todos,
    comprometer la vida hasta el último náufrago,
    no dormir esta noche si hay un niño en la calle.

    Exactamente ahora, si llueve en las ciudades,
    si desciende la niebla como un sapo del aire
    y el viento no es ninguna canción en las ventanas,
    no debe andar el mundo con el amor descalzo
    enarbolando un diario como un ala en la mano,
    trepándose a los trenes, canjeándonos la risa,
    golpeándonos el pecho con un ala cansada,
    no debe andar la vida, recién nacida, a precio,
    la niñez, arriesgada a una estrecha ganancia,
    porque entonces las manos son dos fardos inútiles
    y el corazón, apenas una mala palabra.

    Cuando uno anda en los pueblos del país
    o va en trenes por su geografía de silencio,
    la patria
    sale a mirar al hombre con los niños desnudos
    y a preguntar qué fecha corresponde a su hambre
    que historia les concierne, qué lugar en el mapa,
    porque uno Norte adentro y Sur adentro encuentra
    la espalda escandalosa de las grandes ciudades
    nutriéndose de trigo, vides, cañaverales
    donde el azúcar sube como un junco en el aire,
    uno encuentra la gente, los jornales escasos,
    una sorda tarea de madres con horarios
    y padres silenciosos molidos en la fábricas,
    hay días que uno andando de madrugada encuentra
    la intemperie dormida con un niño en los brazos.

    Y uno recuerda nombres, anécdotas, señores
    que en París han bebido
    por la antigua belleza de Dios, sobre la balsa
    en donde han sorprendido la soledad de frente
    y la índole triste del hombre solitario,
    en tanto, sus señoras, tienen angustia y cambian
    de amantes esta noche, de médico esta tarde,
    porque el tedio que llevan ya no cabe en el mundo
    y ellos son los accionistas de los niños descalzos.

    Ellos han olvidado
    que hay un niño en la calle,
    que hay millones de niños
    que viven en la calle
    y multitud de niños
    que crecen en la calle.

    A esta hora, exactamente,
    hay un niño creciendo.

    Yo lo veo apretando su corazón pequeño,
    mirándonos a todos con sus ojos de fábula,
    viene, sube hacia el hombre acumulando cosas,
    un relámpago trunco le cruza la mirada,
    porque nadie proteje esa vida que crece
    y el amor se ha perdido
    como un niño en la calle…

    http://www.tejadagomez.com.ar/poemas/25.html
    .
    .
    Traduções e versões para o português:

    http://letras.mus.br/mercedes-sosa/1296977/traducao.html

    http://factivel.wordpress.com/poesia/armando-tejada-gomez-ha-uma-crianca-na-rua/

    http://artorius.bloguepessoal.com/196232/Ha-uma-Crianca-na-Rua-do-poeta-Argentino-Armando-Tejada/

Sérgio

Pois é o carnaval é fantasia, quanto mais quando se ver um belo sorriso estampado no rosto desses pedacinhos de gente, por uns instantes nos faz esquecer o quanto somos brutos!!!

Mário SF Alves

Aquele momento foi de puro contentamento e aquela menina – que bem poderia ser descendente de reis (não na acepção burguesa do termo) – era a pura expressão de pura arte. E foi isso o que a lente perplexa e atordoada do artista registrou.

–—————————————-
Lente engajada, arte engajada, ali, quem delas alguma vez precisou?

—————————————————-

    Mário SF Alves

    Aliás, e por falar nisso, por que nunca imaginamos a política como arte? Por que nunca imaginamos uma política originalmente nossa a entender e respeitar o Brasil como um imenso ateliê? Uma Política destinada a estimular mais e mais a estética e a beleza inerente a esse caldeirão de etnias, ainda chamado Brasil. De uma coisa tenho certeza, seria a superação definitiva do pieguismo, da caretice e da mesmice contida no discurso e prática dessa sociedade que só se entende como sociedade esfacelada em classes.

renato

Uraniano MOtta, é linda agora a “nossa” princesinha.
E você despertou um pensamento em mim.
Realmente, quantas vezes ( principalmente quando a
gente quer um neto, os nossos já estão grandes),vemos
aqui ou ali, bebes, crianças e gostaria de pega-las no
colo, chama-las de lindas mas não dá mais…”assim podia
pensar a maldade do vulgo em forma de julgamento”.
Isto é triste.
Então, MUITO OBRIGADO pela foto da Princesinha.

Deixe seu comentário

Leia também