Time: A semana em que o Brasil saiu dos trilhos

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A semana em que o Brasil saiu dos trilhos

Por Ian Bremmer, na Time

No meio de uma pandemia global, é difícil determinar qual país está se saindo absolutamente pior. Mas qualquer lista curta neste momento deve incluir o Brasil.

Na segunda-feira, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tomou a decisão de derrubar parte de seu ministério, substituindo seis ministros.

Algumas das saídas não foram surpreendentes, como a do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um aliado próximo de Bolsonaro, cuja abordagem combativa em assuntos internacionais dificultou a luta do Brasil para obter vacinas no exterior.

Mas outras demissões pegaram muitos desprevenidos, principalmente a do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.

Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que fala com carinho sobre a ditadura militar do país (bem como sobre líderes autoritários em geral), recrutou muitos generais ativos e aposentados para trabalhar em seu governo. Azevedo foi um deles.

Mas desde que Bolsonaro assumiu o cargo em 2019, a preocupação tem crescido entre os chefes militares de que as ações de Bolsonaro podem corroer a separação entre eles e a política além dos limites aceitáveis, um sentimento compartilhado pelo deposto Azevedo.

Na terça-feira, os chefes da Marinha, Exército e Força Aérea foram demitidos pelo presidente depois de ameaçarem renunciar em protesto contra a pressão de Bolsonaro para que as Forças Armadas defendessem politicamente sua administração.

Para os detratores militares de Bolsonaro, o conforto crescente de Bolsonaro com os militares não é apenas uma ameaça à capacidade do país de funcionar como uma democracia adequada, mas à própria posição das Forças Armadas.

A preocupação é que ele acabe com a reputação dos militares, uma reputação que eles passaram décadas reconstruindo desde o fim da ditadura militar em 1985.

O cenário de juízo final? Bolsonaro perde a próxima eleição presidencial em 2022 ou enfrenta o impeachment nesse ínterim, o condena como ilegítimo e tenta forçar os militares a apoiá-lo em suas reivindicações.

A boa notícia desta semana é que os principais líderes militares enviaram a Bolsonaro uma mensagem forte: eles escolherão a democracia em vez de defender seu governo a qualquer custo.

Infelizmente para o Brasil, há muito mais.

Em meio à pior crise financeira do Brasil em décadas, Bolsonaro também faz manobras econômicas.

A última gira em torno do orçamento de 2021, que o Congresso conseguiu aprovar na semana passada.

Para permanecer abaixo do limite de gastos, os legisladores reservaram bilhões a mais para gastos discricionários, esvaziando artificialmente despesas “obrigatórias” — como Previdência Social e ações de combate ao desemprego — para que pudessem direcionar mais fundos para seus projetos preferidos.

Há meses Bolsonaro acolhe propostas pouco ortodoxas para financiar diversos tipos de projetos de infraestrutura de seus assessores, assim como do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Esta foi sua última tentativa de fazer isso, e provavelmente veio com a bênção não oficial de Bolsonaro.

Menos entretidos com essas propostas estão os membros tecnocráticos da equipe econômica do Bolsonaro, liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Embora a legislação aprovada cumpra formalmente o limite de gastos, a realidade é que o crescimento das despesas obrigatórias em meio a uma pandemia fará com que os gastos totais disparem além dos limites estabelecidos pela Constituição.

E, de acordo com a legislação brasileira, esses consultores econômicos seriam legalmente responsáveis ​​se isso acontecesse e eles assinassem embaixo.

Isso levou a rumores de que membros de sua equipe econômica estavam se preparando para usar a ameaça de um fechamento do governo, e até mesmo renúncia, para garantir que Bolsonaro não daria luz verde às medidas sem mudanças significativas.

Uma paralisação do governo ou a aprovação de um orçamento falso é improvável neste momento — deixando de lado o drama político recente, Bolsonaro é politicamente responsável caso esta legislação seja aprovada como está.

Sua antecessora, Dilma Rousseff, foi cassada por não cumprir as leis de responsabilidade fiscal, e Bolsonaro se abre para o mesmo destino ao aprovar a legislação.

É improvável que Bolsonaro ou sua equipe interna tenham entendido isso antes que a equipe econômica começasse a reagir, e um projeto de lei suplementar provavelmente virá para desfazer o pior dos danos.

Mas a decisão de Bolsonaro de segunda-feira de nomear uma legisladora centrista com laços estreitos com o presidente da Câmara como ministra da Secretaria de Governo (a pessoa que gerencia as relações do governo federal com os legisladores) mostra que ele reconhece sua necessidade de mais aliados no Congresso para evitar o pior.

E o pior está chegando.

A taxa de mortalidade diária da Covid-19 no Brasil é agora a maior do mundo, com mais de 3.100 (com base em uma média de sete dias) e o país acaba de ultrapassar 325.000 vítimas da Covid no total.

De acordo com a Reuters, a capacidade das UTIs atingiu 90% ou mais em 15 estados do Brasil (de um total de 26).

Tudo isso seria trágico o suficiente, mas a tragédia é agravada pelo negacionismo consistente de Bolsonaro e declarações anteriores de que o povo brasileiro deveria “parar de choramingar”.

Em vez de lutar para proteger a saúde da população brasileira, Bolsonaro demonstrou mais interesse em lutar contra os governadores que anunciaram novas medidas de bloqueio, à medida em que seus sistemas de saúde pública entravam em colapso.

Só recentemente Bolsonaro adotou um programa de vacinação em massa.

Tudo isso significa que a sorte do Bolsonaro está à mercê da trajetória da Covid-19.

A situação tanto para o Brasil quanto para Bolsonaro vai piorar nas próximas semanas, mas se a febre passar e a situação de saúde começar a melhorar, as chances de Bolsonaro de reeleição melhoram dramaticamente, o que significa menos febre política como a que vimos nos últimos dias.

Mas se a situação não melhorar significativamente no início do verão [setembro no Hemisfério Norte], o Brasil se encontrará em uma crise de saúde e uma crise política, já que Bolsonaro toma medidas cada vez mais desesperadas para apoiar sua candidatura à reeleição e evitar uma possível moção de impeachment.

2021 parece ser pior do que 2020 para o Brasil. Isso é realmente incrível.

*Bremmer é colunista de relações exteriores e editor geral da TIME. Ele é o presidente do Eurasia Group, uma consultoria de risco político, e da GZERO Media, uma empresa dedicada a fornecer cobertura inteligente e envolvente de assuntos internacionais. Ele leciona geopolítica aplicada na Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade de Columbia e seu livro mais recente é Us vs. Them: The Failure of Globalism.


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