Racismo estrutural e genocídio “invisível”: Peritos da ONU ouvem denúncias de deputados e entidades

Tempo de leitura: 4 min
No topo, da esquerda para a direita: deputado Helder Salomão (presidente da CDHM), Ieda Souza (Movimento Negro Unificado), Silvia Souza e Sheila Carvalho (Coalizão Negra por Direitos), deputados Bira do Pindaré (PSB/MA) e Erika Kokay (PT/DF) Embaixo, GT da ONU: Ahmed Reid (presidente), Dominique Day (vice) e os peritos Ricardo Sunga III, Michal Balcerzak e Sabelo Gumedze. Fotos: Fernando Bola e CNUDH

Peritos da ONU ouvem denúncias sobre racismo estrutural no Brasil em reunião com sociedade civil e parlamentares; grupo relatou situação da Fundação Cultural Palmares e dados de violência do Estado

Dominique Day (EUA), vice-presidente do Grupo, Ahmed Reid, presidente (Jamaica); Michal Balcerzak (Polônia); Sabelo Gumedze (África do Sul) e Ricardo A. Sunga III (Filipinas), ouviram as demandas dos parlamentares e das entidades presentes.

por Pedro Calvi, Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM)

O encontro desta terça-feira (30) foi agendado pelas Nações Unidas após 123 instituições da sociedade civil, a presidência da CDHM e mais 18 deputados terem denunciado à ONU, no dia 16 de junho, violações de direitos humanos contra a população negra e o racismo estrutural no país.

O ofício do dia 16/6 também questionou a nomeação, discursos e a atuação de Sérgio Camargo à frente da Fundação Cultural Palmares.

Hoje, essas e outras questões foram apresentadas, através de videoconferência, ao Grupo de Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Origem Africana do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Dominique Day (EUA), vice-presidente do Grupo, Ahmed Reid, presidente (Jamaica); Michal Balcerzak (Polônia); Sabelo Gumedze (África do Sul) e Ricardo A. Sunga III (Filipinas), ouviram as demandas dos parlamentares e das entidades presentes.

O Grupo de Trabalho foi criado após a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Relacionada, realizada em Durban em 2001.

Entre as atribuições, os peritos estudam problemas de discriminação racial enfrentados pelos afrodescendentes vivendo na diáspora e propõem medidas e recomendações.

“Vivemos hoje a situação dramática do crescimento da lógica racista e fascista no Brasil, uma lógica discriminatória de quase 400 anos e que hoje está presente na presidência da República e na Fundação Palmares, presidida pelo racista Sérgio Camargo. A pseudo-abolição da escravatura aconteceu em 1888 e hoje ainda temos pedaços dessa escravidão. A diferença nos salários chega a 30% menos para os negros; e 75% dos jovens assassinados são negros”, afirmou Érika Kokay (PT/DF), que também é presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos e da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Kokay lembrou as expressões usadas por Camargo, como a que sente “vergonha e asco da negrada militante”, que o movimento negro é uma “escória maldita”, além de afirmar que não há “racismo real” no Brasil e que a escravidão foi “benéfica”.

Para a deputada, a “Fundação Cultural Palmares hoje está ocupada por uma pessoa que quer destruir tudo que foi construído até hoje desde a redemocratização do Brasil”.

Sílvia Souza, da Coalizão Negra por Direitos, que representa 117 organizações, considera “racistas e criminosas as falas e a atuação do presidente da Palmares, uma afronta não só à legislação brasileira, mas também às normas internacionais de combate ao racismo. O discurso dele é de ódio e propaga ainda mais o racismo estruturante da sociedade brasileira. As políticas adotadas por ele espelham a política racista e fascista do presidente da República, Jair Bolsonaro. A intervenção do Grupo de Trabalho da ONU é necessária”.

Racismo, democracia e “genocídio invisível”

Para Iêda Leal de Souza, do Movimento Negro Unificado e membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Fundação Palmares sempre foi um “berço para cuidar da memória dos negros e hoje é dirigida por alguém que é contrário a tudo que foi pensado. É o descaso, a zombaria, o desrespeito com a nossa história, desqualificando toda uma história de luta construída pelo povo negro. Somos a favor de ações afirmativas como as cotas e reparações definitivas pelos anos de sofrimento, mas o governo quer perpetuar o racismo na nossa sociedade. E com racismo não há democracia. Queremos a colaboração de vocês para retornar à nossa democracia”.

“As ações do atual presidente da Fundação Palmares sustentam o processo atual de genocídio da população negra brasileira, com a perseguição de ativistas e o desmonte das políticas de promoção da igualdade racial”, denuncia Sheila Carvalho, também da Coalizão Negra por Direitos.

Ela ressaltou que, nesse período de pandemia, aumentou em 26% o número de assassinatos de negros por violência policial. Ela também alerta sobre a situação no sistema carcerário provocada pelo Covid-19. “Podemos viver um genocídio invisível pela falta de cuidados já que a maioria dos presos é de negros, pardos e jovens”.

Helder Salomão (PT/ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), explicou que “o Brasil tem a vergonhosa marca de ser o país que mais recebeu escravizados na era moderna, foram quase 5 milhões em 338 anos de escravidão, e isso resultou em diversos tipos de violência e em uma profunda desigualdade social”.

O deputado disse ainda que “hoje vemos um aumento da violência contra a população negra, com a manifestação de posturas racistas por autoridades e até o crescimento de manifestações neonazistas no Brasil”.

Além disso, informou que “a cada 3 mortes por Covid-19, duas são pessoas negras, já que muitos moram em casas pequenas com vários moradores e são obrigados a usar transporte público em pleno pico da pandemia por causa da flexibilização imposta pelo governo, que faz aumentar os casos principalmente entre pobres e negros”.

“Sete arrobas”

Bira do Pindaré (PSB/MA), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, criticou o atual método de titulação das terras quilombolas pela Fundação Palmares.

“A titulação dos remanescentes de quilombos é um dever previsto na Constituição e começou em 2004. Temos 6 mil comunidades remanescentes de quilombos, mas faltam mais de 3 mil a serem reconhecidas, está tudo parado. Tudo sugere que o atual presidente tem como objetivo reduzir as certificações”.

Pindaré informou ao Grupo de Trabalho da ONU a manifestação do presidente da República sobre quilombolas. Jair Bolsonaro disse que “quilombola pesa sete arrobas”, a mesma medida que se usava para pesar pessoas escravizadas, além de que “não servem para nada, nem para procriar”.

Para o parlamentar, “estamos diante daquilo que é mais representativo do racismo estrutural em nosso país e no mundo inteiro”.

Encaminhamentos

O grupo da sociedade civil e dos parlamentares reiterou o convite de que o Grupo de Trabalho realize missão oficial ao Brasil. O grupo irá também enviar informações adicionais sobre o racismo estrutural.


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Zé Maria

Os Anhangueras continuam soltos
pelos Planaltos e pelas Planícies,
pelas Florestas e pelos Garimpos.

    Zé Maria

    https://pbs.twimg.com/media/EbWeoxYXkAAv4hU?format=jpg

    https://bit.ly/2NqdxQJ

    Deputada Estadual Erica Malunguinho (PSoL=SP)
    protocolou Projeto de Lei na ALESP para remover
    Estátuas de Escravocratas em São Paulo

    “Os prédios, locais públicos, rodovias estaduais
    cujos nomes sejam homenagens a escravocratas
    ou eventos históricos ligados ao exercício da
    prática escravista deverão ser renomeados no
    prazo máximo de 12 meses a contar da data
    de publicação desta lei”, propõe a deputada
    do PSoL=SP no Projeto de Lei (*) à ALESP.

    “Na região central da cidade de São Paulo,
    por exemplo, encontramos, apenas, três
    edificações que fazem referência à presença
    negra:
    a Herma de Luiz Gama, no Largo do Arouche;
    a estátua de Zumbi, na Praça Antonio Prado;
    e a estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu”,
    escreveu Erica, em justificativa.

    “Em relação às representações da história de escravocratas,
    o cenário é diferente. Existem, pelo menos, oito monumentos
    na cidade destinados à homenagear defensores e pessoas
    comprometidas com o sistema escravista”, complementa.

    A proposta foi protocolada em meio à discussão sobre a
    presença de estátuas de bandeirantes, como a de
    Borba Gato, na avenida Santo Amaro, na capital paulista.

    Um projeto de cunho parecido foi proposto
    em novembro de 2019 pela deputada federal
    Talíria Petrone (PSoL=RJ).
    Se aprovado, o PL nº 5.923/2019 (*) torna proibido
    ao poder público fazer homenagens utilizando
    expressões, figuras, desenhos ou qualquer outro
    sinal relacionado à escravidão e/ou à figuras eugenistas.
    Empresas privadas também estarão vetadas de registrar
    marcas com tais expressões.

    *(https://bit.ly/38t1Dix)
    **(https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2229089)

    Reportagem: Paulo Roberto Netto, no Estadão: https://t.co/kRTUCjogwz

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