Pessoas em situação de rua: Alexandre de Moraes proíbe remoção forçada e dá 120 dias para governo apresentar plano

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Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes cita o trabalho do padre Júlio Lancelotti no combate à rejeição e aversão a pessoas pobres. Fotos: Reprodução/Twiiter @pjulio

ALEXANDRE DE MORAES PROÍBE REMOÇÃO FORÇADA DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA 

ConJur

A violação maciça de direitos humanos contra pessoas em situação de rua justifica a intervenção do Judiciário em prol de garantir melhores condições para quem vive em condições degradantes.

Com esse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu nesta terça-feira (25/7) remoções forçadas contra pessoas em situação de rua.

Além disso, determinou que o governo federal elabore em até 120 dias um plano de ação e monitoramento para a implementação de uma política nacional para quem vive nessa situação.

Alexandre analisou pedido feito pelos partidos Rede Sustentabilidade e Psol e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

A solicitação é para que a corte declare estado de coisas inconstitucional “concernente às condições desumanas de vida da população em situação de rua”.

A decisão de Alexandre envolve não só o governo federal, mas também os executivos municipais e dos estados.

Além de proibir remoções, o ministro determinou que entes federais, municipais e estaduais garantam a segurança pessoal e dos bens de pessoas em situação de rua; disponibilizem apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua; e que não recolham bens e pertences.

“A necessidade de construir uma solução consensual e coletiva torna necessário que a União formule o plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com a participação, dentre outros órgãos, do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua”, afirmou o ministro.

Com a decisão, governos devem anunciar com antecedência a organização de ações de “zeladoria urbana”, com a descrição de dia, horário e local, para que pessoas em situação de rua possam recolher seus pertences.

A União e os governos estaduais deverão apresentar diagnóstico pormenorizado sobre vagas em abrigos e número de moradores.

“A violação maciça de direitos humanos, a indicar um potencial estado de coisas inconstitucional, impele o Poder Judiciário a intervir, a mediar e a promover esforços na reimaginação de uma estrutura de enfrentamento para as mazelas que, lastimavelmente, caracterizam uma determinada conjuntura, tal qual aquela que se apresenta”, disse o ministro.

Para evitar mortes por causa do frio, Alexandre determinou que sejam disponibilizados e divulgados alertas meteorológicos por parte das Defesas Civis de todos os estados e entes federativos, para que ondas climáticas sejam previstas com “máxima antecedência”.

As Defesas Civis também deverão disponibilizar barracas “com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa humana” em momentos de baixa temperatura

Na Moóca, Zona Leste da cidade de SP. Crédito das fotos: Reproduções do vídeo

ALEXANDRE DE MORAES DÁ 120 DIAS PARA O GOVERNO APRESENTAR PLANO PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Ministro atendeu pedido feito em ação de partidos e movimento social. Na decisão, Moraes cita o trabalho do padre Júlio Lancelotti no combate à rejeição e aversão a pessoas pobres.

Por Fernanda Vivas e Márcio Falcão, TV Globo — Brasília

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 120 dias para o governo federal apresentar um plano de ação e monitoramento para a implementação da política nacional para a população em situação de rua.

O ministro analisou uma ação dos partidos Rede Sustentabilidade, PSOL e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto que apontaram uma série de omissões do poder público para garantir os direitos da população em situação de rua no Brasi.

A ação alega que há um estado de coisas inconstitucional e condições desumanas dessa parcela da população.

O estado de coisas inconstitucional surgiu a partir de decisões da Corte Constitucional Colombiana e foi reconhecido, pela primeira vez no STF, quando a Corte analisou a situação do sistema prisional.

Ele é caracterizado por uma violação massiva, sistemática e generalizada de direitos fundamentais, com potencial para atingir um grande número de pessoas.

Na decisão, Moraes citou o trabalho do Padre Júlio Lancellotti no combate à aporofobia, ou seja, a rejeição e aversão a pessoas pobres.

“É possível vislumbrar que a aporofobia também pode se concretizar em atos estatais diversos das construções hostis, como apreensões de meios de vida e material de trabalho, destruição de pertences e abordagens agressivas, atos estes muitas vezes praticados por agentes do Estado. Assim, o contato dessas pessoas com o Estado assume uma característica higienizadora e de criminalização”, afirmou o ministro na decisão.

Padre Júlio Lancellotti no Núcleo de convivência São Martinho, abrigo conveniado com a Prefeitura de São Paulo e administrado pelo Centro Social da Nossa Senhora do Bom Parto. — Foto: Reprodução/TV Globo

Diagnóstico atualizado

O ministro também ressaltou a necessidade de que a solução para este segmento da população seja feita de forma consensual e coletiva pelo Poder Público.

“A necessidade de construir uma solução consensual e coletiva torna necessário que a União formule o plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com a participação, dentre outros órgãos, do Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua”, afirmou.

O plano deve apresentar, por exemplo, um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação do perfil e necessidades para auxiliar a formulação de política públicas, formulação de de políticas para fomentar a saída da rua através de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho.

O documento deve incluir ainda o estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no país, além do impacto no tamanho da população em situação de rua.

Os municípios terão 120 dias para a realização de diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação

Em relação aos municípios e Estados, o ministro determinou ainda que, dentro de suas competências, devem efetivar medidas que:

* garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;
* disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua; e

*proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua.

Abaixo a íntegra da decisão de Alexandre de Moraes

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Zé Maria

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“São Paulo-Capital registrou Recorde no Número
de Pessoas em Situação de Rua ao longo de 2022”

“Maior cidade da América Latina concentra 25%
da população em situação de rua de todo o país;

Todo o Estado de São Paulo registra 80.576 Sem-Teto,
o que responde a 42% da População de Rua do Brasil.

É o que revela levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas
com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas
Gerais (Polos-UFMG), com base em dados do Cadastro Único (CadUnico).

De acordo com a pesquisa, 48.261 pessoas viviam nas ruas da capital paulista no ano passado, o maior número já registrado desde o início
da série histórica, em 2012.

O dado indica que a maior cidade da América Latina concentra 25%
da população em situação de rua de todo o país.

No Brasil, são quase 192 mil pessoas registradas no CadÚnico.

Todo o estado de São Paulo, contudo, registra 80.576 sem-teto,
o que responde a 42% da população de rua nacionalmente.

Segundo o estudo, de cada 10 pessoas em situação de rua,
4 (quatro) estão no estado de São Paulo.

https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/com-25-das-pessoas-em-situacao-de-rua-no-brasil-cidade-de-sao-paulo-bate-recorde-com-48-mil-sem-teto/
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“É possível vislumbrar que a aporofobia (rejeição e aversão a pessoas pobres) também pode se concretizar em atos estatais diversos das construções hostis, como apreensões de meios de vida e material de trabalho, destruição de pertences e abordagens agressivas, atos estes muitas vezes praticados por agentes do Estado.
Assim, o contato dessas pessoas com o Estado assume uma característica higienizadora e de criminalização”.
[…]
“A dignidade das pessoas em situação de rua é direito humano inviolável,
logo, é inaceitável a dependência de sua realização à benevolência
de particulares, em razão da omissão do Estado.

Diante desse cenário, mostra-se imperativo que a União, em parceria
com os demais entes federativos, disponibilizem bebedouros, banheiros
públicos, e lavanderias sociais de fácil acesso à população em situação
de rua.
[…]
Para além das dificuldades comuns aos diferentes perfis da população
de rua, ressalta-se a necessária atenção àqueles que apresentam
acúmulo de vulnerabilidades, ou “hiperhipossuficiência”, como mulheres,
população LGBTQIAP+, negros, crianças.

Esses diferentes grupos apresentam necessidades e demandas particulares,
como o referido impedimento ao acesso a centros de acolhida a pessoas LGBTQ+, ou ainda o fato de 12,7% das pessoas do sexo feminino estar em
condição de pobreza menstrual, pois não fazem uso regular de absorventes
ou coletores – recorrendo ao uso panos, papéis ou não utilizam nenhum tipo
de material absorvente.”

MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES do Supremo Tribunal Federal
Em Decisão Liminar na ADPF 976 ajuizada pelo MTST e PSOL/REDE
.
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STF

Concessão de Liminar na ADPF 976

DISPOSITIVO DA DECISÃO JUDICIAL:

“Diante do exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999
e no art. 21, V, do RISTF, CONCEDO PARCIALMENTE A CAUTELAR,
ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, TORNANDO
OBRIGATÓRIA a observância pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, imediata e independentemente de adesão formal, das diretrizes contidas
no Decreto Federal nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional para
a População em Situação de Rua e DETERMINO, respeitadas as
especificidades dos diferentes grupos familiares e evitando a separação
de núcleos familiares:

I) A formulação pela PODER EXECUTIVO FEDERAL, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, do PLANO DE AÇÃO E MONITORAMENTO PARA A EFETIVA
IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA, com a participação, dentre outros órgãos, do Comitê
intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional
para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional
de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do
Movimento Nacional da População em Situação de Rua.

O plano deverá, no mínimo, conter os seguintes tópicos:

I.1) Elaboração de um diagnóstico atual da população em situação de rua,
com identificação do perfil, da procedência e de suas principais
necessidades, entre outros elementos a amparar a construção de políticas
públicas voltadas ao segmento;

I.2) Criação de instrumentos de diagnóstico permanente da população em situação de rua;

I.3) Desenvolvimento de mecanismos para mapear a população em situação de rua no censo realizado pelo IBGE;

I.4) Estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no país, e seu impacto no tamanho da população em situação de rua;

I.5) Elaboração de diretrizes para a intervenção do Poder Público, pautadas no tratamento humanizado e não violento da população em situação de rua, englobando,entre outros, a formação e o treinamento de agentes
públicos, bem como as formas de abordagens específicas aos “hiperhipossuficientes”;

I.6) Elaboração de programas de capacitação e de sensibilização de agentes públicos das áreas da saúde, assistência social, educação, segurança pública, justiça, entre outras, para atuarem junto à população em situação de rua;

I.7) Incorporação na Política Nacional de Habitação das demandas da população em situação de rua;

I.8) Analise de programas de transferência de renda e sua capilaridade em relação à população em situação de rua;

I.9) Previsão de um canal direto de denúncias contra violência;

I.10) Elaboração de medidas para garantir padrões mínimos de qualidade nos centros de acolhimento, resguardando a higiene e a segurança dos locais;

I.11) Desenvolvimento de programas de prevenção de suicídio junto à população em situação de rua;

I.12) Elaboração de programas educacionais e de conscientização pública sobre a aporofobia e sobre a população em situação de rua;

I.13) Formulação de políticas para fomentar a saída da rua através de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho;

I.14) Elaboração de medidas para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à moradia, trabalho, renda, educação e cultura de pessoas em situação de rua;

I.15) Indicação de possíveis incentivos fiscais para a contratação de trabalhadores em situação de rua.

(II)Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL, bem como onde
houver atuação, aos PODERES EXECUTIVOS FEDERAL E ESTADUAIS que,
no âmbito de suas zeladorias urbanas e nos abrigos de suas respectivas
responsabilidades:

II.1) Efetivem medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes;

II. 2) Disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua;

II.3) Proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua;

II.4) Vedem o emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua, bem como efetivem o levantamento das barreiras e equipamentos que dificultam o acesso a políticas e serviços públicos, assim como mecanismos para superá-las;

II.5) No âmbito das zeladorias urbanas:

II.5.1) Divulguem previamente o dia, o horário e o local das ações de zeladoria urbana nos seus respectivos sites, nos abrigos, e outros meios em atendimento ao princípio da transparência dos atos da administração pública permitindo assim que a pessoa em situação de rua recolha seus pertences e que haja a limpeza do espaço sem conflitos;

II.5.2) Prestem informações claras sobre a destinação de bens porventura apreendidos, o local de armazenamento dos itens e o procedimento de recuperação do bem;

II.5.3) Promovam a capacitação dos agentes com vistas ao tratamento digno da população em situação de rua, informando-os sobre as instâncias de responsabilização penal e administrativa;

II.5.4) Garantam a existência de bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences;

II.5.5) Determinem a participação de agentes de serviço social e saúde em ações de grande porte;

II.5.6) Disponibilizem bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para população em situação de rua;

II.5.7) Realizem de inspeção periódica dos centros de acolhimento para garantir, entre outros, sua salubridade e sua segurança;

II.6) Realização periódica de mutirões da cidadania para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes;

II.7) Criação de um programa de enfrentamento e prevenção à violência que atinge a população em situação de rua;

II.8) Formulação de um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde para a população em situação de rua;

II.9) Ampla disponibilização e divulgação de alertas meteorológicos, por parte das Defesas Civis de todos os entes federativos, para que se possam prever as ondas de frio com a máxima antecedência e prevenir os seus impactos na população em situação de rua;

II.10) Disponibilização imediata:

II.10.1) Pela defesa civil, de barracas para pessoas em situação de rua com estrutura mínima compatível com a dignidade da pessoa humana, nos locais nos quais não há número de vagas em número compatível com a necessidade;

II.10.2) A disponibilização de itens de higiene básica à população em situação de rua.

(III) Aos PODERES EXECUTIVOS MUNICIPAIS E DISTRITAL, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a realização de diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação.

Brasília, 25 de julho de 2023.

Ministro Alexandre de Moraes
Relator
Documento assinado digitalmente

Íntegra da Decisão Liminar do Ministro Alexandre de Moraes na ADPF 976:

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF976MC1.pdf
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