Pepe Escobar: O fim do fim da história

Tempo de leitura: 3 min

O fim do fim da história

4/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online

How does it feel to be on your own, like a complete unknown, like a rolling stone, cruzando as areias do deserto, uivando para a lua que o fim do fim da história é hoje?

As categorias ideológicas ocidentais jazem mumificadas na tumba. Nada de dicotomia, necas de “choque de civilizações”, entre a democracia parlamentar ocidental e o Islã.

O esloveno Slavoj Zizek, o Elvis Presley da filosofia, disse à al-Jazeera há algumas semanas que a verdadeira tragédia das nações árabes foi o sumiço de qualquer esquerda forte, secular. Não surpreende. Os ditadores apoiados pelos EUA no MENA (ing. Middle East/Northern Africa) mataram ou exilaram os melhores e os mais brilhantes dos intelectuais progressistas.

Agora se pode pelo menos sonhar que a ideia de combater governos incompetentes/corruptos em nome da justiça social no Médio Oriente/Norte da África [em português, talvez, MONA? (NTs)] venha a contaminar a Europa e os EUA (como, de fato, já contaminou: “do Cairo a Wisconsin”) – e que raia um novo dia para os movimentos dos trabalhadores que padecem sob a ‘austeridade’ e os ‘ajustes estruturais’ inventados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Novos proletários internacionalistas do mundo, classe de 2011, uni-vos.

E como não se maravilhar, agora que o neoliberalismo aplicado ao mundo árabe também fez emergir grupos islâmicos capazes de converter em ação política a profunda e vasta fúria coletiva provocada pela horrenda má distribuição da riqueza comum?

Qual é a sensação de rir, rolar de rir, desses neoliberais ridículos, depois dos anos e anos que consumiram para convencer o mundo de que os árabes poderiam ser livres se quisessem ser livres, mas que eles, de fato, nem sabem que querem ser livres e nunca aprenderiam sozinhos, motivo pelo qual precisariam do Pentágono para despertá-los para a realidade, “com choque e pavor”?

Enquanto isso, sionistas e sionistas-conservadores, aí, hoje, pedindo aos céus que surja no Egito qualquer governo, islâmico que seja, desde que seja pelo menos um pouco moderado, qualquer governo serve, desde que considere a possibilidade de preservar os acordos de 1979 em Camp David e aceite não discutir os anos, as décadas, da tragédia dos palestinos. Talvez consigam.

Como não festejar que as revoluções tunisiana e egípcia sejam revoluções seculares e nacionalistas – com o que, só por isso, já arrancaram a revolução iraniana do trono de única revolução possível, mas segundo a qual o Xá do Irã, apoiado pelos EUA, teria sido derrotado pelo Islã como ideologia?

Trata-se pois de “um, dois, três… Lutamos por o quê(s)?” Lutamos por um, dois, três, mil revoluções, não contra a velha tirania de ter de aceitar um ou outro velho tirano, mas contra toda a tirania de toda a arquitetura da ‘realidade’ inventada pelo Tesouro dos EUA/FMI/Banco Mundial.

Nacionalismo árabe, solidariedade árabe nacionalista, Al-Jazeera árabe nacionalista, a Internet como uma super al-Jazeera – tudo aí, para todos os árabes verem e fazerem, eles mesmos. E o ocidente não tem plano B – nem qualquer sinal de alguma “transição ordeira” à moda Barack Obama/Hillary Clinton, para o Bahrain, o Iêmen, a Líbia.

E, contudo, a revolução ainda nem começou.

A dinastia sunita no Bahrain continuará a representar um drama shakespeareano árabe. Como se lê em telegrama de 2009 publicado por WikiLeaks, o rei Hamad continuará a “transferir gradualmente o poder”, do poderoso primeiro-ministro Khalifa bin Sal Al-Khalifa, para o filho, príncipe coroado Salman. O primeiro-ministro é tio do rei e tio-avô do príncipe coroado. Enquanto isso, o Serviço de Segurança Nacional do Bahrain, comandado por Sheik Khalifa bin Abdullah al-Khalifa, continuará a receber ordens da CIA-EUA.

O Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Gulf Cooperation Council (GCC)], chamado “forte aliança tribal”, usará tanques, jatos, mercenários, o que for preciso, para impedir qualquer mudança no regime do Bahrain-elo-mais-fraco. Afinal de contas, o Conselho de Cooperação do Golfo – Bahrain, Qatar, Kuwait, Omã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos – repousa sobre 45% das reservas mundiais de petróleo, e não se pode deixar escapar a coisa, em nome da “democracia”.

E mesmo quando a al-Qaeda jaz tão moribunda quanto Mubarak, absolutamente sem qualquer influência ideológica ou sociológica no norte da África, estridentes vozes imperiais continuam a alertar contra o perigo de a Líbia degradar-se até o status de Somália gigante. Como se, amanhã, o “Doutor Egípcio”, Ayman al-Zawahiri, subitamente se materializasse no leste libertado da Líbia, e se candidatasse ao emprego de novo emir. Aí, sim, haveria choque de civilizações!


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Comentários

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augustinho

Nao me venha com essa de apoiar resoluçoes da Onu.
Resoluçoes que sejam do conselho permanente de segurança para carimbar intervençoes de terceiros paises, em nome da estabilidade ou da 'democracia'.
Meu pais de 'yes man' não. Porque antes, eu abdico dele.

Se voces se calam ficaremos em alerta. para um nao definitivo.
Esclareçam logo essa porcaria, srs. antonio patriota, baena soares e dilma roussef.

    Mário SF Alves

    Augustinho,
    Esclarecer o quê? A guerra de rapina imposta pelo capitalismo financeiro, corporativista-militarista, de desastres ou seja lá de que adjetivo for? Ou nada disso, e sim a escolha do mal menor, adotando como adequada a submissão daquele povo às veleidades de um ditador, ainda que um ditador com o passado do Kadaf?
    De mais a mais, é hora de o governo encarar um enfrentamento desses?

Frederico Francine

Vocês estão vendo na Tv o noticíario dizendo que o EUA estão mandando aviões para retirar os refugiados da Guerra na Líbia. Por ai vocês podem ver a "cara de pau" deste pessoal. Desde quando os EUA se preocupou com refugiados?
Outro detalhe :parece que os povos Árabes vão chegar a um consenso que será: Será muito melhor se entenderem com o Kadafi do que a intervenção dos EUA e a União Europeia que não lhe favorecerá em nada. Quer dizer nesta altura do campeonato é melhor com Kadaf do que aguentar uma intervenção de Israel e outros na Líbia. Isto em nada melhorará az situação por lá. Quer dizer ruím com Kadafi pior com Israel!

Tina

O BRASIL MOSTRA A SUA CARA ->Brasil apoyará "todas las iniciativas" de la ONU frente a Libia
El portavoz de la presidencia de Brasil se abstuvo de comentar la propuesta del presidente, Hugo Chávez, de formar un grupo de países para mediar el conflicto desatado en Libia por las protestas que abogan por la salida del líder Muamar Gadafi. EL UNIVERSAL – 3 de marzo de 2011
Brasil "apoyará todas las iniciativas adoptadas por las Naciones Unidas" frente a la crisis en Libia, anunció hoy la Presidencia. Al ser indagado sobre si esta posición incluiría el respaldo a acciones armadas, el portavoz de la Presidencia, Rodrigo Baena Soares, confirmó: "Sí, todas las iniciativas adoptadas por las Naciones Unidas". Por otra parte, el portavoz se abstuvo de comentar la propuesta del presidente de Venezuela, Hugo Chávez, de formar un grupo de países para mediar el conflicto desatado en Libia por las protestas que abogan por la salida del líder Muamar Gadafi.
Ante una pregunta sobre el tema, Baena Soares se limitó a informar que el mandatario venezolano no contactó hasta ahora a la presidenta brasileña Dilma Rousseff para hablar sobre el tema.

Viomundo traduziu O Fim do Fim da História, de Pepe Escobar « teobroma

[…] Versão em português de Viomundo. Pepe Escobar: O fim do fim da história. […]

Andre

ahaahah

Quanta ilusão, quanto ódio e ressentimento ao ocidente…

Gerson Cordeiro

Essa semana tivemos duas notícias boas no avanço da democracia no Norte da África: tanto na Tunísia, quanto no Egito, os primeiros ministros que eram ainda ligados ao antigo regime renunciaram, e foram apontados novos primeiros ministros que tem a confiança dos manifestantes, em ambos os países.

Hoje, na Praça Tahrir, o novo primeiro ministro do Egito, que é um sujeito que participou das manifestações contra Mubarak, foi carregado nos braços pela multidão, e falou do palanque, dizendo que fará tudo que puder para atender as demandas do povo.

ebrantino

Fabian- Isto que que voce disse é a soma de preconceito, ignorancia, ou puerilidade travestida de ultra esquerda, ou qualquer coisa semelhante. – Procure explicar o seu pensamento. Mas lembre-se, toda a reação ao neo-liberalismo começou aquí, nestas plagas, no nosso Brasil em 2002, e na Argentina com o Kirchner. Este teve a coragem de impor à Banca Internacional uma moratória e recomposição da dívida em dolares, exigindo abatimento de 75%, isto é, pagando apenas 25% do valor nominal. E a Banca aceitou. E a Argentina, daí em diante sacudiu o jugo e reforçou laços do Mercosul, e vai muito bem, obrigado. O Brasil fez o desaforo de passar de devedor a credor, em dolares, e de crescer a taxas ineditas, e de ostentar politica externa independente, e, mais importante, tirar da miséria a maior parte da sua população, com politicas economicas contrárias ao pensamento único. Então, a América do Sul não precisa de revolução, salvo, talvez, na Colombia, no Perú, no México. Aquí, o importante é manter o processo, que está dando certo. Corrigir rumo, sim, mudar de rumo, não. Ebrantino

    Morvan

    Bom dia.
    Compartilho com você a opinião de que a opinião de Fabian (abaixo, primeiro Post) é eivada de preconceitos (acredito que não intencionalmente). Mas discordo quando você fala que "a América do Sul não precisa de revolução…", situando locais, onde, eventualmente, seria necessário o processo revolucionário. A exploração não seleciona locais para explorar, por isso que não podemos escolher onde vai ou não necessitar de revolução. É muito mais um conjunto de correlação de forças mais conjunturas interna e externa a determinar ou não uma revolução. Ainda sobre o Post do nosso colega Fabian, o próprio Marx se equivocou ao pensar que a primeira grande revolução se daria na Inglaterra, onde o movimento social dava sinais aparentes disto. Mas não; quem "virou a mesa" foram os "atrasados" russos…

    Morvan, Usuário Linux #433640

    FrancoAtirador

    Endosso integralmente o comentário do Ebrantino e as intervenções do Morvan e do Wilson Costa.

    Realmente quem precisa de revolução, na América do Sul, são a Colômbia, o Peru e, quiçá, o Chile.

    Wilson Costa

    Na realidade, o primeiro país onde ocorreu uma rebelião popular que derrubou um governante neoliberal foi o Equador, no comecinho do ano 2000, alguns dias após a virada do milênio. Obviamente o PIG disse que se tratava de um "golpe militar".

Morvan

Boa noite.
Ao ler este texto, não pude deixar de me lembrar da figura do pseudo-pensador e pseudo-hegeliano: Fukuyama.
Pagaria uma boa truta para dizer, de chiste, na cara do otáriozão do PSDB internacional: 'Conta-me mais sobre o "fim da História", conta''.
Basbaque!
Os Estados Unidos pensaram que a vocação para gado seria irreversível. A "democracia" daqueles pulhas só serve a eles e a seus asseclas. As nações começam e recolher o véu da democracia ouro de tolo.

Morvan, Usuário Linux #433640

Fabian

Do jeito que vai, daqui há algumas décadas, depois de dar a volta ao mundo essas revoluções podem ser que cheguem por aqui na América do Sul.

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