Pedro Carvalhaes: Bolsonaro e o tarifaço trumpista — crime de lesa-burguesia
Tempo de leitura: 3 min
Por Pedro Carvalhaes, especial para o Viomundo
Há classes de crimes que, de tão graves e danosas para a coletividade, são punidas com especial rigor, em certos códigos penais.
Crimes de lesa-majestade, crimes de lesa-humanidade e crimes de lesa-pátria são exemplos delas.
Não faltam crimes cabíveis de serem imputados a Jair Messias Bolsonaro. Crimes graves, pelos quais ele está sendo julgado, e certamente será sentenciado.
Mas o crime de uma classe penal talvez jamais codificada foi recentemente cometido por ele, através do tarifaço trumpista contra o Brasil: o crime de lesa-burguesia.
Tal crime, na prática, é talvez o mais grave já cometido pelo “Capetão” — e olhem que ele, dizem alguns, passou em revista pelo Código Penal brasileiro.
(E, também, representou a última pá de cal sobre a triste figura desse triste indivíduo, atualmente desprezado não só por democratas, como por um número crescente de ex-bolsonaristas libertos do canto da sereia do neofascismo tupiniquim.)
A gravidade desse delito se dá justamente pela ousadia do criminoso que, como uma criatura revoltada com o criador, voltou-se contra a força que permitiu sua ascensão: a burguesia brasileira.
Não é novidade que o chorume reacionário da ideologia bolsonarista teve o mesmo intuito de semelhantes discursos fascistas, ao longo da história: sequestrar pela emoção a cognição da sociedade, levando-a a eleger um governo que, na prática, viabiliza-se pelas mãos das classes dominantes, e em prol somente delas.
Assim como a eleição de Bolsonaro deveu-se aos desígnios da burguesia nacional, sua punição, em função da da insurreição frustrada de 2023, servirá a esses mesmos desígnios.
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Afinal, embora tenha sido útil para o andar de cima, Bolsonaro, nos seus arroubos autoritários e iliberais, passou a flertar como uma independência que não cabia no jogo de cartas marcadas da democracia liberal — um jogo em que, não importa o vencedor das eleições, as batatas cabem à burguesia.
Um Bolsonaro “fora das quatro linhas” seria um risco grande demais para essa elite econômica que, de falcatrua em falcatrua, fez subir a rampa do Planalto o mais desqualificado dos políticos brasileiros.
Ao fazer o Império intervir diretamente nas capitanias hereditárias do Brasil, através do tarifaço trumpista, Bolsonaro lesou duplamente seus patronos nacionais.
Primeiramente, causando-lhes óbvio prejuízo econômico.
E, mais ainda, prejuízo moral.
Afinal, ao fazer a Casa Branca afrontar nossas instituições e a elite à qual servem, Bolsonaro humilhou nossa casa grande, demonstrando que ela não é tão organicamente norte-americana quanto se sente.
Usar Bolsonaro e jogá-lo fora, depois de ele perder a serventia, fazia parte do script dos nossos donos do poder.
Não seria interessante para eles matarem a galinha dos ovos de ouro — o Brasil, enquanto país. Bolsonaro, ainda presidente ou presidenciável, tornaria a nação perigosamente combalida, seja institucional, seja economicamente.
A elite nunca viu problema em parasitar o Brasil, mas se esse hospedeiro fosse destruído, não teria mais o que parasitar, obviamente.
Ao dobrar a aposta, tentando acossar via Trump essa elite e o sistema político que a sustenta, Bolsonaro cometeu um sacrilégio quase tão (ou talvez mais) imperdoável que a tentativa de golpe frustrada.
Quebrou uma cadeia hierárquica tácita, com uma insolência que o andar de cima não admite — e que nem Lula, no seu pragmatismo conciliador de classes, já ousara fazer.
Não que nossa elite faça objeções ao imperialismo e seus desmandos, como demonstra o golpe de 64.
O problema, no caso do tarifaço trumpista, foi que a intervenção não se deu através dela, e em prol dela, mas pelas mãos de um seu preposto, e para benefício próprio dele e de seu grupo.
Trancafiado numa cela, por muito tempo e com Justiça, o “Capetão” já seria.
Agora, periga ter sua imagem desmembrada, e o terreno sobre o qual semeou-a salgado, como um “Tiradentes torto”—- naturalmente, Bolsonaro está mais para Joaquim Silvério dos Reis, o traidor a quem se juntará, na latrina da história brasileira.
A não ser para seus seguidores mais fiéis, pelo menos enquanto persistir sua máquina de desinformação, Bolsonaro permanecerá relevante.
Mas é provável que até por esses seja esquecido, tão logo os afetos que os levaram a apoiá-lo sejam encarnados por outro personagem — certamente menos imprevisível e arredio.
Com o banditismo mais rasteiro e mafioso, Bolsonaro et caterva decidiram cair atirando, através da metralhadora tarifária de Donald Trump. Que não tenham, porém, a ingenuidade de esperar algum tipo de perdão ou reabilitação da burguesia brasileira.
No código penal tácito das democracias liberais, não existe anistia para crimes de lesa-burguesia.
*Pedro Carvalhaes, graduado em Direito pela UFMG, é roteirista.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.




Comentários
Delmo Terra
O Brics deveria convidar todos os paises para fazer parte do BRICS e destruir a arrogancia doTrump de vez.
Convidar inclusive paises ricos europeis, canada etc.
Como convidados, ouvintes, e depois futuros membros e participantes do brics.
Destruir o Trump com suas ideias.
Onde o Trump ia arrumar cafe, aco, laranja etc para os americanos. Arrumaria com preço superfaturado.
Zé Maria
.
.
O Poder Judiciário do Brasil
está sempre falando em
“escapar dos extremos”.
O Poder Executivo Brasileiro
toda hora se manifesta
dizendo que é preciso
“escapar dos extremos”.
E o Poder Legislativo Federal
é Regido pela Extrema-Direita.
.
.
Zé Maria
.
Carta Aberta do Presidente da Suprema Corte Brasileira
“Em 9 de julho último, foram anunciadas [por
Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos
da América (EUA),] sanções que seriam aplicadas
ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial [os EUA],
fundadas em compreensão imprecisa dos fatos
ocorridos no país nos últimos anos.
Cabia ao Executivo e, particularmente, à Diplomacia
– não ao Judiciário – conduzir as respostas políticas
imediatas, ainda no calor dos acontecimentos.
Passada a reação inicial, considero de meu dever,
como chefe do Poder Judiciário, proceder à reconstituição
serena dos fatos relevantes da história recente
do Brasil e, sobretudo, da atuação do Supremo
Tribunal Federal [STF].
As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas
e democráticas fazem parte da vida e é bom que seja
assim. Mas não dão a ninguém o direito de torcer a verdade
ou negar fatos concretos que todos viram e viveram.
A democracia tem lugar para conservadores, liberais
e progressistas.
A oposição e a alternância no poder são da essência
do regime.
Porém, a vida ética deve ser vivida com valores, boa-fé
e a busca sincera pela verdade.
Para que cada um forme a sua própria opinião sobre o que é certo, justo e legítimo, segue uma descrição
factual e objetiva da realidade.
Começando em 1985, temos [no Brasil] 40 anos de
estabilidade institucional, com sucessivas eleições
livres e limpas e plenitude das liberdades individuais.
Só o que constitui crime tem sido reprimido.
Não se deve desconsiderar a importância dessa conquista, num país que viveu, ao longo da história,
sucessivas quebras da legalidade constitucional,
em épocas diversas.
Essas rupturas ou tentativas de ruptura institucional
incluem, apenas nos últimos 90 anos:
a Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo
de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em 1945,
o contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955,
a destituição de João Goulart em 1964, o Ato Institucional
nº 5 [AI 5] em 1968, o impedimento à posse de Pedro
Aleixo e a outorga de uma nova Constituição em 1969,
os anos de chumbo até 1973 e o fechamento do Congresso,
por Geisel, em 1977.
Levamos muito tempo para superar os ciclos do atraso.
A preservação do Estado democrático de direito
tornou-se um dos bens mais preciosos da nossa
geração.
Mas não foram poucas as ameaças.
Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios
que incluíram:
tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília;
tentativa de invasão da sede da Polícia Federal;
tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF);
acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial;
mudança de relatório das Forças Armadas que havia
concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude
nas urnas eletrônicas;
ameaças à vida e à integridade física de Ministros
do STF, inclusive com pedido de impeachment;
acampamentos de milhares de pessoas em portas
de quarteis pedindo a deposição do presidente eleito.
E, de acordo com denúncia do Procurador-Geral da
República, uma tentativa de golpe que incluía plano
para assassinar o Presidente da República, o Vice e
um Ministro do Supremo.
Foi necessário um tribunal independente e atuante
para evitar o colapso das instituições, como ocorreu
em vários países do mundo, do Leste Europeu à América
Latina.
As ações penais em curso, por crimes diversos contra
o Estado democrático de direito, observam estritamente
o devido processo legal, com absoluta transparência
em todas as fases do julgamento.
Sessões públicas, transmitidas pela televisão, acompanhadas
por advogados, pela imprensa e pela sociedade.
O julgamento ainda está em curso.
A denúncia da Procuradoria da República foi aceita,
como de praxe em processos penais em qualquer
instância, com base em indícios sérios de crime.
Advogados experientes e qualificados ofereceram
o contraditório.
Há nos autos confissões, áudios, vídeos, textos e
outros elementos que visam documentar os fatos.
O STF vai julgar com independência e com base nas
evidências.
Se houver provas, os culpados serão responsabilizados.
Se não houver, serão absolvidos.
Assim funciona o Estado democrático de direito.
Para quem não viveu uma ditadura ou não a tem
na memória, vale relembrar: ali, sim, havia falta
de liberdade, tortura, desaparecimentos forçados,
fechamento do Congresso e perseguição a juízes.
No Brasil de hoje, não se persegue ninguém.
Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado
o contraditório.
Como todos os Poderes, numa sociedade aberta
e democrática, o Judiciário está sujeito a divergências
e críticas.
Que se manifestam todo o tempo, sem qualquer grau
de repressão.
Ao lado das outras instituições, como o Congresso
Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal
Federal tem desempenhado com sucesso os três
grandes papeis que lhe cabem: assegurar o governo
da maioria, preservar o Estado democrático de direito
e proteger os direitos fundamentais.
Por fim, cabe registrar que todos os meios de comunicação,
físicos e virtuais, circulam livremente, sem qualquer
forma de censura.
O STF tem protegido firmemente o direito à livre expressão:
entre outras decisões, declarou inconstitucionais
a antiga Lei de Imprensa, editada no regime militar
(ADPF 130), as normas eleitorais que restringiam o humor
e as críticas a agentes políticos durante as eleições
(ADI 4451), bem como as que proibiam a divulgação
de biografias não autorizadas (ADI 4815).
Mais recentemente, assegurou proteção especial
a jornalistas contra tentativas de assédio pela via judicial (ADI 6792).
Chamado a decidir casos concretos envolvendo as
plataformas digitais, o STF produziu solução moderada,
menos rigorosa que a regulação europeia, preservando
a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa,
a liberdade de empresa e os valores constitucionais.
Escapando dos extremos, demos um dos tratamentos
mais avançados do mundo ao tema:
conteúdos veiculando crimes em geral devem ser removidos
por notificação privada;
certos conteúdos envolvendo crimes graves,
como pornografia infantil e terrorismo devem ser evitados
pelos próprios algoritmos; e
tudo o mais dependerá de ordem judicial, inclusive
no caso de crimes contra honra.
É nos momentos difíceis que devemos nos apegar
aos valores e princípios que nos unem:
soberania, democracia, liberdade e justiça.
Como as demais instituições do país, o Judiciário está
ao lado dos que trabalham a favor do Brasil e está aqui
para defendê-lo.
Luís Roberto Barroso
Presidente do Supremo Tribunal Federal
https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/presidente-do-stf-em-defesa-da-constituicao-da-democracia-e-da-justica/
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