Palestinos relatam a dificuldade de viver hoje em Jerusalém Oriental: “Mas nunca abriremos mão de nossos direitos”

Tempo de leitura: 7 min
Jerusalém Oriental. Foto: Albin Hillert
Em Jerusalém Oriental, “nunca abriremos mão de nossos direitos”
 

Testemunhos de moradores palestinos retratam a dificuldade de viver em Jerusalém Oriental hoje 

Fepal (Federação Árabe Palestina do Brasil)

Jerusalém Oriental é internacionalmente reconhecida como território ocupado, e Israel tem a obrigação, de acordo com a lei internacional, de garantir o bem-estar da população da ocupação.

No entanto, a ameaça de despejos forçados e deslocamento (leia, ao final) a ameaça de despejos forçados e deslocamento continua pairando sobre as famílias palestinas em bairros de Jerusalém Oriental, como Sheikh Jarrah e Silwan.

Mohammad Sabbagh, de Sheikh Jarrah, explicou a difícil posição em que os tribunais israelenses colocaram sua família: se eles concordarem com um prazo finito para ficar, eles acabarão perdendo suas terras.

“Esta é a situação: se dissermos sim, perderemos nossa luta pacífica no tribunal”, disse ele, acrescentando que há muitos anos é grato pela presença do Programa de Acompanhamento Ecumênico do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) na Palestina e em Israel.

“Contamos com as atividades deles para explicar o que está acontecendo aqui”, disse ele.

Su’ad Abu Ramouz, uma moradora do bairro de Silwan, disse que sua casa corre o risco de ser demolida desde 2004.

“As pessoas vivem aqui há cerca de 70 anos”, disse ela. “Todos esses documentos foram apresentados no tribunal e todos nós fomos ao tribunal – obviamente o tribunal israelense – e eles apenas nos deram a decisão de que precisamos sair para que eles possam demolir nossas casas.”

Na verdade, todo o distrito está sujeito à demolição, disse Ramouz, acrescentando que os tribunais enviaram uma mensagem implacável: “Vamos demolir sua casa para que você saia –ou simplesmente demulam vocês mesmos e vão embora”.

Algumas dessas ordens foram suspensas, disse ela, mas manifestantes pacíficos ainda enfrentam maus-tratos pela polícia.

“Eles não respeitam qualquer dignidade humana ou direitos humanos”, disse ela. “Tentamos fazer o nosso melhor para mostrar como somos pacíficos.”

Ramouz disse que os colonos tentam assediar os residentes de Silwan nas ruas.

“Eles não se importam que tenhamos filhos, idosos, mulheres”, disse ela. “Jamais abriremos mão de nossos direitos. Vamos lutar de forma pacífica, vamos protestar de forma pacífica e vamos lutar de forma legal.”

Falando de uma perspectiva jurídica, a diretora de relações internacionais e advocacia do Ir Amim, Amy Cowen, observou que o que no discurso israelense atualmente fica reduzido a uma disputa por terras entre grupos de indivíduos privados, é na verdade uma consequência de um quadro maior de legislação discriminatória em nome do Estado de Israel contra a população palestina.

A vice-secretária geral do CMI, Profa. Dra. Isabel Apawo Phiri, refletiu que a discriminação contra os palestinos está apenas aprofundando a divisão e distanciando o mundo da paz.

“É muito triste notar que, depois de tantos anos, vemos que tanto os líderes palestinos quanto israelenses não tiveram sucesso em alcançar a paz por meio de acordos políticos ou por meio de conflitos armados e confrontos”, disse ela. “Tirar as pessoas de suas casas em sua própria terra natal só trará mais animosidade, não paz e coexistência.”

Jamil Khader, da Igreja Episcopal de Jerusalém, exortou todas as pessoas a cultivar a paz.

“Todos os que vivem com a injustiça, Deus está com vocês”, disse Khader, que serve como oficial ecumênico do Escritório de Ligação em Jerusalém do CMI. “Temos que viver juntos. Temos que cultivar a paz. Quando você cultiva a paz, você cultivará a paz em suas ações e em suas vidas.”

O webinar segue a Semana Mundial pela Paz na Palestina e Israel, e é parte de uma série de esforços feitos pelo Conselho Mundial de Igrejas e seu Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel para defender a paz justa na região.

Também segue uma recente iniciativa de Jerusalém Oriental, por meio da qual o CMI tem acompanhado famílias palestinas que enfrentam despejo e deslocamento por meio de esforços globais de defesa.

* Matéria publicada originalmente em 29/11/2021 no site do Conselho Mundial de Igrejas (em inglês)

Sheikh Jarrah. Foto: David Shankbone/CC BY 3.0

Muna é Palestina, Yakub é Israel: A história não contada de Sheikh Jarrah   

Por Ramzy Baroud*. em Carta Maior

Existem duas histórias separadas sobre Sheikh Jarrah – uma lida e assistida no noticiário e a outra que recebe pouca cobertura midiática ou análise apropriada.

A história óbvia é sobre as batidas noturnas e violência conduzidas pela polícia israelense e pelos judeus extremistas contra os palestinos na já devastada região do Leste de Jerusalém.

Por semanas, milhares de judeus extremistas alvejaram comunidades palestinas na Cidade Velha de Jerusalém.

Seu objetivo é a remoção de famílias palestinas de suas casas no bairro de Sheikh Jarrah. Elas não estão agindo sozinhas.

Seus tumultos e agitações são direcionados por uma liderança bem coordenada composta por sionistas extremistas e grupos judeus, como o Partido Otzma Yehudit e o Movimento Lehava.

Suas alegações sem fundamento, ações violentas e seu abominável slogan “Morte aos árabes” são validados por políticos israelenses, como Itamar Ben-Gvir membro do Knesset e o prefeito adjunto de Jerusalém, Arieh King.

Aqui está uma breve introdução ao discurso político de Ben-Gvir e King, que foram filmados insultando um protestante palestino ferido.

O vídeo começa com MK Bem-Gvir gritando com desprezo para um palestino que havia sido aparentemente ferido pela polícia israelense, e que ainda assim retornou para protestar contra os despejos planejados para Sheikh Jarrah.

Pode-se ouvir Bem-Gvir gritando, “Abu Hummus, como está sua bunda?”

“A bala ainda está lá, é por isso que está mancando”, respondeu King para Ben-Gvir. King continua, “eles tiraram a bala da sua bunda? Já tiraram? É uma pena que não foi aqui,” continua King, apontando para a cabeça do rapaz.

Encantados com o que eles acharam ser um comentário jocoso sobre o palestino ferido, o séquito de judeus extremistas de King e Ben-Gvir riu.

Enquanto “Abu Hummus”, que protestava mesmo ferido, é um testemunho da tenacidade do povo palestino, King, Ben-Gvir, os colonos e a polícia são a representação da frente israelense unida com o objetivo de eliminar os palestinos etnicamente e garantir a maioria judia em Jerusalém.

Outro participante importante na campanha de limpeza étnica israelense em Jerusalém é o sistema judiciário de Israel que forneceu uma cobertura legal para o ataque aos palestinos habitantes de Jerusalém.

O fundamento legal das tentativas constantes dos colonos judeus de adquirir mais propriedades palestinas pode ser encontrado em uma lei específica de 1970, conhecida como a Lei de Assuntos Legais e Administrativos, que permitiu que judeus processassem palestinos em razão de propriedades que alegavam terem sido deles antes do estabelecimento de Israel nas ruínas da Palestina histórica em 1948.

Enquanto os palestinos são impedidos de fazer alegações similares, os tribunais israelenses concederam generosamente casas palestinas, terrenos e outros bens para requerentes judeus.

Em troca, essas casas, como no caso do bairro Sheikh Jarrah e outros bairros palestinos ao Leste de Jerusalém, são frequentemente vendidas para organizações de colonos judeus para a construção de ainda mais colônias em território palestino ocupado.

No último mês de fevereiro, o Superior Tribunal israelense recompensou colonos judeus com o direito à muitas casas palestinas em Sheikh Jarrah.

Seguido de uma reação palestina e internacional, ofereceu aos palestinos um “acordo”, no qual as famílias palestinas abririam mão dos direitos de posse de suas casas e concordariam em continuar a viver como inquilinos, pagando aluguéis ao colonos judeus que roubaram suas casas em primeiro lugar, mas que estão agora armados com aval de uma decisão judicial.

No entanto, a “lógica” por meio da qual os judeus reivindicam propriedades palestinas como sendo deles não deveria ser associada com poucas organizações extremistas.

Afinal, a limpeza étnica da Palestina em 1948 não foi obra de poucos sionistas extremistas.

Similarmente, a ocupação ilegal da região Leste de Jerusalém, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza em 1967 e o enorme negócio de assentamentos que veio em seguida não foram obras de alguns indivíduos extremistas.

O colonialismo em Israel foi, e continua sendo, um projeto estatal, que, em última instância, tem o objetivo de alcançar exatamente o que está acontecendo em Sheikh Jarrah – a limpeza étnica dos palestinos para garantir a maioria demográfica judia.

Essa é a história não contada de Sheikh Jarrah, uma que não pode ser expressa por poucas notícias ou posts nas redes sociais.

No entanto, essa narrativa mais relevante é amplamente escondida. É mais fácil culpar alguns judeus extremistas do que responsabilizar todo o governo israelense.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense (veja PS do Viomundo), está constantemente manipulando a questão da demografia para avançar os interesses de seus constituintes judeus.

Ele é um forte adepto da legitimidade de um Estado exclusivamente judeu e, também, completamente consciente da influência política dos colonos judeus.

Por exemplo, pouco antes das eleições de 23 de março, Netanyahu decidiu aprovar a construção de 540 assentamentos ilegais na chamada área E Har-Homa (Montanha Abu Ghneim) na Cisjordânia ocupada, na esperança de adquirir o maior número de votos possível.

Enquanto a história de Sheikh Jarrah está ganhando alguma atenção até mesmo na mídia tradicional estadunidense, há uma ausência quase completa de qualquer profundidade na cobertura, principalmente sobre o fato de que Sheikh Jarrah não é a exceção, mas sim a regra.

Infelizmente, enquanto os palestinos e seus apoiadores tentam contornar a censura da mídia tradicional conversando diretamente com as sociedades civis ao redor do mundo usando plataformas de mídias sociais, frequentemente são censurados nelas, também.

Um dos vídeos inicialmente censurado pelo Instagram é o de Muna al-Kurd, uma mulher palestina que havia perdido sua casa em Sheikh Jarrah para um colono judeu com o nome de Yakub.

“Yakub, você sabe que essa não é sua casa”, Muna é vista conversando com Yakub do lado de fora da sua casa.

Ele responde, “sim, mas se eu for, você não volta. Então, qual é o problema? Por que você está gritando comigo? Eu não fiz isso. Eu não fiz isso. É fácil gritar comigo, mas eu não fiz isso”.

Muna: “Você está roubando minha casa”.

Yakub: “E se eu não roubá-la, alguém vai”.

Muna: “Não. Ninguém pode roubar minha casa”.

A história não contada de Sheikh Jarrah, de Jerusalém – na realidade, de toda a Palestina – é a de Muna e Yakub, a primeira representando a Palestina, e o último, Israel.

Para que a justiça possa ser alcançada, Muna deve ter o direito de reivindicar sua casa roubada e Yakub deve ser responsabilizado pelo seu crime.

*Publicado originalmente em Counter Punch | Tradução de Isabela Palhares

PS do Viomundo: Benjamin Netanyahu foi primeiro-ministro de Israel por dois períodos: de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999; e de 31 de março de 2009 a 13 de junho de 2021.


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Comentários

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gonzalez

O que diferem dos nazistas ? É pior que o apartheid e pior que os irlandeses passavam.

Nelson

Desde que me conheço por gente, ouço os órgãos da mídia hegemônica a reverberarem uma afirmação: “Israel é a única democracia do Oriente Médio”. Então, só posso encarar, como uma grande atochada – como costuma falar a gauchada aqui no Rio Grande do Sul – todas essas histórias contadas pelo jornalista Baroud e a Fepal.

Mas, deixando de lado a ironia, imaginemos a reação dessa mesma mídia em uma outra situação. Imaginemos que fosse o governo do Iran xiita, da Venezuela chavista, da Rússia de Putin, da Cuba revolucionária ou outro qualquer que ouse não se submeter aos EUA e à Europa, que estivesse a pisar no pescoço de um outro povo por anos a fio.

Truculento, assassino, déspota, genocida, ditador seriam, certamente, os termos utilizados para descrever um tal governo pelos órgãos da mídia hegemônica e seus comentaristas.

Como é o governo sionista de Israel – unha e carne com o dos Estados Unidos e os dos países civilizados (sic) da Europa – o perpetrador desse interminável massacre ao povo palestino, essa mídia simplesmente olha para o lado e não emite um pio sequer de crítica. Isto quando não se põe a justificar a barbárie como direito de defesa de Israel.

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