”Oi, Bonner. Aqui é o hacker. Quer conversar comigo ou com um Pulitzer?”

Tempo de leitura: 5 min

por Eliara Santana*, especial para o Viomundo

No momento em que o jornalista Glenn Greenwald, ganhador em 2014 do prêmio Pulitzer de Jornalismo (o mais importante no mundo), e o site  The Intercept trazem à tona mensagens e conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e o então juiz Sergio Moro, o Jornal Nacional aposta na criação de um fato “novo” para consolidar uma narrativa de sustentação à Lava Jato.

A partir de 11 de junho, o que interessa ao JN é:

“A Polícia Federal suspeita que a invasão a celulares de Moro e procuradores foi uma ação orquestrada”.

Portanto, o acontecimento inicial (divulgação das conversas comprometedoras) deixa de ser um fato relevante para o jornal, que recria os acontecimentos como convém.

Na criação desse roteiro,  há elementos marcantes como a desconstrução do oponente e criação de um inimigo comum (Glenn e a ação para atacar a Lava Jato) e a ressignificação de acontecimentos (saem conversas comprometedoras e entra ação orquestrada de hackers).

Essas não são estratégias discursivas inéditas, nem exclusivas de alguns meios.

Mas são estratégias discursivas brilhantemente utilizadas pelo Jornal Nacional e pela Rede Globo para produzir uma narrativa.

O que significa, quase sempre, dar novos significados a acontecimentos já relatados, inserir personagens e colocar tudo isso em um novo quadro para o espectador (vamos mudar sem que você perceba que mudamos, como se esse fosse o curso natural da notícia…).

E nesse processo, há estratégias de organização do discurso com a estruturação de modos de dizer que direcionam o espectador para determinada produção de sentidos.

Simbolicamente, é preciso estruturar essa nova “realidade” criada para que dispute a opinião pública e se imponha de fato como nova narrativa. Assim, como na construção de um roteiro, temos alguns passos que se organizam discursivamente para consolidar essa narrativa:

1.A desconstrução de um acontecimento. Um novo fato toma a cena

Primeiro Momento: Em 10 de junho, o primeiro dia logo após o vazamento das conversas, a edição do JN é pulverizada, e o enquadramento é o da ilegalidade na obtenção das informações.

Essa é a ideia que precisa se consolidar para o público, para que ele, por “conta própria”, se interesse mais por isso do que pelo conteúdo em si.

Quem apresenta a ideia ao espectador é uma voz externa de autoridade, do STF, para reforçar a assertiva (não é o jornal quem está dizendo, é uma voz autorizada a dizê-lo, uma voz da Justiça).

O ministro Gilmar Mendes levanta a suspeita da ilegalidade e a condena, e o ministro Barroso reforça o papel da Lava Jato, dizendo que ela é essencial e afirmando que a corrupção sempre existiu no Brasil.

Há um espaço grande para Barroso se expressar, e ele é a voz que vai cumprir o  papel de “desqualificar” o conteúdo divulgado, dizendo que sente dificuldade em entender a “euforia que há em torno disso, porque todo muno sabe, no caso da Lava Jato, que  as diretorias da Petrobras foram loteadas entre partidos, é um fato demonstrado”.

Marca-se também ali o terreno da corrupção no Brasil – o velho repertório tantas vezes utilizados.

Para fechar o ciclo do novo fato, mostra-se o apoio a Sergio Moro com o destaque dado à entrega da medalha pelo presidente da República.

Outro elemento na costrução é a marcação de certas palavras ou expressões, como o sintagma “ilegal”, que é repetido ao longo das matérias, além de “invasão”, “atentado”, “ataque”.

Elementos comprobatórios da tese de “invasão” são mostrados, como gráficos, e a PGR Dodge confirma gravidade do “atentado”.

Entra outra voz de autoridade, a do general Villas Bôas, que cumpre a função de dimensionar a gravidade do fato em si e de lembrar a corrupção que sempre existiu no Brasil e o papel da Lava Jato. Portanto, esse elemento é novamente trazido à memória do espectador.

Segundo momento (as edições até 13 de junho): para consolidar o roteiro e o fato ressignificado, é preciso adicionar elementos interessantes à trama, portanto, amplia-se a ideia de um ataque dimensionando esse fator e reafirmando se tratar de uma “invasão” muito grande, que atinge outros atores. Diz a abertura:

“As investigações iniciais mostraram que o ataque de hackers a autoridades ligadas à Operação foi muito mais amplo do que se supunha e atingiu também políticos e um grupo de integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público”.

Além disso, um novo e importante personagem é inserido na trama: o hacker (palavra pronunciada sem aportuguesamento no JN, pronúncia perfeita em inglês).

Entra então a matéria para mostrar a gravidade da situação, e o procurador José Rovalim Cavalcanti é a fonte a mostrar o absurdo do celular hackeado. Sobretudo para mostrar que não se trata de um hacker qualquer, é um hacker que invade o celular e deixa mensagens se identificando para que se confirme o ato ilegal, além de querer  dialogar com os hackeados.

As explicações são muitas para dizer que se trata de uma “ação orquestrada” e muito ampla, portanto, perigosa.

O conteúdo das conversas divulgas pelo The Intercept, neste momento, são ignoradas.

Vale lembrar que nas matérias já divulgadas pelo The Intercept e nas entrevistas concedidas pelos jornalistas envolvidos, não há menção a essa figura do hacker. Mas ele existe com certeza no JN.

Assim diz o hacker:

Como vocês podem ver pela imagem divulgada pelo JN, trata-se de um hacker isentão, que não tem qualquer ideologia, portanto, é “confiável”.

É um hacker que tem português corretíssimo – usa acento e vírgula como ninguém no mundo digital (e no mundo presencial também) -, sempre se apresenta, é educado e antecipa que os procuradores enfrentarão muitos momentos difíceis. Ele também ressalta que só encontrou justiça na Lava Jato. É um hacker consciente também.

Há menção à Constituição, cujo artigo é lido na matéria, para confirmar que o hackeamento de informações é crime no Brasil. E há muitas explicaçoes e quadros apra mostrar como o hacker conseguiu invadir o sistema.

Na edição do dia 13/06, após liberação da conversa integral dos trechos já divulgados, o JN dá mais espaço a essa reprodução, citando alguns trechos completos, mas sempre pontuando não haver qualquer ilegalidade neles. Há espaço também para Moro reafirmar que não há ilegalidade. A ideia inicial do roteiro ainda se mantém.

2.O oponente (inimigo): Esse é outro passo importante para se construir e consolidar uma narrativa — é preciso ter alguém para ser o inimigo na trama, e esse passa a ser o jornalista Glenn Greenwald.

O significado dele no cenário jornalístico é completamente diminuído, e o JN não faz referência ao prêmio Pulitzer que ele ganhou e muito menos ao caso Snowden.

Obviamente, é preciso tirar dele a importância na trama para esvaziar também as denúncias que ele apresenta de forma muito competente. É preciso desconstruir esse “oponente” e mostrar que ele “flertou” com a ilegalidade ao usar o trabalho de um hacker, portanto, o que ele mostra não tem valor.

3.E o fechamento: É preciso consolidar para o público a nova narrativa, com os novos personagens, para trabalhar a partir desse fato consumado:

houve um ataque de hacker de grandes proporções que envolveu não apenas os procuradores da Lava Jato, mas membros do Ministério Público e políticos. Esse fato coloca em risco investigações importantes no Brasil. O que o site Intercept traz é baseado nesse grande esquema, portanto, não deve interessar ao Brasil.

Esse é o jogo que está colocado em cena para convencer a opinião pública até aqui.

Pelo movimento dos subterrâneos, já sabemos que ela, apesar da construção de personagens curiosos (um hacker carente que dialoga com o hackeado), tem certa efetividade por um momento.

No entanto, há muito ainda a acontecer, e pela nota já divulgada pela Globo, lançando dúvidas sobre a ética e a integridade do jornalista Glenn Greenwald, a expectativa é de que há muita coisa a ser revelada.

E o hacker carente não vai dar conta do recado. Aguardemos os próximos e empolgantes capítulos da novela.

*Eliara Santana é jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.


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Comentários

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José serafim

Esse pessoal do The Intercept são todos canalha que só querem o mal do País. Não ligam pro povo e nem para seus atos ilegais. Deveriam estar fazendo companhia pro Lula na CADEIA.

Alvaro Arenhart

Nao podemos divagar sobre este assunto. Criar Estorias de Harry Potter é coisa de Amador cara Jornalista.
Há apenas um fato relevante. O Politico. O Jornalista é amigo pessoal de Lula e foi contra o Impeachment de Dilna. O fato do hacker no telefone dos membros da Lava Jato tem implicaçoes apenas politicas: desmoralizar Sergio Moro e consequentemente o Governo Bolsonaro, criando um efeito dominó contra as reformas propostos pelo no Governo, aumentar o protagonismo do Centrao ( diga se de passagem, os abutres do poder q estavam ao lado do Lula no Mensalão e Petrolão) e inviabilizar o Giverno Bolsonaro. Isto pode ser um golpe, uma faisca q querem para incendiar o Pais e tomar o poder de volta a força, como pregou o Rico Comunista condenado a 30 anos de prisão, José Dirceu. Foi fato pensado e coordenado.
Volte para a Escola e tente um grau de Pos Pos Pos Doutorado e depois venha discitir denovo. Bxxxx

    M Marconato Carvalho

    Analisar o conteúdo das mensagens vc. dispensa né, Álvaro?! O que Glen apresenta é um juiz que viola o princípio basilar de imparcialidade que pauta toda democracia e principalmente o conceito de Justiça. O lawfare denunciado por Lula se materializa a partir da análise das mensagens. Vc fala em golpe, mas o grande golpista aqui é Sérgio Moro que em conluio com o MPF fabricou uma fraude jurídica para encarcerar Lula e tirá-lo do pleito de 2018. Sérgio Moro e Deltan Dallagnol sequestraram a nossa democracia, cometeram um crime contra o povo brasileiro e é nessa chave que devem ser tratados: como criminosos!

Zé Maria

Não houve contestação ao Conteúdo das Mensagens Ocultas pelos autores dos Textos das Conversas Escusas, agora reveladas pelos jornalistas do Intercept, tornando Evidente uma Grande Armação realizada por Procuradores do MPF e o então juiz Sérgio Moro – e sabe-se lá quais outros juízes, desembargadores e ministros de Tribunais – para forjar ações penais contra lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT), especialmente contra o ex-Presidente LULA, no intuito de condená-lo e prendê-lo, montando uma Farsa Judicial para, agindo em Conluio, afastá-lo definitivamente da Vida Pública.
Esta é a Verdade inafastável, inatacável e inabalável.

robertoAP

A globo é a maior hacker da história do universo, pois vazou durante 3 anos inteiros, dia sim e outro também, informações de processos sigilosos, atingindo uma só parte da ação, e os vazamentos tinham o aplauso suspeito de próprio juiz que deveria julgá-la.
Isso sim foi um gravíssimo atentado contra a Democracia e o Estado de Direito e um atentado continuado, sem descanso, diuturnamente.
Agora terá que ouvir caladinha os vazamentos, cuja jurisprudência ela própria criou.

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