O modelo chinês: melhor que o do Ocidente?

Tempo de leitura: 4 min
A revista britânica Economist propôs, no início do mês, um debate que acabou repercutindo bastante, sobre o modelo econômico chinês. Foi dentro de um forum virtual. A proposta do debate tinha o título: “Modelo chinês — Esta casa acredita que a China oferece um modelo de desenvolvimento melhor que o Ocidente”. Será uma nova onda do “perigo amarelo”? Segue a tradução dos argumentos em favor da ideia (traduziremos em seguida o texto contra):
por Stefan Halper

A Economist coloca moção desafiadora, mas de forma errada: o “modelo” chinês não é melhor ou pior, é diferente. Além disso, não é um “modelo” em si. Em meu livro, “O Consenso de Beijing”, eu o descrevo como um jogo complexo de desenvolvimentos e reformas nos últimos 30 anos que devem seu sucesso às qualidades únicas da cultura, demografia, geografia e filosofia de governo da China. Neste sentido, não existe “modelo” que pode ser replicado ou exportado para lugares como a América Latina ou a África subsaariana.

Isso não significa dizer que países em desenvolvimento — e outros — em todo o mundo não acompanharam de perto o exemplo da China e não tentaram replicar programas específicos. Nações do Irã a Myanmar à Venezuela recorreram a inovações chinesas para resolver problemas; parte dos protocolos de monitoramento da internet na China são encontrados, por exemplo, no Irã.

É além dos detalhes dessa transformação colossal de 30 anos, no entanto, que encontramos o verdadeiro desafio da China. Ela exporta algo mais simples, de maior apelo para muitos e mais corrosivo para a proeminência ocidental. É a ideia básica do autoritarismo de mercado. Além de qualquer outro aspecto do exemplo chinês e mais do que qualquer outra coisa que a China venda ao mundo, o país funciona como o maior outdoor do mundo para propagar como “se tornar capitalista mas continuar autocrata”.

Seu significado tem menos a ver com “modelos de desenvolvimento” e mais a ver com ganhar a “batalha das ideias” sobre a melhor forma de relacionamento entre governantes e governados. Como detalhei em “O Consenso de Beijing”, a China promove valores e normas que desafiam as fundações da governança ocidental e que são grandes atrativos para as elites governantes no “mundo além do Ocidente”. Promete a líderes de regimes autoridade sem parlamentos agitados ou a mídia desafiadora e promete ao povo emprego, casa e um futuro melhor. Demonstra que melhorar o meio ambiente, as condições de trabalho e os serviços sociais pode ficar de lado — por um tempo — para acomodar “crescimento vertiginoso”. Crucialmente, não promete praças livres ou os direitos às liberdades de expressão, crença e associação. O público é convidado a respeitar as autoridades e ficar fora da política.

Ainda assim, as conquistas da China são significativas. É uma nação “do terceiro mundo” que ascendeu ao pináculo do poder mundial e, sem surpresa, causa inveja em outros que querem fazer o mesmo.

Um rápida olhada nos números:

A China tem crescido à média de 11% nos últimos 30 anos. Sua reservas em dinheiro são as maiores do mundo, agora de aproximadamente 2 trilhões de dólares. Enquanto o Ocidente tem lutado por crescimento durante a recessão de 2007-2009, a China cresceu mais de 8%. Desde 1980 centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza: de acordo com estatísticas do governo chinês, a taxa de pobreza (definida como domicílios que ganham até 7 mil dólares por ano) caiu 50.5% entre 1981 e 2005. A mortalidade infantil caiu cerca de 40% entre 1990 e 2005; acesso ao telefone no período subiu mais de 94 vezes, para 57.1%. Renda disponível e taxas de consumo cresceram cerca de 18% por ano, comparadas com apenas 2% nos Estados Unidos. Além disso, houve um grande avanço na posse de imóveis na China. Em 2007, 80% das casas urbanas na China eram de propriedade de indivíduos.

São conquistas marcantes — ainda assim governar a China não é um passeio no parque. Embora tenha havido melhorias em algumas áreas, corrupção endêmica, degradação ambiental, disputas trabalhistas, desigualdade dramática entre as províncias da costa e do interior, uma crise de identidade com o declínio do maoísmo, aumento nas diferenças de classe e nacionalismo quixotesco fazem todos parte do dia-a-dia.

O Partido Comunista continua a única fonte de poder aceitável e as noções de “equilíbrio entre poderes”, “um judiciário independente”, “oposição leal” e “transparência” são ausentes. Comércio para muitas companhias estrangeiras é um pesadelo. As práticas de negócio chinesas e ocidentais são muito diferentes, com violação da privacidade, furto de propriedade intelectual — um negócio de 200 bilhões de dólares por ano — e o furto de segredos corporativos apoiado pelo estado ainda muito comuns.

Ainda assim, se tudo isso deixa claro os problemas e dificuldades da sociedade chinesa, o sistema de autoritarismo de mercado da China é aceito pela vasta maioria dos 1,4 bilhão de chineses. Além disso, emprego, habitação, estabilidade e a sensação de uma qualidade de vida em melhoria são igualmente aceitáveis para a maioria d0s 5 bilhões de habitantes do mundo que tem muito pouco disso.

Com o governo expandindo sua relações comerciais, as relações políticas seguiram e a China é agora o maior investidor na África e em muitas partes da Ásia Central e da América Latina. Um efeito local desse abraço é que o exemplo do autoritarismo de mercado marginaliza os princípios de governança que foram a base do progresso ocidental por mais de 200 anos. Em termos de população, isso significa que aqueles governados por governos que admiram e, mesmo de maneira marginal, buscam replicar o exemplo de autoritarismo de mercado da China, a perspectiva de experimentar uma sociedade civil democrática é remota, talvez não existente.

Assim o ponto não é que “a China oferece um modelo de desenvolvimento melhor que o do Ocidente”. Conversa sobre modelos não vai ao ponto. Em vez disso, a China está remodelando o cenário do desenvolvimento internacional, da economia e das comunidades — e, por extensão, da política — de maneira a progressivamente limitar a projeção da influência e dos  valores ocidentais para além do bloco da OTAN. É, de fato,a catalisadora-em-chefe de um processo profundo e preocupante: a China está encolhendo a “ideia” do Ocidente.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Oliveira

Nem império chinês e nem tão pouco americano. Precisamos é de poder compartilhado com organismos internacionais fortes e legitimamente representativos.

Luis

Nem melhor, nem pior. Diferente. Com todos os vícios e virtudes culturais. Merece toda a atenção e cuidado. O império americano é que vai mal, só guerra, sangue e ditadura da desinformação.

Roberto Locatelli

A questão, para a humanidade, é insistir no capitalismo ou descartá-lo. O "modelo" chinês é capitalismo.

    Azaghal

    O pessoal ainda acredita que a China continua comunista?

ebrantino

Certos lugares comuns enchem tanto o saco que até falta disposição para falar neles. Mas atribuir o sucesso economico da China a mão de obra barata e trabalho escravo, é dose. Vou dar uma sugestão, quem diz isso está fazendo um triste papel. Por favor vá procurar um pequeno liv rinho editado pela Unesp, na coleção, se não me engano "Revoluções do Sec. XX", sobre a revolução chinesa, vai se esclarecer melhor e parar de dizer disparates. Se a causa do bom desempenho economico chines é a mão deobra barata, porque o fenomeno não se repete no Haiti – acho que lá é mais barata, e também nos paises mais pobres da Africa. E a mão de obra no Brasil era mais barata nos anos do desemprego do FHC, e no entanto hoje se cresce mais.
Entretanto,"MODELOS" economicos não são para se copiados, e muito menos para ser impostos. E nem os modelos politicos ou culturais. Lembro apenas os "modelos" impostos pelo FMI, que nunca deram certo, e nem o famoso consenso de Washinton, que onde foi aplicado, levou à falencia, salvo é claro em Washinton. E finalmente, até lá, é verdade.

Pedro

O Capitalismo determinou as regras, o mundo passou a caminhar na direção indicada por eles, quem fosse contra era simplesmente taxado de comunista e pronto, estava pertinho de sofrer um " acidente" …

monge scéptico

Qualquer coisa é melhor que o capitalismo, capitaneado pelas treze famílias. que açambarcamtudo como
corvos, Tudo que tem valor, até as almas. A medida deum sistema se faz, com a medida da satisfação do
povo sob o mesmo. Ignoro se o povo chinês esta 'em sua totalidade, satisfeito com seu regime políti-
-co. Melhor que quando submetidos a sanha do capital,inglês , ianque etc estão com certeza.
São determinados e, parecem querer estender os ganhos do país a todos, embora com as dificuldades
que um bilhão e pancada de almas deve acarretar. Espero que sirvam de exemplo ao mundo.

assalariado.

O capitalismo e os capitalistas,são sorrateiros(agem as ocultas),por isso esta ideologia sempre se impôs através das armas e de forma mercenária,porque este é o seu DNA.Na China,dirigentes afirmam,que constróem o socialismo e ruma para o comunismo,mas a economia do deus mercado parece penetrar por todos os poros da sociedade.

Profecia que Mao Tse Tung fez antes de morrer : — "voces estão fazendo a revolução socialista e não sabem onde esta a burguesia.Ela esta dentro do Partido Comunista,são aqueles individuos que estão no poder e que tomam o rumo capitalista."–

Isto me faz lembrar Josef Stalin,dirigente da antiga União Soviética,que em nome do "socialismo" em um único país,por motivo de estar cercado por países capitalistas,resolve criar o capitalismo de Estado,e maquiou com o nome de ditadura do proletariado(marxista?).Mas no fundo estava criando uma nova burguesia que mais tarde,com a queda do muro de Berlim,se apropriaria,da MAIS VALIA,das fabricas,das terras,e de toda riqueza do solo russo e das riquezas construida as custas do suor dos colaboradores.

Saudações Socialistas.

O_Brasileiro

O que há por trás do capitalismo?
Que tipo de seres humanos são os que mais se beneficiam do capitalismo?
O socialismo está a serviço do capitalismo? Se sim, os neo-liberais estão lucrando bastante? Estão felizes?
Capitalismo e social-democracia são mesmo compatíveis?
O capitalismo é um grande "esquema da pirâmide", onde a base sempre vai ser explorada e enganada?

Luiz

Em fala recente Luiz Gonzaga Belluzzo trata da questão do desenvolvimento no Brasil e China como base de análise referencial para diversas nações no mundo. http://bit.ly/amF6Ho

Grato. Luiz

dukrai

repetindo porque eu também estou ficando véio:
o capitalismo xinêis é a mistura da velha máfia russa com a tecnologia "paraguaia" e trabalho escravo-feudal. O país está dividido em períodos históricos, 1/3 está no século XXI, 1/3 está na Revolução Industrial e 1/3 está na baixa Idade Média.
dessa cumbuca pode sair tudo por isto tem horas que me vejo torcendo pros gringos arribarem.

Sagarana

Acabem com a CLT, férias, décimo terceiro, jornada de 44 horas semanais e, de quebra, acabem com a Democracia. Aí estaremos no caminho do "desenvolvimento" chinês.

    Tiago

    Concordo com o sr. O modelo chinês de "desenvolvimento" foi criado a partir da leitura de 1984 de Orwell.

Thiago Leal

O modelo chinês é um sucesso para criação de riqueza num lugar onde a pobreza era reinante, tal como foi o modelo ocidental nos séculos XIX e XX. E ambos são considerados catastróficos em termos de direitos humanos. Não importa para onde se olhe, a história do capitalismo é a história da violência contra a humanidade em diversas, variadas e criativas formas. Muito dessa conversa parece sugerir que nós do ocidente evoluímos e os chineses não; no mais puro melhorismo. Sem querer aliviar a barra dos problemas sociais na China, e sem querer desmerecer as conquistas sociais que de fato aconteceram, nós aqui do ocidente ainda nos encontramos em situações muito problemáticas. De forma que não sei em que medida a comparação de quem sofre mais ou menos pode ser construtiva (para mim, só constrói preconceitos e mascara a realidade).

Em suma… acho vergonhoso discutir qual é o melhor modelo de geração de riqueza quando o déficit humanitário é patente em todos os modelos visíveis.

augustinho

Será necessario que estejamos livres de diversas influencias chinesas qdo a bolha estourar. Livres de um volume de investimento chines excessivo. Livres de um comercio externocativo ou uni-dependente. Livres de necessidade de proteçao militar. Livres de um cambio perigoso.
E com multiplas alianças no mundo fora da china.

ZePovinho

Quero ver o que o Professor Hariovaldo vai dizer disso……………

Marcelo de Matos

Que o “modelo” chinês é mais eficiente não se discute. Por quê? Porque é politicamente mais ágil. O Brasil tem 27 partidos políticos, a China 1; os parlamentares brasileiros passam o ano cuidando de negócios nem sempre lícitos; os chineses reúnem-se 10 dias por ano para apresentar suas propostas e voltam às suas atividades profissionais. Os decantados valores ocidentais “equilíbrio entre poderes”, “judiciário independente”, “imprensa livre” e “transparência” funcionam melhor no papel que na vida real. Os poderes não são tão independentes como se imagina: os poderosos de cada um deles barganham benesses com os dos outros. O ocidente, de um modo geral, continuará a preservar esses conceitos. Muitos países, porém, que já não têm em grande conta a democracia de estilo ocidental, buscarão outros rumos. Na economia tudo indica que a China continuará a crescer. Em Jacareí-SP estão investindo a bagatela de 700 milhões de dólares em uma fábrica de automóveis. Não são carros “pelados”, ou “carroças”, como dizia Collor, mas, automóveis totalmente equipados.

patrick

Em "Doutrina de Choque", livro da jornalista canadense Naomi Klein, está descrito como Milton Friedman atuou como consultor para o governo chinês. Friedman não viu incoerência no seu trabalho, porque para ele a liberdade de empreender era um direito mais fundamental ao ser humano do que a liberdade de expressão (e, consequentemente, as demais liberdades democráticas). Por isso que a China é tão bem vista por tanta gente no campo neoliberal.

Fábio Villela

Prefiro o Brasil crescendo a 5% do que essa perversidade chinesa, que explora mão de obra semi-escrava, não respeita os direitos humanos, não segue leis comerciais e provoca a cada dia desastres ambientais calamitosos…Ainda sou o que gostam de denominar o modelo ocidental…

Ed.

No últimos ~70 anos, colou-se à China a imagem do país comunista de Mao. Até aí é um fato.
Mas muitos esquecem da avançada história anterior deste país, tipicamente à frente de seu tempo por muitos séculos…
Esta mistura de comunismo com capitalismo (que também acontece no Vietnam), num dos maiores países do mundo, tanto em área quanto em população é, no mínimo, instigante.
Daqui a algumas décadas, quando tornar-se a maior economia do mundo (talvez a maior "tudo", em termos nominais), os comunistas e capitalistas de sempre poderão dizer: "Tá vendo como eu tinha razão?!"…

ruypenalva

O modelo Chinês precisa ser testado a longo prazo. Muitas bolhas advirão lá: Bolha de crédito infra-prime, bolha imobiliária, bolha ambiental, bolha da liberdade. É um economia muito centralizada e por certo terá muitos problemas pela frente. Não inventaram o moto continuo de crescer a 10% ao ano indefinidadmente sem problemas. Só espero que a bolha chinesa estoure quando um governo de oposição estiver na presidência, ou seja, daqui há uns 16 anos.

    Renato

    Espero que exploda agora, com a Dilma na presidência, pois em 2014. O PT não volta nunca mais.

    Ed.

    Renato já jogou a toalha pro Serra…
    Nocaute técnico!

    dukrai

    nocaute técnico não, véi, nocaute puro e simples decorrente de um cruzado de esquerda na ponta do queixo no primeiro round.

    daniel

    Só restou à você torcer para o pior? Putz, a oposição foi neutralizada mesmo :P

    ruypenalva

    Não sou tarólogo, mas seguindo a Maria da Conceição Tavares isso vai demorar, Dilma não tem com que se preocupar, além de ter que ser comparada em popularidade a Lula.

    Luis

    Ah, ah, ah. Renato, renasça!

Deixe seu comentário

Leia também