Sergio Glasberg: O espírito do tempo

Tempo de leitura: 2 min

Por Sergio Glasberg, em perfil de rede, sugestão de Tânia Mandarino

Vivemos um tempo em que tudo parece à beira de alguma coisa. À beira do colapso climático, da ruptura institucional, da obsolescência profissional, da crise de sentido. É um mundo em que o futuro chega depressa demais — e, ainda assim, é difícil saber para onde estamos indo.

O nome disso é zeitgeist. O espírito do tempo. Uma espécie de atmosfera invisível que paira sobre as conversas, as escolhas, os medos e os desejos de uma época. No nosso caso, o espírito parece atravessado por uma contradição central: nunca estivemos tão conectados, e nunca foi tão difícil conversar.

De um lado, há um movimento de afirmação: corpos que reivindicam visibilidade, discursos que exigem escuta, subjetividades que recusam enquadramento. De outro, uma reação violenta — ressentida, saudosista, organizada nas brechas da tecnologia. Os algoritmos amplificam certezas, alimentam indignações, transformam opinião em identidade e identidade em trincheira. O debate público se empobrece. Não se trata mais de convencer, mas de vencer.

O presente está congestionado: por informações, por demandas, por versões. O passado, reescrito ao gosto de quem briga por memória ou poder. E o futuro, incerto, é cada vez mais uma interrogação. Vivemos uma hiperconsciência desconfortável, como quem acorda num quarto desconhecido: tudo está iluminado, mas nada parece familiar.

Nos acostumamos a consumir o mundo em tempo real, como se pudéssemos dominá-lo por excesso de acesso. Mas o excesso também embota. Produz uma espécie de tontura ética, uma fadiga da empatia. Todo dia é dia de tragédia — e de uma hashtag correspondente.

O cinema, às vezes, pressente isso. Em Her, o afeto se desloca para uma inteligência artificial — mais confiável, menos complexa. Em Não Olhe Para Cima, o absurdo da negação científica encontra ecos imediatos. E mesmo a distopia, que já foi um alerta, virou gênero. Entretenimento. Ruído.

Mas há também gestos de resistência. Na cultura periférica, nos coletivos de arte, na música feita longe dos centros, em pequenos podcasts de escuta atenta. Nos textos de Ailton Krenak. Há vida aí — não como espetáculo, mas como insistência.

Talvez o zeitgeist seja exatamente isso: um desconforto que ainda não encontrou nome. Uma sensação compartilhada de deslocamento. Uma urgência que ainda não se traduziu em direção.

Há quem veja nisso motivo para desesperança. Mas também pode ser um ponto de partida. Porque quando tudo parece em ruína, talvez seja a hora de perguntar: o que vale a pena manter de pé? E o que, enfim, pode ser reconstruído de outro jeito?

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Ainda assim, há beleza nesse espanto.

*Sergio Glasberg é artista, diretor de cena independente. FilmMaker

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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