Nobel de Economia critica ataque do governo Bolsonaro ao BNDES: Perturbador e surpreendente

Tempo de leitura: 3 min
Agência Brasil e Fórum Mundial

Ataque ao BNDES é perturbador e surpreendente

Brasil talvez seja o mercado emergente para o qual um banco de desenvolvimento nacional seja mais importante

Joseph E. Stiglitz, na Folha de S. Paulo

Em todo o mundo, houve grande mudança de perspectiva sobre o valor e a importância dos bancos de desenvolvimento.

E por bons motivos: eles desempenharam papel central em promover o crescimento e o investimento e em ajudar a estabilizar a economia.

Ajudam a sociedade a resolver grandes questões sociais usualmente desconsideradas pelo setor privado, como a desigualdade e o aquecimento global.

Servem como intermediário crucial entre o investidor de longo prazo e as necessidades de investimento em longo prazo, de uma forma que os mercados financeiros privados, tipicamente concentrados no curto prazo, não fazem.

É por isso que a Europa vem expandindo seu banco de desenvolvimento, o Banco de Investimento Europeu, o maior do planeta.

É por isso que alguns estados dos EUA criaram novos bancos de desenvolvimento.

É por isso que o mais importante grupo de países de mercado emergente, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), criou o Novo Banco de Desenvolvimento, que vem florescendo e fazendo uma contribuição importante ao desenvolvimento.

Pesquisas recentes corroboram esses insights.

Os empréstimos de bancos de desenvolvimento se traduzem em investimento mais produtivo —diferentemente de muitos dos empréstimos do setor privado, destinados ao consumo e à habitação.

Ajudam a elevar a produtividade das empresas que recebem os fundos, especialmente as PMEs (pequenas e médias empresas), que muitas vezes encontram restrições no crédito que são capazes de obter do setor privado.

É por isso que é tão surpreendente, e tão perturbador, ver o recente ataque a, e os esforços para restringir, um dos maiores bancos de desenvolvimento do planeta, o BNDES.

Isso é especialmente perturbador porque o Brasil talvez seja o emergente para o qual um banco de desenvolvimento nacional seja mais importante.

Seu setor financeiro privado —que historicamente cobra juros entre os mais altos do planeta— faz um dos piores trabalhos em termos de cumprir o papel social de oferecer financiamento a empresas, especialmente PMEs.

Sejamos claros: nenhum banco é perfeito.

É sempre fácil ver em retrospecto se um projeto era bom.

O que os economistas definem como “questões de agência” —casos em que os empregados de uma organização, ao seguir seus próprios interesses, às vezes fracassam em defender os melhores interesses daqueles a quem deveriam servir— e o que as pessoas chamam de “corrupção” acontece tanto em instituições públicas quanto privadas.

O nível de “corrupção” nas instituições financeiras privadas e com fins lucrativos dos EUA excede por diversas ordens de magnitude a corrupção vista em cooperativas ou em instituições financeiras públicas; e os EUA e o mundo pagaram um preço elevado por seus delitos.

Quando falhas em instituições se tornam aparentes, a tarefa é reformar a instituição, não aboli-la.

O Fed (Federal Reserve), o banco central dos EUA, fracassou em seu papel regulatório nos anos que antecederam a Grande Recessão; foi excessivamente influenciado por banqueiros privados que pediam confiança e defendiam a autorregulamentação.

A resposta não estava em abolir o Fed. A resposta estava em tornar mais claras suas responsabilidades regulatórias, reconhecendo os problemas inerentes causados pelos bancos privados.

O crescimento do Brasil vem sendo volátil. O país teve mais de uma década de expansão forte antes que os preços das commodities caíssem e a economia entrasse em recessão.

O BNDES merece parte do crédito pelo crescimento notável do período e por ajudar a reduzir a dependência do país da exportação de recursos naturais. Mas não pode, e não deveria, ser culpado pela recessão.

Se o objetivo é restaurar o crescimento sustentável e de longo prazo, e especialmente se essa expansão deve ser equitativa, o BNDES e outros bancos estatais de desenvolvimento precisam ser encorajados e expandidos, não reprimidos.

O grande insight sobre o desenvolvimento nos últimos 35 anos, durante os quais alguns poucos países conseguiram registrar crescimento notável, é que as instituições importam, e entre elas as mais importantes são os bancos de desenvolvimento.

O Brasil deveria respeitar essa lição.

Tradução de Paulo Migliacci

*Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001


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Zé Maria

As Teses da Escola de Chicago, à qual a Milícia do Guedes é Adepta,
não deram certo em lugar nenhum do Mundo, onde tentaram aplicá-las.
Agora, esses Fanáticos Leitores de Manuais de Economia
querem fazer do Brasil uma Cobaia para provar o Contrário.
.
.
Ascensão e Queda da Escola de Chicago

“Em 1929 e 2008 o ESTADO mostrou que é infinitamente maior
como instrumento da economia do que o mercado perfeito,
mas nem isso mudou as mentes dos fanáticos de Chicago”

Por André Araújo, no GGN (em 23/11/2018)

Eles são as trevas do pensamento econômico”, Paul Krugman.

“Chicago economics” ou Escola de Economia da Universidade de Chicago é uma linha de pensamento econômico que acredita que os mercados são resultado da “competição perfeita” e, portanto, é o “mercado” deixado operar livremente o melhor modelo de gestão da economia em qualquer lugar.
Acreditam também no rígido controle da moeda, quanto menos moeda em circulação melhor será para o funcionamento da economia. Mercados livres e moeda escassa são os mandamentos da Escola de Chicago, o resto se encaixa como consequência.

Na realidade a “Escola de Chicago” é uma ideologia
e não uma teoria econômica, sua aceitação depende de fé …
A História econômica se encarregou de derrubar essa ficção
que é obra de fé, mas os adoradores desse modelo insistem
em considerá-lo sagrado, não importa em que lugar, país,
região, sob que condições ou estágio, como se o modelo fosse
algo científico, da física.

O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, da Universidade
de Princeton, é um dos maiores críticos atuais do “Chicago
economics”, a quem denominou de “Era das Trevas” do
pensamento econômico.

Nos próprios Estados Unidos a Escola de Chicago nunca foi
uma unanimidade, as escolas de economia da Costa Leste
como Harvard, MIT, Columbia, Yale, Princeton tem visão e
angulações bem diferenciadas de Chicago, sem falar na
New School de Nova York, que é a antítese de Chicago.

Hoje, o Institute of New Economic Thinking de Nova York,
onde estão Paul Krugman e Joseph Stiglitz,
contestam frontalmente toda a filosofia de Chicago.

Os “new keyneisians”, corrente moderna de seguidores da visão
de Lord Keynes, em economia, abominam os pressupostos da
Escola de Chicago.

Na Universidade da Califórnia em Berkeley, Brad DeLong,
diz que a escola de Chicago chegou a um colapso intelectual,
significando que parou no tempo e nada mais tem a contribuir
no pensamento econômico.

O que restou de crença na Escola de Chicago desabou
por completo na crise financeira de 2008, quando o capitalismo
americano do ‘mercado perfeito’ ruiu e implodiu, sendo salvo
nada mais, nada menos pelo execrado ESTADO.

O Tesouro dos EUA despejou US$ 708 bilhões em dinheiro público
para salvar o coração desse capitalismo, tanto financeiro,
quanto industrial.
Salvou o CITIGROUP, a seguradora AIG, maior do mundo,
e a GENERAL MOTORS, maior empresa industrial dos EUA
e mais outras 200 empresas e bancos.

Foi a segunda vez que o ESTADO salvou a economia americana.

A primeira foi em 1933 quando a Reconstruction Finance Corporation,
estatal criada por Roosevelt, emprestou dinheiro
para resgatar 8.000 bancos e empresas na esteira
da Grande Depressão, quando o “crash” da Bolsa de Nova York
quase liquidou para sempre a economia americana e mundial.

Em 1929 e 2008 o ESTADO mostrou que é infinitamente maior
como instrumento da economia do que o ‘mercado perfeito’,
mas nem isso mudou as mentes dos fanáticos de Chicago.

Financiado desde seu início pelo magnata do petróleo
John Rockefeller, em torno de 1890, a escola de economia
da Universidade de Chicago tem longa história baseada
em dois eixos: a competição perfeita que vem dos mercados
livres do Estado e o rígido controle do fluxo de moeda,
teoria que teve duas fases.
A primeira, de Irving Fisher, desaparecida com a crise de 29,
quando Fisher, um economista de reputação nacional disse
em entrevista que a “economia americana nunca esteve
tão sólida”, isso duas semanas antes da implosão da Bolsa
em 24 de outubro de 1929.
Com essa profecia furada foi-se embora também o monetarismo
de Fisher que renasceu nos anos 60 com Milton Friedman,
nova onda nascida nos cofres do CITIBANK, que financiou
as palestras e a revista de Friedman, história que descrevo
com detalhes em vários capítulos de meu livro de 2005,
MOEDA E PROSPERIDADE, edição Top Books, 900 paginas,
hoje esgotado, é um romance [sobre] como se constrói
uma teoria econômica de interesses.

No livro de Lanny Eberstein, uma monografia sobre a Escola de Chicago,
de 2015, ele destaca um fenômeno muito perceptível,
a “apropriação” que economistas medíocres formados
em Chicago fazem de seu credo que NÃO é exatamente
o neoliberalismo político que se prega em alguns países.

Friedman, por exemplo, inventou o conceito de “bolsa família”,
ele achava que os muito pobres tinham sim que ser amparados
pelo Estado, algo que os seguidores preferem esquecer.

No livro, Eberstein fala das preocupações sociais de Friedman
e Hayek, esquecidas pelos seus seguidores, que selecionam
na teoria o que lhes interessa.

O fato é que a “escola de Chicago” criou uma visão de economia
para o mundo anglo-americano, inaplicável para países
de estrutura econômica onde o Estado historicamente
tem um papel muito maior do que na Inglaterra e Estados Unidos.
Países de raiz mercantilista, como França e Alemanha
e mais ainda países com outras culturas econômicas
como Rússia, Índia e China.

A loucura é pretender, como alguns sectários, aplicar o “Chicagonomics” em países de outra tradição, sociedade e
formação, como o Brasil, onde desde o nascimento do País,
o Estado tem um papel central na economia, que nunca teve
na Inglaterra ou nos EUA.

Mas mesmo no seu berço de origem, o modelo de Chicago
já foi sepultado.
No último enterro o coveiro foi o banco Lehman Brothers.

O estranho é que, com todos esses resultados à vista
de qualquer indivíduo de mediana inteligência, ainda há
fanáticos da privatização e da moeda escassa, mesmo depois
de tantos desmontes desse modelo fracassado.

Como muito bem expõe o livro de Eberstein, o “quantitative easing”
acabou com o monetarismo na Europa e nos EUA, ele sobrevive
apenas no Banco Central do Brasil, tão atual como Templo Positivista
de São Lourenço, em Minas Gerais, onde a filosofia Positivista
desaparecida da França há cem anos ainda é cultivada com carinho.

Os saudosos do monetarismo de Friedman são convidados
a visitar o museu do Banco Central em Brasília, onde
se lembrarão do mestre e reverenciarão o único lugar
do mundo onde se pratica o culto à moeda escassa como religião.

Os visitantes aproveitarão a viagem para conhecer o país
do mundo onde se pratica o “monetarismo” religioso de
Friedman, sob a regência do Banco Central.
É isso que garante aos bancos brasileiros o maior lucro
do planeta sobre ativos, graças exatamente à escassez
de moeda que, ao mesmo tempo, garante os lucros
extraordinários do sistema financeiro e proporciona uma
recessão que dura quatro anos e uma monumental taxa
de desocupação de um terço da população economicamente
ativa, maior índice desde a Grande Depressão de 1929 na Europa e os EUA.

No Brasil, a Grande Depressão mundial provocou muito menos
desemprego do que a recessão de 2014, sob a regência de Joaquim Levy.

Desocupação, desemprego e recessão não preocupam
minimamente os seguidores de Chicago nos Estados Unidos
e muito menos no Brasil.

Esses fenômenos nem fazem parte de seus manuais.

Milton Friedman teria mais sensibilidade do que seus alunos,
era um monetarista com algumas preocupações sociais,
de visão mais ampla que seus seguidores e com a capacidade
da verdadeira inteligência, a de reconhecer erros e voltar atrás,
fez isso no fim da vida em conversas com Alan Greenspan,
seu amigo mas adversário intelectual.

Como é comum em tantas filosofias, ideologias, religiões,
crenças e teorias, os seguidores fora de seu berço são mais
fanáticos e radicais, enquanto no ninho original a crença
morre ou se recicla, na sua projeção para fora
a seita se estratifica, se mumifica no túmulo do fracasso.

Hoje nos EUA, até na própria Universidade de Chicago,
os preceitos do “Chicagonomics” têm menor fidelidade.

O legado de Friedman foi desmoralizado pela crise de 2008
e se mudou para a Universidade Carnegie Mellon de Pittsburgh,
onde seu herdeiro intelectual Alan Meltzler, falecido no ano passado, lecionava.

Agora o Brasil pode ser a nova rampa de re-relançamento do
“Chicagonomics” embalsamado, o único dos grandes países
emergentes outrora conhecidos como BRICS onde essa seita
pode caminhar fora do merecido túmulo, enquanto Rússia, Índia
e China crescem longe de teorias anglo-americanas
e praticando o dia a dia da política econômica de circunstância,
sem metas de inflação, privatizações, preocupação com dívida
em moeda nacional; e com bancos centrais a serviço do
crescimento e não da estagnação.

O Brasil sai dos BRICS e vira Área de Serviço de Washington, é a História.

https://jornalggn.com.br/artigos/ascensao-e-queda-da-escola-de-chicago/

Zé Maria

https://twitter.com/dilmabr/status/1162016631545049093
Por Sugestão da Presidente Dilma Rousseff:

https://www.pressreader.com/brazil/valor-economico/20190815/281685436485456

A MP do Estado Anarcocapitalista [ou “A Vanguarda do Atraso”]

‘Jair Bolsonaro prometeu a pequenos comerciantes
e empreendedores tirar a trava do Estado do caminho
de sua prosperidade.
Com a MP da Liberdade Econômica, o presidente
vai além do cumprimento de uma promessa de campanha.
Em apenas quatro meses fez passar na Câmara
uma iniciativa que ameaça a capacidade regulatória do Estado
e mina os freios contra o abuso do poder econômico.’

Por Maria Cristina Fernandes, no Valor Econômico

Jair Bolsonaro prometeu a pequenos comerciantes e empreendedores tirar a trava do Estado do caminho de sua prosperidade.
Com a MP da Liberdade Econômica, o presidente vai além do cumprimento de uma promessa de campanha.
Em apenas quatro meses fez passar na Câmara uma iniciativa que ameaça a capacidade regulatória do Estado e mina os freios contra o abuso do poder econômico.

A Câmara que, na reforma da Previdência, funcionou como
um contrapeso às medidas mais radicais do governo, desta vez,
se limitou a podar as selvagerias mais gritantes contra
o que restou da legislação trabalhista.
Sob o escudo de uma proposta que, aparentemente, não afeta
a vida da população, tornou-se sócia do anarcocapitalismo
que inspira a equipe sub-30 que o Paulo Guedes colocou
na secretaria de desburocratização do Ministério da Economia.

O texto aprovado tem a ambição de mudar os princípios
constitucionais que regem a atividade econômica.
Prevê que o Estado terá uma intervenção “subsidiária e excepcional” sobre o exercício de atividades econômicas.
A Constituição já prevê que o Estado apenas explore uma atividade econômica sob o imperativo da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo.
Mas estabelece que o Estado é agente regulador, devendo fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica (artigo 174).

https://twitter.com/mcfernandes/status/1161962031815233536

Os meninos maluquinhos que gestaram o texto da MP nunca devem ter se perguntado se um Estado subsidiário comporta, por exemplo, a Embrapa, empresa pública que fomentou a salvação da lavoura na balança comercial.

Ficam igualmente deslocadas, na definição de Estado prevista pela MP, as políticas de compras governamentais.

A de merenda escolar, usada pelo Estado há muitos anos
para incentivar a agricultura familiar, é apenas a mais inocente
na bilionária lista de compras do Estado, de aviões a tecnologias sensíveis.

Não bastou entregar a Embraer.
Trata-se agora de podar o Estado como parceiro do capitalismo nacional.
A despeito de ser tratada como a carta libertária do empreendedorismo tupiniquim, fica difícil encaixar esta MP
sob as asas do artigo 219 da Constituição:

“O mercado interno integra o patrimônio nacional
e será incentivado de modo a viabilizar
o desenvolvimento cultural e sócio-econômico,
o bem-estar da população e a autonomia tecnológica
do país, nos termos da lei federal.”

Foram princípios como este que embasaram a criação
do Fundo Soberano, em 2008 [no Governo Lula].
Proposto [pelo Governo Lula] ao Congresso em projeto de lei,
à luz de experiências como a da Noruega, para reduzir a vulnerabilidade financeira do país e fomentar projetos estratégicos,
acaba de ser extinto pela MP 881 sem que nenhuma urgência
o justificasse.

Alessandro Octaviani, professor de direito econômico da USP,
duvida da eficácia da MP sobre a atividade da economia
e da capacidade de a sociedade comportar um impacto
tão unilateral nas relações contratuais.
Por isso, espera o veto dos tribunais: “A MP não alberga as grandes questões contemporâneas de uma sociedade solidária,
está em desacordo com a ordem econômica constitucional
e tende a gerar litígios em série.”

Para barrar a MP, o Supremo teria que fazer uma inflexão
na toada liberal que vem marcando a atuação da Corte
nos últimos tempos.

É uma guinada mais difícil do que aquela que marca o freio
no lavajatismo, exemplificado pelo 9×1 contrários à transferência
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo artigo
“Tempos de Weimar”, do ministro Luiz Fachin, no Valor (12/6).

Ainda está por ser gestada uma reação aos instintos primitivos
do capitalismo bolsonarista para fazer mover o Supremo
nessa direção, apesar de não faltarem indícios de que a Carta
foi atropelada pela tenebrosas transações desta medida,

O time sub-30 de Guedes, ignora, por exemplo, o fato de que
os contratos mediam não apenas relações econômicas,
mas de poder.
O texto estabelece que os contratos civis e empresariais
são paritários e simétricos, ressalvada prova contrária.

À luz desta MP dá para imaginar o que pode vir a se transformar,
por exemplo, a terceirização dos benefícios do INSS.

O governo pretende acabar com o monopólio estatal na gestão
de benefícios como auxílio-doença, acidente de trabalho
e salário maternidade.

Apenas aposentadorias e pensões ficariam sob gestão pública.

Este é um mercado de R$ 130 bilhões, cobiçado por todas
as seguradoras do planeta.

Em muitos países, a gestão desses benefícios é privada
mas o diabo mora nos detalhes dos contratos que os regulam.
Estado pode contratar o seguro para repassá-lo ao cidadão ou
o contrato pode ser feito diretamente com as seguradoras.

Ambas as alternativas, se não forem bem reguladas, abrem
uma avenida para apólices que podem minar a sobrevivência
de milhões de brasileiros.

O país chegou no limiar de um mercado dominado
pelas grandes resseguradoras estrangeiras em que as
empresas nacionais viraram quase que meras vendedoras
de seguro, sem um quadro jurídico que discipline esses contratos.
É nesse deserto de garantias que chega esta medida provisória
com a ideia de um mundo encantado de contratos entre iguais,
contrariando, mais uma vez, a norma constitucional que
protege o abuso do poder econômico com vistas à “dominação
dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento
arbitrário dos lucros”.

No filme, “Eu, Daniel Blake”, do cineasta britânico Ken Loach,
um marceneiro de meia idade sofre um ataque cardíaco
depois de perder a esposa. É proibido pelos médicos de voltar
a trabalhar e, para se sustentar, vai atrás de seu seguro por invalidez.
A privatização do sistema em nada desburocratizou a concessão
do benefício, dificultado ao máximo. A saga do personagem
para obtê-lo fez do filme quase que um prenúncio do humor
que marcaria o Brexit, em 2018, e, no ano seguinte, colocaria
Boris Johnson no poder.

No Brasil, a ordem foi inversa.
A ascensão do populismo de Jair Bolsonaro precedeu
o desmonte do Estado provedor.
Este foi o contrato de casamento entre o presidente
e seu ministro da Economia.

Agora as mentes colonizadas e maluquinhas que ascenderam
ao poder com Bolsonaro ou aquelas bem mais estabelecidas
que fazem dele a carona de ocasião, podem, sim, se orgulhar
de ter colocado o Brasil na vanguarda. Do atraso.

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