“Não trabalhei em gabinete nenhum”, diz contratada por Carlos Bolsonaro na Câmara, que morava a 185 km do Rio

Tempo de leitura: 3 min
Reprodução

Carlos Bolsonaro empregou 17 pessoas com laços familiares no gabinete na Câmara do Rio, desde 2001

Justiça determinou a quebra de sigilo do vereador no inquérito sobre funcionários fantasmas e rachadinha

De O Globo

RIO — O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) empregou 17 pessoas que tinham laços familiares com outro funcionário no gabinete dele na Câmara do Rio, desde 2001, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

A investigação do Ministério Público do Rio sobre contratação de funcionários “fantasmas” no gabinete de Carlos começou a partir de reportagem da Época de junho de 2019, que revelou que o vereador empregou a madrasta Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, e mais sete familiares dela. Dois admitiram à reportagem nunca ter trabalhado na Câmara, embora estivessem nomeados.

Após dois anos de apuração, a Justiça determinou, nesta terça-feira, a quebra dos sigilos fiscal e bancário do vereador, após o MP apontar indícios de que o esquema de rachadinha (devolução de todo ou parte do salário de funcionários) possa ter ocorrido também no gabinete de Carlos.

Em 2001, no primeiro ano de seu primeiro mandato, Carlos nomeou Ana Cristina Valle como assessora-chefe, o principal cargo do gabinete, com um contracheque que, atualizado pela inflação, agora alcança cerca de R$ 22.900, entre o salário bruto e os penduricalhos pagos, como dedicação legislativa, auxílio-alimentação, transporte, entre outros. Lá, ela trabalhou até a separação de Jair Bolsonaro, em 2008.

Ana Cristina trouxe consigo sete familiares. A reportagem constatou, porém, que alguns deles jamais moraram no Rio ou pisaram no Palácio Pedro Ernesto, onde trabalham os vereadores na Cinelândia.

Cunhada de Ana Cristina, Marta Valle passou sete anos e quatro meses lotada no gabinete de Carlos Bolsonaro, mesmo morando em Juiz de Fora, no Sul de Minas Gerais, a 185 quilômetros do Rio. Em teoria, para trabalhar, ela teria que percorrer o trajeto em duas horas e meia. Mas, como ela própria admite, nunca trabalhou na Câmara de Vereadores.

‘Nunca trabalhei’

“Não trabalhei em nenhum gabinete, não. Minha família lá que trabalhou, mas eu não”, disse ela. Marta, porém, passou sete anos e quatro meses lotada no gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara dos Vereadores do Rio.

Marta Valle não foi a única a viver em Minas e ser nomeada como funcionária do vereador. O pequeno empresário Gilmar Marques — que foi companheiro de Andrea Siqueira Valle, fisiculturista e irmã de Ana Cristina Valle — foi nomeado dia 4 de janeiro de 2001, mesmo vivendo em Minas. O cargo era DAS-7. Com correção inflacionária do período, o salário bruto é de R$ 7.900, e com os eventuais adicionais o total chegaria a R$ 14 mil.

A nomeação de Marques perpassa mandatos. A exoneração só aconteceu sete anos e três meses depois, em 1º de abril de 2008. Assim como Marta, ele também negou ter trabalhado na Câmara com Carlos.

Leia ainda:Justiça quebra sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro em investigação sobre funcionários ‘fantasmas’ na Câmara do Rio

O gabinete do vereador abrigou ainda um militar de confiança que teve parte da família empregada. Desde 2001, o sargento da reserva do Exército Edir Barbosa Góes conseguiu cargos para a esposa Neula, a irmã Nadir e os dois filhos, Rodrigo e Rafael.

Em 2019, o GLOBO falou com Rafael, que é nutricionista, e questionou se havia trabalhado na Câmara Municipal. Ele disse que “não”. Dias depois, confrontado outra vez com a informação, disse que “estava na correria” e mandou a reportagem falar com o atual chefe de gabinete. Em abril, o jornal “Folha de S. Paulo” já havia revelado que Nadir, mesmo nomeada no gabinete de Carlos entre 2008 e janeiro deste ano, disse que jamais trabalhara para o vereador.

Também possuem relação de parentesco Diva da Cruz Martins e a filha Andrea. A primeira esteve lotada entre fevereiro de 2003 e agosto de 2005 e a segunda, de 2005 até fevereiro de 2020. Em novembro de 2013, no entanto, quando Andrea deu entrada nos papéis de seu casamento no cartório de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela identificou-se como “babá”.

Já Diva, ao ser questionada pelo GLOBO se tinha trabalhado na Câmara, negou:

— Não. Nunca.

Ao ser informada que seu nome constava entre os assessores, reagiu com ironia:

— Que bom que aparece (o nome) — finalizou, entrando em casa.

O salário bruto médio real de Diva no período foi de R$ 9 mil e o de Andrea, R$ 10,7 mil.

Mulher do chefe de gabinete

Em 2019, uma das funcionárias mais antigas do gabinete de Carlos também não era conhecida no local de trabalho. Nomeada no dia 1º de abril de 2001, Regina Célia Sobral Fernandes, mulher de Jorge Luiz Fernandes, chefe de gabinete do vereador, foi procurada pelo GLOBO na Câmara.

Um funcionário afirmou não conhecer nenhuma Regina que trabalhasse no local. Procurada diretamente pelo telefone, ela se esquivou dos questionamentos duas vezes e encerrou a ligação. O salário bruto médio real dela desde 2001 é de R$ 7,4 mil.

Antes de ser nomeado no gabinete de Carlos, o marido de Regina trabalhava como assessor de Jair Bolsonaro, em Brasília. No gabinete do então deputado federal, o atual chefe de gabinete de Carlos foi nomeado junto com outros dois familiares: o cunhado, Carlos Alberto Sobral Fernandes (de 1995 a 1997) e a ex-cunhada Maria Janice Andrade Franco, que ficou lotada de 1991 até setembro de 2000.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

Esses Eufemismos – “Rachadinha”, “Picaretagem”,
“Falcatrua” – mencionados pela Mídia Venal
atendem pelo Nome de “PECULATO” no
Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940):

TÍTULO XI – Dos Crimes contra a Administração Pública
CAPÍTULO I – Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração em Geral

Peculato
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de
dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular, de que tem a posse em
razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio
ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário
público, embora não tendo a posse do dinheiro,
valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que
seja subtraído, em proveito próprio ou alheio,
valendo-se de facilidade que lhe proporciona
a qualidade de funcionário.

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529748/codigo_penal_1ed.pdf

Zé Maria

Thread Reader

https://threadreaderapp.com/thread/1432887552017580033.html

Deixe seu comentário

Leia também