MP da grilagem das terras indígenas: Pressão funciona, Maia retira de pauta; MPF reitera que é inconstitucional

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Fotos: Cimi, Câmara dos Deputados, MST

#MP910NÃO

Mobilização social pressiona parlamentares e MP 910 é retirada de pauta

Na semana que vem o tema poderá voltar a ser discutido na casa, como de projeto de lei

por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do CIMI

Após dias de mobilização do movimento indígena, indigenista e ambientalista, a Medida Provisória 910/19 foi retirada de pauta da Câmara dos Deputados na noite de ontem (13).

O texto não apresentava consenso entre parlamentares.

A mobilização de movimento sociais, de direitos humanos, ambientais e artistas foi fundamental para que a Câmara não votasse à medida editada pelo Governo Bolsonaro, em dezembro do ano passado, que tem por objetivo legalizar o esbulho e grilagem de terras públicas.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirma que o tema poderá entrar na pauta da casa na semana que vem como projeto de lei. A medida seguiria com a mesma base apresentada na Medida Parlamentar pelo relator, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).

“É o resultado da mobilização feita contra a votação dessa medida que é extremamente nociva ao campo brasileiro”

A retirada da MP 910 da pauta de votação na Câmara, fez com que a proposta perdesse validade.

Maia argumentou “se não fosse o enfrentamento ideológico entre parlamentares ambientalistas e ruralistas, eu tenho certeza que hoje todos estaríamos aprovando o texto do relator”.

Antônio Eduardo Cerqueira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), esclarece que a retirada da MP 910/19 da pauta de votação da Câmara dos Deputados, “demonstra fator positivo da mobilização feita contra a votação dessa medida que é extremamente nociva ao campo brasileiro”.

Ele ainda lembra que a medida foi “protelada para semana que vem, significa que a mobilização vai continuar, até porque, como medida provisória ou projeto de lei, essa matéria precisa de fato ser embargada”.

Há um movimento crescente de artistas, juristas, movimentos sociais, organizações contra o defendido por parlamentares ligados a bancada ruralista, que impulsiona o desejo de anistiar os crimes de grilagem.

“Nós continuamos a mobilização, sabemos que os ruralistas e o Governo Bolsonaro não vão desistir dessa intervenção no campo em favor de seus interesses, mas, nós também não vamos desistir”, afirma secretário do Cimi.

“Texto da MP aumentará ainda mais as invasões e por consequência, os conflitos nas áreas das comunidades tradicionais”

Fazenda Maanain com desmatamento sem licença ambiental de aproximadamente 25 mil hectares do Cerrado brasileiro. Foto: Divulgação

Parlamentares cobraram do legislativo maior previsibilidade na pauta e o cumprimento do acordo de que as votações remotas seriam exclusivamente de temas relacionados ao novo coronavírus.

Em meio a pandemia, a aprovação da MP aumentaria as invasões, o desmatamento e acentuaria, ainda mais, a violência no campo, além de aumentar exponencial do risco de contaminações e mortes por coronavírus em terras indígenas.

Sobre a MP 910

Editada em dezembro do ano passado, a MP pretende anistiar crimes de invasão de terra pública praticados até o final de 2018.

Para analistas o texto da medida aumentará ainda mais as invasões e por consequência, os conflitos nas áreas das comunidades tradicionais, – indígenas, quilombolas, camponesas, sem-terra, ribeirinhos, extrativistas -, acentuando ainda mais a violência no campo.

Seja na forma de medida provisória ou projeto de lei. A MP 910/19 é uma medida nefasta, autoritária, que ataca a democracia e a soberania nacional e vem num período totalmente impróprio, que irá beneficiar os setores ligados ao agronegócio e a bancada ruralistas.

Unindo-se a outros instrumentos adotados pelo governo Bolsonaro, a MP afronta o Estado de Direito, promovendo dilapidação do patrimônio público do Estado brasileiro.

As terras públicas, modo particular as terras indígenas, então entre as mais agredidas e atacadas de forma direta e constante pelo Governo brasileiro.

Mulheres Guarani e Kaiowá protestam em frente ao STF. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

MPF recomenda à Funai que devolva ao Ministério da Justiça procedimentos de regularização de 27 terras indígenas

MPF reafirma inconstitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas
Análise feita pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF demonstra que direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas independe de marco temporal

por Assessoria de Comunicação do MPF 

O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nessa quarta-feira (13) nota técnica em que reafirma a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que condiciona a demarcação de territórios indígenas à ocupação do local na época da promulgação da Constituição de 1988 ou à comprovação de que a população foi removida da área à força, sob resistência persistente – o chamado “esbulho renitente”.

Elaborado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), o documento demonstra que a tese afronta expressamente a Constituição Federal, que assegura o direito originário das populações indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.

A nota técnica apresenta uma análise dos aspectos jurídicos da tese em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1031).

Nela, a 6CCR salienta que o art. 231 da Constituição reconheceu o direito dos indígenas à posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles como uma norma jurídica primária e preexistente, sem a definição de “marcos” subsequentes.

Além disso, aponta que a CF relacionou a posse indígena à tradicionalidade, ou seja, aos hábitos, usos e costumes dessas populações.

Sob essa perspectiva, a 6CCR afirma que Constituição Federal aproximou o conceito de terra indígena à noção de identidade coletiva, de modo que a “tradicionalidade” não se relaciona a um marco no tempo.

Assim, defende que o Estatuto Indígena seja interpretado de modo independente do ordenamento jurídico civil, priorizando uma abordagem antropológica sobre a tradicionalidade das terras indígenas.

De acordo com a nota técnica, “é preciso despir-se dos conceitos ordinários do Direito Civil e dispor-se ao desafio proposto pelo Constituinte de 1988, qual seja, interpretar a fruição da propriedade imobiliária da União e a posse indígena à luz dos paradigmas multiculturais decorrentes dos diferentes usos e costumes indígenas”.

Patrimônio público – O MPF lembra ainda que a Constituição de 1988 reconheceu os territórios indígenas como parte da propriedade imobiliária da União.

“Dessa forma, o Constituinte atribuiu à União obrigação de proteger, fiscalizar e fazer respeitar as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, bem como todos os seus bens, inclusive os imateriais, o direito à organização social, costumes, crenças e tradições de cada povo”, destaca o documento.

Com base na análise apresentada, a 6CCR defende que a tese do marco temporal seja definitivamente refutada pelo Supremo Tribunal Federal, por expressa afronta ao art. 231 e seus parágrafos da Constituição da República e sua incompatibilidade com o conceito de posse tradicional adotado por ela.

Esta é a segunda nota técnica sobre o tema elaborado pela 6CCR. Em 2018, o órgão se posicionou contrariamente ao Parecer Normativo 001/2017 da Advocacia Geral da União, que estabelecia a adoção da tese do marco temporal


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