Maurício Korenchendler: Quando a acusação de antissemitismo é para calar o debate sobre Israel

Tempo de leitura: 4 min
O avanço de Israel sobre o território palestino sugere que os "esforços de paz" são apenas cobertura para avançar a cerca

A ACUSAÇÃO DE ANTISSEMITISMO COMO CENSURA ÀS ESQUERDAS NO DEBATE SOBRE ISRAEL

Por Maurício Korenchendler

O presente texto tem como escopo enunciar a realidade das tensões interiores dentro de uma suposta esquerda judaica frente à crítica contra as práticas políticas de segregação perpetradas por Israel contra os palestinos.

O uso oportunista do antissemitismo contra as esquerdas
Na militância de esquerda, encontramos exemplos de utilização oportunista de questões importantíssimas, como a luta contra o machismo, racismo, homofobia que fazem parte de uma estrutura desenvolvida ao longo dos séculos.

Superar tais mazelas não é tão simples quanto creem os mais radicais defensores da linguagem como criadora da realidade.

Assim como o capitalismo, por meio de sua ideologia liberal hegemônica, condiciona nossas relações sociais, as ideias machistas, homofóbicas e racistas também fazem parte desse condicionamento.

Na disputa política, portanto, precisamos identificar o campo que se encontra disposto a superar tais desvios e o que trabalha para a perpetuação da estrutura opressora e de dominação.

Nesse sentido, a ação transformadora, dentro de determinado limite do campo da esquerda, deve ser pautada de forma pedagógica e não punitiva ou meramente acusatória.

O viés punitivista e o viés inquisidor são características estruturais utilizadas para criminalizar e cercear a classe trabalhadora.

O Brasil é um país altamente conservador que comporta todos os tipos de preconceitos e a acusação contra tudo e todos faz com que caiamos em um paradoxo da luta contra a dominação.

Isso porque, mesmo no campo da esquerda estamos sujeitos à influência da reprodução da estrutura em que estamos inseridos.

Daí a importância de se estabelecer um limite cristalino sobre que campo está disposto a um constante processo de autocrítica (e não de autofagia) e qual nega veementemente essa possibilidade, permanecendo em vãs defesas retóricas.

É claro que a direita se nega a debater as questões estruturais, limitando-se a pautá-las como questões solucionáveis apenas pelo indivíduo.

O uso oportunista dentro do campo da esquerda é a imposição de chagas eternas, perpétuas, que não resolvem a questão, aumentando as fileiras inimigas, sem propor uma permanente reflexão sobre aspectos tão importantes e urgentes da vida social, econômica e política.

Dentro das opressões estruturais, uma em especial tem sido bastante utilizada de forma oportunista: o antissemitismo.

Quem subscreve o presente artigo é um judeu que observa a utilização oportunista do antissemitismo para censurar qualquer crítica mais contundente da esquerda contra as ações do governo israelense.

Enquanto judeu brasileiro e de esquerda teço criticas contra as práticas imperialistas de Israel que não podem ser excluídas por certas conveniências.

A acusação de antissemitismo contra qualquer crítica às políticas de ocupação e agressão praticadas pelo Estado de Israel visa desviar-se do conteúdo, focando exclusivamente na forma.

É por essa razão que, por exemplo, qualquer nota de repúdio às ações israelenses é refutada por judeus que se dizem de esquerda como sendo antissemita.

Desta forma, se silencia sobre as mortes palestinas e se acusa, com intuito de censurar, encerrando o debate, de antissemitismo qualquer rechaço as práticas criminosas de Israel.

Essa tática, além de censurar, tem como base de sustentação a equiparação formal desenvolvida por intelectuais, financiados pela CIA, de comunismo e nazismo como dois extremos que se equivalem.

Sob essa lógica cria-se a teratológica afirmação de que existe antissemitismo de esquerda e de direita. Nada mais equivocado.

O que existe é antissemitismo atrelado à estrutura, isto é, antissemitismo estrutural. E o que diferencia a influência estrutural do antissemitismo é a forma como a esquerda e direita lidaram e lidam historicamente com isso.

E o nazismo, como ideologia da direita, é o melhor exemplo de como ela absorveu o tema.

Na realidade a postura acusatória de antissemitismo está a serviço das elites, uma vez que avaliza o projeto de fundamentalistas judeus, não à toa hoje bem próximos dos fundamentalistas evangélicos, permitindo a fuga do debate sobre a expansão de ocupações de terras palestinas por Israel e da própria laicidade dos Estados.

Noam Chomsky, com base em artigo escrito pelo então embaixador israelense na ONU, Abba Eban, e publicado em jornal de ala liberal da Comunidade Judaica, indicou as táticas dessa política de esvaziamento do debate sobre as condições e políticas reais israelenses [1].

Segundo Eban, os defensores de Israel deveriam adotar duas posturas contra os críticos de sua política de ocupação, expansão e massacre: acusar os críticos não judeus de antissionistas, equivalendo-os a antissemitas, e taxar de loucos com distúrbios psiquiátricos os judeus que criticassem a política israelense.

Essa prática se aperfeiçoou perversamente já que quem subscreve o presente texto já foi acusado até de traidor, apenas por rechaçar a morte de palestinos pelo exército israelense.

Nesse sentido, os debates importantes e profundos são desviados, foca-se na forma de um argumento e não em seu conteúdo, como se a negação de uma realidade pela linguagem fosse suficiente para acabar com as opressões.

Outro intelectual judeu que aprofunda o debate estabelecendo equiparações sobre entre os Estados raciais da Alemanha da década de 30 e o Estado de Israel é Norman Finkelstein [2], cuja postura crítica ao Estado de Israel lhe rende inúmeros ataques.

No início do livro “A Nova Segregação: racismo e encarceramento em massa”, Michelle Alexander reconhece que a essência da segregação racial nos Estados Unidos permanece com novas formas.

E essa lógica pode ser utilizada de forma ampliada, inclusive, no debate sobre a questão Israel/Palestina.

Domenico Losurdo trouxe reflexões sobre as práticas atualizadas de genocídio e segregação do final do século XX (que permanecem no século XXI), como, por exemplo, os embargos econômicos que impõem a todo o povo de um país uma situação de sub-humanidade e negação de dignidade e autonomia.

E este debate importantíssimo é colocado em segundo ou terceiro plano, inclusive, no meio intelectual que possui hoje os vezos de foco na forma e desvio do conteúdo.

Fica evidente que a tática de distorção do foco sobre temas importantes, como a política imperialista de Israel contra o povo palestino, constitui um dos elementos do projeto político dominante.

A realidade deve sempre ser enfrentada para, então, ser transformada.

Como disse Lenin, em um de seus famosos discursos, o antissemitismo faz parte da estrutura dominante que tem por intuito dividir e confundir a classe trabalhadora [3] na luta contra seus verdadeiros inimigos: os capitalistas sejam eles judeus, cristãos ou pagãos.

Referências

[1] https://www.youtube.com/watch?v=gElufWkt_pI

[2] https://www.youtube.com/watch?v=NeSyG74MDis

[3] https://www.youtube.com/watch?v=3HL6236mBdU


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Comentários

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Zé Maria

O Trecho abaixo da Declaração de Independência de Eretz-Israel (*),
datada de 14 de maio de 1948 (“véspera de Shabbath, em 5 de iyar
de 5708, de acordo com o Calendário Judaico) e assinada em Tel-Aviv
pelos 37 Membros do “Conselho Popular”**, sob o Comando de
David Ben-Gurion, Líder do “Movimento Sionista Socialista”
e Fundador do Partido Trabalhista Sionista Original (MAPAI) – que
governou Israel desde 1948 até 1968 – poderia ser atualizado, adaptado
e aproveitado pelos Palestinos segregados pelo Governo Fascista da
Teocracia Israelense:

“No dia 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas
aprovou a Resolução [181] do estabelecimento de um Estado Judeu em
Eretz-Israel; a Assembleia Geral requereu aos habitantes de Eretz-Israel
tomarem as medidas necessárias para a implementação desta Resolução.

Este reconhecimento das Nações Unidas pelo direito de o povo judeu estabelecer
o seu Estado é irrevogável.
Este é o direito natural de o povo judeu ser mestre de seu próprio destino, como todas as outras nações, em seu próprio Estado soberano.

De acordo, nós, membros do Conselho do Povo, representantes da Comunidade
Judaica de Eretz-Israel e do Movimento Sionista, estamos aqui reunidos no dia
de término do Mandato Britânico sobre Eretz-Israel e, por virtude de nossos
direitos naturais e históricos e pela força da resolução da Assembleia Geral das
Nações Unidas, aqui declaramos o estabelecimento do estado judeu em Eretz-
Israel, a ser conhecido como Estado de Israel.

Declaramos que, vigorando a partir do término do Mandato a esta noite, véspera
de Shabbath, 6 de iyar de 5708 (15 de maio de 1948), até o estabelecimento das
autoridades eleitas, regulares do Estado em acordo com a Constituição que será
adotada pela Assembleia Constituinte Eleita no mais tardar em 1º de outubro de
1948, o Conselho do Povo atuará como Conselho Provisório do Estado, e seu
órgão executivo, a Administração do Povo, será o Governo Provisório do Estado
Judeu, a ser chamado “Israel.”

O Estado de Israel será aberto para imigração judaica e para a o recebimento
de exilados;
patrocinará o desenvolvimento do país para o benefício de todos os seus habitantes;
será baseado na liberdade, justiça e paz como imaginado pelos profetas de Israel;
garantirá liberdade de religião, consciência, língua, educação e cultura;
respeitará os lugares sagrados de todas as religiões; e
será fiel aos princípios da Ata das Nações Unidas” …

*Íntegra: (https://bit.ly/2VzZME5)

**Moetzet HaAm, Conselho do Povo, o Parlamento Provisório
constituído à época por representantes da Comunidade
Judaica de Eretz-Israel – sob o domínio da Grã-Bretanha –
e do Movimento Sionista de todas as forças políticas do
espectro ideológico israelense, de Revisionistas da Direita
(que mais tarde viriam a formar o Likud, Partido Fascista
que atualmente está no Governo de Israel com um programa
explícito de invasões das terras palestinas e repressão em Gaza)
a trabalhistas, socialistas e até comunistas, para votar os termos
da Declaração de Independência de Israel.

https://nacoesunidas.org/palestina/contexto/
https://operamundi.uol.com.br/historia/2114/hoje-na-historia-1947-onu-aprova-partilha-da-palestina-entre-arabes-e-judeus

https://en.wikipedia.org/wiki/Poale_Zion
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mapai
https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Trabalhista_(Israel)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Mapam
https://pt.wikipedia.org/wiki/Meretz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hadash
https://pt.wikipedia.org/wiki/Balad_(partido)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sionismo_trabalhista
https://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_judaico

Jair de Souza

Louvo o posicionamento prático exposto por Maurício Korenchendler neste artigo, embora não entenda em que ele se baseia para considerar-se judeu. Se ele professar a religião judaica, minha incompreensão já não vai existir. Para mim, judaísmo, assim como cristianismo, islamismo, budismo, etc., são religiões, e não raças.

Por que deveria de haver uma identificação necessária entre as pessoas oriundas de várias partes do mundo (muitas delas ateias, diga-se) com o Estado de Israel com a argumentação de que estão defendendo suas origens?

Nada mais falso que isso. Tendo a concordar com a ideia do historiador israelense Shlomo Sand de que a luta centrada na eliminação do Estado de Israel não vai conduzir à solução do conflito criado a partir da invasão daquelas terras por gente de fora (em sua imensa maioria europeus) que se arvoraram em defensores de um direito divino no qual a maioria deles (até por não serem religiosos) nunca acreditaram. Agiram por puro oportunismo.

Mas, em consonância com Shlomo Sand, o Estado de Israel está aí, sendo uma das maiores potências militares do planeta. Apesar de toda a injustiça que significou a criação desse estado às custas de um povo que nunca fora responsável pelos sofrimentos dos judeus no mundo (e muito menos dos judeus da Europa), pragmaticamente falando, a luta para eliminá-lo é algo quase que impossível de vir a ser bem sucedida.

Tudo bem, é triste, mas é a realidade. A origem de outros países, como os Estados Unidos, também estão marcadas por monstruosidades e crimes abomináveis contra os povos que ali já habitavam, de modo parecido aos que se sucederam na formação do Estado de Israel. Nem por isso estamos pedindo a destruição dos Estados Unidos, da Austrália, do Canadá, etc.

O que a gente deve pedir, ou melhor, exigir, é que o Estado de Israel deixe de ser um estado racista e teocrático (mesmo para os teocratas sem religião que se dizem judeus) que pertence exclusivamente aos integrantes da religião oficial (ainda que que eles sejam ateus) e passe a ser um estado de todos os seus cidadãos, independentemente de suas religiões ou origens étnicas. O Brasil não tem muito a oferecer ao mundo como modelo de nação a seguir, mas, nesta questão, podemos servir. Todos os cidadãos brasileiros nascidos aqui são teoricamente considerados como detentores dos mesmos direitos (digo teoricamente porque, na prática, a realidade não é bem assim). Nos processos eleitorais, os votos são contados com o mesmo valor, independentemente da cor, origem étnica , ou religião, do eleitor.

Há muito tempo, na verdade, desde sua fundação, o Estado de Israel vem se caracterizando pela prática do racismo, da discriminação contra o povo palestino. Identificar-se com tal estado é uma abominação, mesmo para aqueles que se dizem judeus. Para os que querem se considerar de esquerda e humanistas, a abominação é muitíssimo maior.

a.ali

texto perfeito! pensei que era só eu a pensar assim pelo que certos “amig@s” muito me criticaram pela posição

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