Mário Rocha: Os falsos liberais brasileiros em confusão mental

Tempo de leitura: 8 min
"A regra do teto, na verdade, já não existe mais. Quem acabou com ela chama-se Paulo Guedes, com uma série de emendas à Constituição", diz Felipe Salto, secretário da Fazenda de São Paulo. Foto: Marcos Corrêa/PR

A confusão mental dos supostos liberais brasileiros

Por Mário Rocha

Existe uma extrema confusão quando se fala em liberalismo no Brasil. Da
esquerda à direita.

Neste artigo, vou focar nos absurdos contidos no discurso autoproclamado liberal de direita que, de liberal, não possui absolutamente nada.

Falarei sobre o liberalismo de esquerda em outra oportunidade.

Stuart Mill, John Locke, Schopenhauer, Russeau, Hayek e até Voltaire falsificado.

Estes teóricos são frequentemente citados pelos supostos liberais de direita aqui no Brasil mas, na prática, o que é executado é bem diferente da teoria.

O liberalismo, ao longo da história, foi um dos pilares do estabelecimento de alguns direitos básicos, pelo menos na teoria.

O artigo quinto da constituição, que versa sobre direitos humanos fundamentais, vem do liberalismo.

A mesma coisa aconteceu no método científico.

O problema é que, na prática, o liberalismo puro e justo nunca aconteceu.

Não há exemplo na História!

Aqui no Brasil, os liberais dizem que vender empresas estatais altamente
lucrativas é algo bom pro país. Até se for com preço abaixo da avaliação. Como defender algo tão irracional?

Dizem que empresas privadas são sempre melhor administradas e, com o
crescimento resultante, acabam pagando uma quantidade maior de impostos.

Trocam o somatório do lucro com os impostos, quando pública, pelos impostos sem o lucro, quando privatizada.

Os liberais brasileiros não percebem que empresas públicas dando lucro
significam menos impostos a serem pagos.

Dizem que empresas privadas são sempre mais honestas que empresas públicas.

Ora, para existir corrupção, em qualquer lugar, é necessária a existência de uma empresa privada.

Mas é possível haver corrupção sem a existência de qualquer empresa pública.

Não vou ficar aqui me extendendo sobre o fato de que as empresas mais
inovadoras, tecnológicas, sólidas e competentes do mundo são estatais norte-americanas, chinesas, israelenses e brasileiras.

Empresas como a Nasa, a Petrobras, o Banco do Brasil e a Embrapa,
vanguardistas em seus setores.

Em seguida, pegando o rastro das grandes descobertas estatais, num caminho tecnológico já aberto, custoso e extremamente difícil, aparecem empresas privadas como a SpaceX, que não estariam onde estão não fossem os projetos criados a partir da escuridão total pelas estatais.

Projetos de altíssimo custo, onde empresas privadas morrem de medo de entrar.

Projetos interdisciplinares, intersetoriais e que aconteceram muitas vezes por etapas que, depois de um bom tempo, coincidiram.

Um contexto que dificulta para empresas que visam lucro em primeiro lugar.

Pode até ser que isso mude um dia, mas sempre foi assim, desde os satélites, o rádio, a televisão e a internet. Os grandes saltos no escuro sempre foram estatais.

Dizem que o governo não deve interferir, quando achar necessário, em empresas estatais. Este discurso é estranho e pode servir até como sabotagem do viés político individual e coletivo, fazendo com que as pessoas não usem o senso crítico político para analisar as situações.

A Política não é separada das técnicas, são coisas que andam juntas. Aliás, a Política é a mãe de todas as ciências. A técnica é uma parte da Política.

Todos os assuntos do mundo devem ser analisados também por seu viés político, mais amplo. Quem quer fazer esta separação está, na verdade,
tentando criar desordem, manipulação e desinformação.

Na Petrobras, chamam de interferência tudo que é diferente do que pensam. Hoje a empresa está infestada de conselheiros indicados com viés supostamente liberal, aplicando o modelo que eles mesmos acreditam, mas que a população não aprova.

Para estes indivíduos, aplicar o modelo que eles acreditam é algo puramente técnico. Dizem que o modelo que defendem é a mais
pura sofisticação técnica.

Estes conselheiros recebem salários altíssimos.

Coisa que dizem ser contra quando é no setor público. Política é só o que os defensores do outro modelo fazem. Aqueles que aumentaram o valor da empresa em dez vezes, com combustíveis custando a metade.

Aliás os cargos comissionados estão mais fortes do que nunca. À quem interessa reduzir os cargos concursados? Será que são aqueles que gostam de fazer indicações sem qualidade técnica?

Criam-se os funcionários de governo e não do Estado. Os liberais não realizaram isto ainda? Continuam defendendo Estado mínimo e qualidade de serviços públicos ao mesmo tempo?

Posam de técnicos imparciais, mas o que fazem é pura interferência política. Com o dedo apontado para os outros. O que é a política de preços dos combustíveis, que segue os preços internacionais, senão uma explícita interferência no modelo político?

Tentam vender nossas empresas públicas à qualquer custo. Sabotam-as. Pagam dez bilhões para fundos abutres, sem recorrer judicialmente. E agora já planejam a segunda rodada de “processos” nos EUA contra a empresa.

Pra quem não sabe, quando se compra uma ação de uma empresa, o comprador é avisado de que existem riscos políticos inerentes à operação, antes de prosseguir. Estes processos são fraudes.

Não cabe processar uma empresa por mudança política. É um direito de qualquer empresa. Isto é intrínseco e inerente à gestão. É algo básico e elementar.

Não se trata de conformidade ou governança. É um direito de qualquer empresa. Me espanta perceber que existem pessoas que se dizem liberais e não defendem o direito das empresas, sejam públicas ou privadas,
escolherem o modelo político que mais convém.

Além dos abutres, li que existem os urubus de privatização. Eles ficam esperando qualquer deslize das estatais para, sem qualquer reflexão ou sugestão de conserto, sugerir diretamente a venda de toda a companhia, com todo o lucro incluso, de forma acrítica.

Liberalismo é a Petrobras atuando para fomentar o desenvolvimento nacional, com combustíveis baratos, para que haja liberdade e justiça econômica nos setores, concorrência entre grandes e pequenas e transparência e previsibilidade nos custos dos insumos.

Tem outra coisa sobre o petróleo que está meio escondida. Tem muito economista no Brasil que diz que é uma matéria-prima do passado, que precisamos vender as reservas rapidamente porque em breve estarão obsoletas.

Eu acho este discurso até constrangedor. O petróleo é a matéria de uma infinidade de produtos, quase tudo que está ao nosso redor. A maioria dos
produtos possui pelo menos uma pequena fração da sua composição feita com petróleo.

Não é possível transformar um barril de petróleo em apenas um produto.

Cada barril é subdividido, de forma fixa e porcentual, entre todos os seus derivados. Ou seja, é uma riqueza que ainda vai ser útil e perdurar por séculos.

Tem “empresário” no Brasil, que participou deste governo, dono de locadora de veículos, que compra veículos novos com isenção fiscal, aluga por dois ou três anos e depois ainda vende mais caro do que comprou. Posa de liberal meritocrático e privatizador. Isto é liberalismo?

Mas este senhor está em evidência por aí ditando regras “liberais”.

Defendem que taxar grandes fortunas é prejudicial ao país, mas estas fortunas não são dinheiro produtivo, que se investe na economia. São, na esmagadora maioria das vezes, dinheiro que fica parado em contas correntes. E chupando dinheiro público através do rentismo.

Não contribuem para a roda girar. Se quiserem ir para outro país, tudo bem, basta pagarem os altos impostos de expatriação que já existem.

Os impostos sobre grandes fortunas desencorajam a acumulação excessiva, diminuem a desigualdade e garantem o bem estar de toda a sociedade, com
baixa violência, renda básica e maior qualidade de vida para todos.

A igualdade na largada tá escrita no livro destes liberais que citei ali em cima. Eles partem da igualdade, igual no socialismo. Estão mais juntos do que pensam.

Mas aqui no Brasil os liberais defendem educação privada, planos de saúde e transportes nas mãos de baratas.

Os partidos que estiveram ao lado de Bolsonaro na campanha e o ajudaram a se eleger, muitos com discurso de que era muito difícil escolher entre um fascista e um Professor, hoje posam de surpreendidos e se dizem oposição.

Estes partidos de direita são todos fascistas, não há qualquer detalhe democrático entre eles. Usam o liberalismo para se fantasiar. Votam quase sempre de acordo com o poder executivo atual.

Fizeram vista grossa para uma homenagem a um torturador e para um militar ameaçando explicitamente a suprema corte, quando convinha. O fascismo frequentemente é usado como ferramenta pelos que se dizem liberais e democráticos.

O leitor acha que uma empresa deve ter o direito de ficar mudando o tamanho das embalagens de seus produtos de forma sorrateira como acontece livremente nos nossos supermercados? Isto prejudica nossa vida, nosso tempo e nosso bolso.

O leitor acha que uma empresa deve ter o direito de colocar funcionários pedalando bicicletas embaixo de um sol de meiodia para fazer entregas sem qualquer direito atrelado? Isto não é liberalismo, é outra coisa…

O liberalismo talvez seja bem vindo em setores mais específicos, mas nunca dá certo em setores básicos como a educação, a saúde, os transportes e a energia.

Os setores um pouco menos básicos podem ser um pouco mais livres, mas o Estado precisa estar sempre no controle de todos os setores. A ganância é muito presente no ser humano e nas empresas.

Quando existe uma oportunidade de lucrar, nem sempre é feita com serenidade e responsabilidade.

E estar no controle não significa interferência forçada. É uma questão de bom senso. Quando causa danos à economia e à concorrência, não é socialismo nem liberalismo, é outra coisa. Qual o limite para estes tipo de controle? O bom senso e a transparência.

Muito diferente do que ocorre hoje, quando dizem que não há interferência, mas não há transparência. A coisa fica sorrateira e obscura.

Ainda mais quando fingem que não há Política envolvida.

Um bom exemplo foi a interferência recente na Anvisa. Se não tivéssemos um Presidente sem noção, talvez não tivéssemos percebido a interferência que foi feita.

Se fosse um líder mais esperto e sereno, a interferência seria feita de forma sorrateira e sigilosa. Talvez quase ninguém ficasse sabendo. Então, qual o limite? Percebem que o discurso da não interferência esconde justamente a possibilidade de fazer Política escondido? É por isto que a Política deve ser
clara e explícita, sempre!

É plausível, atualmente, mantermos os procedimentos técnicos da Anvisa e
atrasarmos as vacinações? O componente político está explícito. E o preço dos combustíveis? Será que devemos deixar que seja controlado por práticas de mercado? Atrelado ao dólar?

Será que o modelo energético brasileiro deve ser executado para favorecer lucros de investidores ou para manter combustível barato para a nossa economia? Não é tão difícil responder, né?

São parecidos com a mídia de massa que se autodeclara imparcial, o que sabemos que não existe. Só quem tem interesse nos assuntos são os outros, né?

Criaram um superministério da economia, diminuindo o poder dos antigos
ministérios de viés econômico, dificultando o contraditório na gestão e no planejamento e concentrando todo o poder nas mãos de apenas um indivíduo. Ainda bem que isto é pura técnica, né? Ainda bem que não há nada de político nisto…

Outro ponto fundamental que precisa ficar claro é esta estória de que o capitalismo radical, o chamado neoliberalismo, fomenta a concorrência. O que observamos é justamente a formação de oligopólios em quase todos os setores.

Se uma empresa desponta e obtém sucesso, rapidamente é comprada e absorvida por alguma gigante já estabelecida. São infinitos exemplos.

Não há qualquer liberalismo neste discurso, muito pelo contrário.

O que garante a concorrência é um Estado formulador de políticas que evitem que grandes empresas tentem mudar a estrutura do Estado em benefício próprio, bem como evitar ao máximo as fusões e as concentrações, até com, aí sim, em último caso, com grande interesse
público, certos incentivos fiscais.

Na China está acontecendo algo interessante. Um dos maiores empresários do país, de tão rico que ficou, acumulou poder demais e achou que conseguiria alterar a estrutura do Estado em benefício próprio. Deu ruim.

Foi preso por um tempo e voltou com as asinhas cortadas.

A forma é correta? Não! Mas o fato é que se o Estado chinês fizesse vista grossa, como é feito no ocidente, seria muito pior pra população.

Se por um lado as instituições tem um poder de confronto entre si maiores no ocidente, no que diz respeito à democracia, por outro no oriente o acesso aos bens e à qualidade de vida estão muito melhores.

A democracia não é só a representação pelas instituições, é também o
acesso à qualidade de vida e garantias básicas.

Aqui no Brasil usam o liberalismo para fantasiar nossa ditadura passada e nosso atual fiapo democrático. E ainda apontam o stalinismo, que foi muito ruim, como exemplo de que o socialismo é ditatorial.

Ora, qualquer sistema pode ser usado pro bem ou pro mal. É tudo uma
questão de narrativa e conveniência.

Defendem descaradamente a criação de duas filas de vacinação, uma pública e outra privada, com o cínico argumento de que se o Estado não consegue prover, então deve-se tentar de outras formas.

O mesmo argumento egoísta que é usado para sectarizar a sociedade em
diferentes escolas, saúdes, transportes e qualidades de vida. São muitos brasis. E isto não é liberalismo, é outra coisa.

Defendem que o controle da economia, como a emissão de títulos públicos,
endividamento, câmbio, inflação e impressão de moeda não devem estar sob as asas do Estado e sim controlados por especialistas.

Como se estes assuntos também não tivessem viéses intrinsecamente políticos. Aliás, são assuntos essencialmente políticos.

Tudo fica prejudicado com este discurso de que a Política não deve se misturar à técnica.

Quem acha ser possível deter todo o conhecimento técnico sobre algo, desdenhando o conhecimento político que sempre vem atrelado, não entendeu nada.

Não podemos deixar de pensar de forma política, em qualquer assunto. Ela sempre está lá! Não existe separação entre o que é técnico e o que é político. Este papo apolítico já está envelhecido, apodrecido e carcomido.


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Comentários

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Zé Maria

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No braZil, os Capitalistas Neoliberais não querem assumir
o Risco do Negócio, querem só o Lucro. O Risco é do Estado.

Querem ganhar, às custas da Petrobras, na Bolsa de Valores,
mas não assumem um eventual risco do investimento.
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