Marcelo Semer lança hoje no Rio livro sobre o papel dos juízes no grande encarceramento

Tempo de leitura: 3 min

da Redação

A política criminal brasileira para drogas não ajudou a reduzir o consumo nem cuidou da saúde pública. Além de manter a distribuição em pleno crescimento, ainda impulsionou de forma contundente o encarceramento.

Quase um terço dos 812 mil presos  (últimos dados do Conselho Nacional de Justiça -CNJ) está atrás das grades em razão do tráfico. O Brasil tem a terceira população carcerária do mundo.

E os juízes, que papel têm nisso?

Por que houve crescimento vertiginoso dos presos, já que a Lei Antidrogas de 2006

excluiu da prisão o mero usuário e distinguiu punições entre grandes e pequenos traficantes?

O juiz Marcelo Semer, doutor em Criminologia pela USP, responde no livro Sentenciando o Tráfico:  O papel dos Juízes no Grande Encarceramento, que será lançado na tarde desta terça-feira, 17/09, na Livraria Leonardo Da Vinci, no Rio de Janeiro.

O livro é a versão adaptada da sua tese de doutoramento, defendida na Faculdade de Direito da USP no primeiro semestre de 2019.

Semer analisou 800 sentenças de tráfico de drogas em São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Goiás e Pará, entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro de 2015.

Alguns dados da pesquisa detalhada no livro:

*Pelo menos dois terços dos réus desses processos são pobres (número que só não é maior pela falta de dados em muitas sentenças); 80% são primários.

*Em pouco mais de 70% dos processos, há apenas um réu envolvido (a média geral é de 1,52 acusados por processo, ou seja, nem chega a dois).

*Menos de 10% das pessoas presas foram encontradas com armas de fogo.

As apreensões de dinheiro, quando existem, são em regra pouco expressivas: a média não passa de R$ 266,00, sendo que 67% das apreensões se dá com menos de 10% do salário mínimo.

*Cerca de 89% dos processos se iniciam com a prisão em flagrante – em 70% deles, pelos policiais militares. Pouco mais de 10% dos casos se iniciaram com investigações prévias, que levaram, por exemplo, a buscas e apreensões domiciliares ou interceptações telefônicas. O forte mesmo são as ações de patrulhamento, nos quais a seletividade das abordagens é historicamente conhecida.

*Nas apreensões, 97% das drogas entre as três mais recorrentes são maconha, cocaína em pó e na forma de crack.

*Os volumes são díspares, mas prevalecem as pequenas apreensões: 56% a 75% abaixo de 100g (maconha) ou 50g (cocaína e crack); medianas respectivamente de 66,1g de maconha, 30,66g de cocaína e 13,36g de crack.

*Mesmo nas grandes apreensões (2,5% dos casos acima de 10kg), as prisões são, em regra, das pessoas de menor expressão, como o motorista que transporta a droga, ou o cuidador do barraco onde ela é alojada. Quase não há prisão por venda, remessa ou importação da droga. As condutas incriminadas são as mais próximas à posse e estocagem: ter consigo e guardar.

No livro, Semer salienta: apesar deste quadro relativamente minimalista, os resultados das sentenças impressionam; média de 78% de condenação; pena-base fixada no mínimo apenas em 52% dos casos; pena definitiva três vezes superior a menor pena possível (1 ano e 8 meses de reclusão).

Semer observa:

Apesar da baixa reincidência e da pouca denúncia por associação, o redutor do tráfico é empregado apenas em 44% dos casos e no seu patamar maior (2/3 da pena), só em 20% dos processos.

Não obstante o STF tenha expressamente permitido aos primários a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, apenas 16% a fixam e o regime mais comumente empregado ainda é o fechado (68%).

(…)

A pesquisa sepulta definitivamente a ideia de leniência por parte dos juízes. Para o bem ou para o mal, é importante destacar que o quociente de encarceramento se dá em razão deles mesmos, inclusive e principalmente quando há alternativas menos draconianas na lei.

(…)

O juiz que só encarcera, encarcera-se a si mesmo.

“Os juristas são parte do problema, não da solução”, afirma no prefácio o professor Mauricio Stegemann Dieter, da Faculdade de Direito da USP.

Orientador da tese de doutoramento de Semer, Dieter arremata com elogios:

Trata-se de obra paradigmática, referência obrigatória no tema e que deve inspirar vários estudos na mesma linha. Afinal, estamos apenas começando a explorar o peso da discricionariedade dos agentes públicos na seletividade e agravamento do sistema de justiça criminal brasileiro. 


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