Luís Carlos Bolzan: Governantes que afrouxarem as medidas de prevenção serão responsáveis pela tragédia que se anuncia

Tempo de leitura: 3 min
Foto: Isac Nóbrega/PR

O INIMIGO DO POVO

por Luís Carlos Bolzan*, especial para o Viomundo

O dramaturgo norueguês Ibsen (1828-1906) é um dos grandes autores teatrais de todos os tempos.

Em 1882, ele escreveu Um Inimigo do Povo,  peça teatral que foi apresentada pela primeira vez em 1883 no Teatro Nacional de Oslo.

É a história do  Dr. Stockmann, médico em um balneário aprazível que fez descoberta importante: as águas da área estavam infectadas por resíduos e dejetos da produção local e eram fonte de doenças como “tifo e febres gástricas”.

Dr. Stockmann divulgou seus achados alertando a população e o poder público dos riscos sanitários a que estavam sujeitos todos os moradores  dali e os turistas que lá chegavam.

A reação foi muito diferente do que ele imaginava.

Empresários desgostosos  acusaram o sanitarista de atrapalhar o funcionamento do balneário e colocar em risco os negócios.

Trabalhadores se ressentiram por medo de perderem seus empregos.

A imprensa inicialmente parceira na divulgação dos achados se retraiu e assumiu defesa da economia.

Dr. Stockmann se tornou “o inimigo do povo”.

Em 2020, o mundo enfrenta pandemia perigosa e letal.

Enquanto escrevo esse texto, quase 92 mil pessoas já morreram pelo novo coronavírus no mundo.

Espanha e Itália estão arrasadas após semanas de experiência miserável de dor e mortes.

França passa dos 10 mil óbitos.

Reino Unido tem rápido crescimento de mortes.

Estados Unidos beiram os 370 mil casos confirmados de covid-19 quase batendo marca de 15 mil óbitos.

No Brasil, a espiral de morte está ainda em fase anterior, mas já visivelmente crescente.

Com mais de 16.474 casos confirmados e 839 mortes, o país se vê diante de grave crise e intensa ameaça.

Em meio a todo o caos da pandemia, o governo federal que deveria ser referência para estados e municípios no enfrentamento da pandemia, dá péssimo exemplo.

O presidente ataca governadores e prefeitos, politiza a pandemia, contraria toda comunidade científica mundial sobre as medidas a serem adotadas, força a retomada de atividade produtiva, colocando sob enorme risco sanitário a vida de toda população brasileira.

Não bastasse isso, ainda faz papel de garoto propaganda de medicação não adotada pelos cientistas como segura para tratamento de pacientes de covid-19.

Mas como tudo pode piorar, o presidente da República abre uma crise de egos e bate duro, publicamente, em seu subordinado, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Diz que falta humildade ao ministro, como se o próprio presidente falasse de seu reflexo no espelho.

A crise teve seu ápice na última segunda-feira, quando após reunião tensa o ministro foi mantido no cargo, menos pela situação que vive o país, mas mais por cálculo político do governo federal.

Está claro que nessa situação toda, se não houve vitorioso, certamente emergiu um grande perdedor: Jair Bolsonaro, que surge aos olhos de todos como um presidente que não consegue demitir um subordinado e gera problemas em cascata e não soluções.

Porém, Mandeta, que poderia ser saudado pelo enfrentamento e resistência ao comportamento genocida do presidente, faz concessão grave e inaceitável.

Permite refazer a política de isolamento que o Ministério da Saúde vinha defendendo até então, aceitando afrouxar, relativizar o isolamento.

O Ministério da Saúde, que já havia adotado postura equivocada ao não investir maciçamente em testes para rastreamento da circulação viral e isolamento efetivo dos casos positivos, agora abdicou da necessária defesa intransigente do isolamento horizontal.

Flexibilizou isolamento como fizeram vários países que hoje amargam catástrofe que poderia ter sido evitada.

Mandetta cedeu para ficar no cargo.

Foi esse o arranjo costurado pela ala militar?

Qual o preço dessa concessão? Milhares de mortos a mais?

Mandetta é médico e diz que “médico não abandona paciente”. Mas, nesse caso cedeu, e vai comprometer a segurança sanitária de seus milhões de pacientes.

Mandetta disse em seu pronunciamento na noite de segunda-feira passada que “o inimigo do povo tem nome e sobrenome: COVID-19”.

Pena que o nome e sobrenome do “inimigo do povo” não seja Luiz Henrique  Mandetta, tal qual o Dr. Stockmann

Ele poderia ter optado por defender a saúde e segurança sanitária do povo. Não o fez.

Optou por ceder aos interesses econômicos e flexibilizar isolamento social. Fez concessões quando deveria fazer defesa intransigente do isolamento social em prol de todos.

Não é herói. Não é o “inimigo do povo”.

É mais um como outro qualquer.

Ele citou A Caverna,  de Platão, em entrevista na terça feira.

Só que, apesar de ter relido A Caverna, parece que ele ainda não vê a verdade, mas sim a simulação da verdade, um fantasma da realidade.

Todos que relativizaram a necessidade de medidas como testagem em massa, isolamento social e EPIs para equipes de saúde serão responsáveis pela tragédia que se anuncia.

Esse não é um governo de heróis. Nenhum deles tem distanciamento necessário para ser um “inimigo do povo”, conforme Ibsen. Todos estão muito comprometidos.

*Luís Carlos Bolzan é psicólogo sanitarista.


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Comentários

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Zé Maria

Contabilidade criativa do Partido Novo em Minas Gerais:
56.807 casos suspeitos e apenas 15 mortes.
O Brasil mudou pouco desde que a ditadura militar censurou a epidemia de meningite nos anos 70.

https://twitter.com/VIOMUNDO/status/1248351062882467841

Zé Maria

09/4/2020
Reuters

Brasil tem pendência de 127 mil testes de coronavírus

O Brasil realizou até o momento quase 63 mil testes do novo coronavírus
e tem 127 mil casos pendentes de verificação para Covid-19,
informou nesta quinta-feira (9) o Ministério da Saúde

| Reportagem: Pedro Fonseca (RJ) / Ricardo Brito (BSB) | Reuters Staff |
https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKCN21R3MR-OBRTP

Zé Maria

Minas Gerais do Zemavírus tá uma maravilha!
Quase não tem Casos Confirmados nem Mortes.

https://www.saude.mg.gov.br/images/noticias_e_eventos/000_2020/Boletins_Corona/09.04.2020_Boletim_epidemiologico_COVID-19_MG.pdf

Nota do dia 9/4/2020
Fundação Ezequiel Dias (Funed)

Até o momento são 56.807 * Casos Suspeitos para COVID-19,
e 117 Óbitos estão em Investigação **.

655 Casos e 15 Óbitos foram Confirmados ***.

*Dados parciais, sujeitos a alterações. Atualizado em 09/04/2020.
(Fonte: COES MINAS/COVID-19/SESMG.)

**Óbitos em investigação – óbitos suspeitos de COVID-19 que aguardam
a realização de exames laboratoriais e levantamento de informações clínicas
e epidemiológicas.
Até o momento foram notificados 253 óbitos suspeitos,
sendo 121 descartados para COVID-19 por critério laboratorial.

*** https://www.saude.mg.gov.br/cidadao/banco-de-noticias/story/12450-informe-epidemiologico-coronavirus-09-04-2020

http://www.funed.mg.gov.br/2020/04/destaque/nota-corononavirus/

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