Letícia Sallorenzo: Na ONU, Bolsonaro manipulou o seu ódio, raiva, indignação, rancor; contra e favor dele

Tempo de leitura: 4 min
Genial, Aroeira sintetiza o ódio, a raiva, de Bolsonaro ao discursar na ONU

O discurso de Bolsonaro na ONU, ou A exploração sensorial da indignação estimulada

por Letícia Sallorenzo*, especial para o Viomundo

Responda sinceramente: o que você PENSOU a respeito do discurso do Bolsonaro na ONU?

Eu lhe digo: NADA. Você não PENSOU nada.

Ocorre que o discurso de Bolsonaro foi feito para despertar sensações e sentimentos, e não raciocínios, críticas ou ponderações. Antes que eu comece a me explicar, vamos observar as palavras que eu usei neste parágrafo : sensações e sentimentos X raciocínios, críticas e ponderações.

O primeiro grupo de palavras aciona no seu cérebro uma série de ideias relacionadas a ausência de raciocínio, estímulos, ações instintivas, passionalidade. Já o segundo grupo parte do meso princípio: uso do raciocínio humano, pensamento, cognição.

A isso o linguista Charles Fillmore, lá em 1976, chamou de semântica de frames.

Mas eu falava do discurso do Bolsonaro (que basicamente misturou neoliberalismo concentrado com correntes de zapzap – não, não é de whatsapp, é zapzap mesmo).

As palavras proferidas durante trinta minutos (com leitura sofrível e visivelmente ensaiada) foram dispostas de forma a despertar nos ouvintes sensações negativas, ruins mesmo.

Quem concorda com Bolsonaro destinou essas sensações negativas ao inimigo pintado por ele; quem discorda dele destinou essas sensações contra ele próprio.

Esse trabalho é característico do discurso da direita, que foi capaz de entender que a ideia iluminista de que o homem se divide em razão e emoção está pelo menos 25 anos ultrapassada.

Em O Erro de Descartes, Antonio Damásio explica que a ciência cognitiva já descobriu que razão e emoção compõem, juntas, o raciocínio humano.

Se alguém lhe apontar um revólver, você terá reações emocionais: medo, pânico, pavor, susto. Essas reações emocionais são resultado de uma informação que lhe foi apresentada e você apreendeu de forma racional: o revólver é um instrumento letal.

Gatos não dominam essa racionalidade. Nem cachorros. Apenas seres humanos conseguem associar razão e emoção.

A forma como Bolsonaro (e o séquito de autores daquele discurso lamentável) estruturou o discurso é a forma típica da direita radical populista contemporânea.

No texto, Bolsonaro:

– Atribuiu culpas e identificou os culpados (em outras palavras, nomeou os inimigos): socialismo, imprensa, Foro de São Paulo, Cuba e Venezuela.

– Apresentou-se como o autêntico combatente dos perigosos inimigos, quase como um lobo solitário.

Neste momento eu sugiro que você pare de sofrer em busca da verdade. Isso aqui não tem nada a ver nem com verdade nem com mentira.

Tem a ver com a construção de uma realidade. Tem a ver com a construção de uma realidade conveniente. A quem, pra quê e por quê são as perguntas que devemos nos fazer agora. O que menos importa aqui é a verdade desse discurso.

Bolsonaro acredita nele e vai impor essa realidade ao país e ao mundo.

Dentro da estratégia de estruturação do discurso, Bolsonaro foi milicianamente covarde. Ele só atacou os inimigos mais frágeis e óbvios. Cuba e Venezuela são dois países de menor grandeza no cenário mundial, se comparados com EUA, França ou Alemanha.

O discurso aludiu apenas a França e Alemanha, mas Bolsonaro não teve coragem para nominar Macron, Merkel ou seus respectivos países. A coragem retornou quando ele enunciou “acabou o monopólio do senhor Raoni”.

No discurso, a palavra socialismo foi associada a corrupção, recessão, criminalidade, ataques às famílias e tradições, morte, ignorância e miséria. Todas palavras de semântica negativa.

Reparem que eu disse que o que ocorreu foi uma associação. Não houve concatenação de ideias. (quem dá a entender que médico cubano é guerrilheiro comunista enviada pela ilha de Fidel está pouco se lixando para a concatenação racional de ideias).

Mas foi a forma como Bolsonaro se referiu aos índios me deixou realmente assustada e me deu provas linguísticas de que Steve Bannon participou da construção desse discurso – estrutural e ideologicamente.

A despeito de buscar a cisão dos povos indígenas e apresentar Isani Kalapalo como autêntica representante dos indígenas brasileiros, Bolsonaro apresentou um discurso contraditório, ao dizer que [os índios] “ateiam fogo à floresta como parte de sua cultura”, e, minutos depois, afirmar que “os índios não podem ser tratados como homens das cavernas”.

É um discurso que aparentemente respeita a cultura alheia, ao mesmo tempo em que a despreza. O nome disso é etnopluralismo, e vem sendo praticado pela direita radical europeia.

A palavra em si é linda: aciona frames de pluralidade de etnias, vários povos que vivem no mesmo planeta, tudo de forma bem positiva.

Mas o discurso do etnopluralismo é o seguinte: “reconheço sua cultura e seu povo, respeito e entendo que suas tradições lhe são caras e importantes. Mas nem essas tradições nem você têm espaço aqui na minha terra. Portanto, você não é bem-vindo aqui, queira se retirar”.

É esse o discurso da direita radical europeia em relação aos imigrantes.

Esse discurso nunca se fez presente no país, e a meu ver indica a estruturação e articulação de uma rede internacional de extrema direita entre Europa, EUA e América Latina. Espero estar errada. Eu quero muito estar errada.

Mas é desta forma que Bolsonaro deu seu recado ao mundo; ele explorou sensorialmente a indignação. Ele manipulou a sua raiva, a sua indignação, o seu ódio, o seu rancor. Contra ou a favor dele, mas manipulou.

Como escapar desse labirinto cognitivo é questão a ser discutida, pensada e estruturada.

A linguística cognitiva está à disposição de todos para colaborar.

*Letícia Sallorenzo é mestra em Linguística pela Universidade de Brasília(UnB)


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Comentários

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Alzira Abrantes Madeira

Ele falou mal de Cuba e Venezuela, mas falou todo contente que o Brasil ia negociar com a China. Não estou ouvindo ninguém falar desse detalhe, que parece passar pela covardia diante dos mais fortes. A China não é mais comunista?

Zé Maria

O ‘Texto Ruim’, da ‘Madrasta’, é Tão Bom,
que deixa muito pouco a comentar,
a não ser dele transcrever um Trecho:

“Esse Discurso nunca se fez presente no país, e a meu ver indica
a Estruturação e Articulação de uma Rede Internacional
de Extrema Direita entre Europa, EUA e América Latina.”

Não, Madrasta, quase Mãe da Expressão Lingüística,
você não está errada, infelizmente mesmo.

Assange, Snowden e Greenwald estão aí para confirmá-lo.

A pergunta que fazem todos os que compreenderam o Texto
é como sair desse Complô Midiático Macabro, já infiltrado nas instituições dos Estados Nacionais, para destruí-los de dentro
para fora e de fora para dentro, com o Mau Uso da Psicologia
de Massas, tal como descreveu o Pesquisador Alemão, Wilhelm
Reich, na década de 1930, como se aplicassem os Conceitos de
do Italiano Antonio Gramsci (1891-1937), de Hegemonia e
Dominância de Classe, Distorcidos, para, primeiro, disseminar o
Consenso Ideológico Fascista no Conjunto da Sociedade, desde
a Família e a Igreja, passando pela Escola até a Universidade; e,
depois, tomar o Poder Central, para então exercer o Controle das
instituições Políticas e Jurídicas, com o Auxílio do Aparato
Policial-Militar, com a Finalidade de pôr em Prática uma Doutrina Econômica Excludente e Perversa, e Anti-Nacional, de
liberalização total do Capital Financeiro e uma suposta e ineficaz
Auto-Regulação do Mercado, Sem qualquer Regulamentação do Estado, induzindo a Privatização Criminosa Lesa-Pátria, em
favor de Grupos Privados Transnacionais, com Matrizes nos Estados Unidos da América ou em outros Países Europeus,
notadamente a Grã-Bretanha, subjugando Milhões de
Trabalhadores Pobres, conduzidos à Miséria, tanto pela Privação
de Direitos Sociais quanto pela Perseguição Preconceituosa de
Gênero e de Etnia.
(https://youtu.be/crv-p9Rjhbo) (https://www.marxists.org/glossary/index.htm)

Vem daí, por exemplo, a idéia precária da ‘Escola Sem Partido’
(nonpartisaneducation.org) – porém com Ideologia de
Extrema-Direita, é óbvio – que seria implementada sob o
pretexto contraditório de se livrar de uma pressuposta
‘doutrinação ideológica’ de ‘esquerda’, ‘marxista’, ‘socialista’, ‘comunista’ … etiquetada sob a Expressão ‘Marxismo Cultural’.

https://blogdacidadania.com.br/2018/12/nos-eua-ideia-proxima-ao-escola-sem-partido-esta-em-destaque/
http://omarxistaleninista.blogspot.com/2010/12/psicologia-de-massas-do-fascismo-de.html
https://novaescola.org.br/conteudo/1380/antonio-gramsci-um-apostolo-da-emancipacao-das-massas

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