Leonardo Yarochewsky: Desgraçadamente, a realidade está bem longe do ideal da justiça penal

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Wilson Dias/Agência Brasil

Wilson Dias/Agência Brasil

ENTRE A REALIDADE E O IDEAL DA JUSTIÇA PENAL

por Leonardo Isaac Yarochewsky, em Empório do Direito

Hodiernamente, muitos acreditam, equivocadamente, que a missão da justiça penal é punir – e talvez seja.

Em nome da fúria punitiva, alimentada pela mídia opressiva, insistem em dizer que “o Brasil é o país da impunidade”.

Neste diapasão, afirmam, erroneamente, que as leis daqui são extremamente benéficas para com os “criminosos”.

Alguns, com viés fascista, repetem insistentemente que “bandido bom é bandido morto”.

Há aqueles que, com saudade da ditadura militar, ovacionam a tortura e aclamam os torturadores.

Os chamados “homens de bem”, na esteira de Carl Schmitt e Günther Jakobs, elegem seus “inimigos” para satisfazer seus próprios interesses e da maioria de ocasião.

Sim, há punitivista para todos os gostos, inclusive os que agem em nome de uma suposta “segurança jurídica” e de um obscuro “princípio da colegialidade”.

Em razão da perversa lógica de que “os fins justificam os meios”, rasgam a Constituição da República e atropelam direitos e garantias fundamentais.

É sabido que a história do processo penal está relacionada com o poder mais primitivo: o poder punitivo.

Apesar disso, o processo penal não pode ser visto, em pleno século XXI, conforme ressalta Aury Lopes Jr., como um simples instrumento a serviço do poder punitivo, mas, também, como aquele que cumpre o imprescindível papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido.

Como bem alertado pelo citado autor,

“há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forme rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal)”.

Entretanto, conforme observa Afrânio Silva Jardim,

“engana-se quem estiver pensando que a elaboração de um novo processo penal pautado em princípios constitucionais claramente democráticos poderá, por si só, resolver ou mesmo deter de um lado a violência dos aparelhos repressivos do Estado, e do outro a crescente criminalidade de nossos dias. A ineficácia, neste particular há muito, já vem sendo demonstrada pelos autores mais críticos da moderna criminologia”.

Na verdade, prossegue o eminente processualista,

“a questão há de ser examinada e estudada sob outros ângulos, já que o Direito é apenas um dos muitos instrumentos de controle social, talvez o menos eficaz na sociedade complexa em que vivemos, pois vai atuar principalmente após a consumação da agressão aos valores mais aceitos pela comunidade”.

Note-se que no âmbito da democracia material (real), participativa, integradora e solidária, o processo penal não pode ser tomado apenas como instrumento de composição de litígio penal, devendo sim, especialmente, ser um instrumento político de participação, de acordo com o nível de democratização da sociedade.

De tal modo, torna-se imprescindível a

“coordenação entre direito, processo e democracia, o que ocorre pelo desejável caminho da Constituição, porquanto, institucionalizando a proteção dos mencionados direitos, reconhece-se que somente pela via democrática atingirão sua plena efetividade”. 

Contudo, desgraçadamente, a realidade está bem longe do ideal.

A realidade tem demonstrado e comprovado que o direito, notadamente o direito penal, como instrumento de poder, tem infligido, preferencialmente e majoritariamente, aos mais vulneráveis toda forma de crueldade concebida pela pena de prisão.

Como é sabido, o sistema penal é seletivo, repressivo e estigmatizante.

Basta verificar “quem são os criminosos” para comprovar a perversidade do sistema penal.

E apesar de tudo, há, ainda, os que insistem em dizer, levianamente, que o Brasil com aproximadamente 750 mil presos – terceira maior população carcerária do planeta – é o país da impunidade.

População carcerária, que é composta majoritariamente pelos mais vulneráveis: jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade.

O criminólogo Juarez Cirino dos Santos com sua visão crítica discorre sobre os objetivos reais (ou latentes), nos quais se manifestam as dimensões de ilusão e de realidade dos fenômenos da vida social nas sociedades contemporâneas, identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena.

Segundo Juarez Cirino,

“a política de controle social instituída pelo Direito Penal e implementada pelo Sistema de Justiça Criminal inclui o conjunto do ordenamento jurídico e político do Estado, além de outras instituições da sociedade civil, como a empresa, a família, a escola, a imprensa, a Igreja, os partidos políticos, os sindicatos, os meios de comunicação etc. As formas jurídicas e políticas do Estado e as organizações da sociedade civil convergem na tarefa de instituir e reproduzir uma determinada formação econômico-social histórica, em que os homens se relacionam como integrantes de classes ou de categorias sociais estruturais da sociedade. O Direito Penal e o Sistema de Justiça Criminal constituem, no contexto dessa formação econômico-social, o centro gravitacional do controle social: a pena criminal é o mais rigoroso instrumento de reação oficial contra as violações da ordem social, econômica e política institucionalizada, garantindo todos os sistemas e instituições particulares, bem como a existência e continuidade do próprio sistema social, como um todo”.

Numa sociedade de classes, destaca Nilo Batista,

“a política criminal não pode reduzir-se a uma ‘política penal’, limitada ao âmbito da função punitiva do estado, nem a uma ‘política de substitutivos penais’, vagamente reformista e humanitária, mas deve estruturar-se como política de transformação social e institucional, para a construção da igualdade, da democracia e de modos de vida comunitária e civil mais humanos”. 

O direito penal – em razão do seu caráter fragmentário e subsidiário – não pode, definitivamente, se transformar no principal instrumento de controle social.

A utilização da pena criminal para aniquilar os excluídos, os vulneráveis e os elegidos “inimigos” é própria de regimes autoritários e de exceção.

Necessário advertir que o autoritarismo no direito (penal e processual penal) é empregado, notadamente, para combater problemas sociais, entre os quais: desigualdade social, pobreza, subdesenvolvimento e alguns casos de insurgência.

Neste viés, quanto mais autoritário é o Estado, mais faz uso da legislação penal como forma de contenção dos problemas sociais.

Assim sendo, mais do que nunca, visando principalmente minimizar os danos causados pelo direito penal – braço repressor e violento do Estado – é que se faz necessário buscar caminhos que levem à maximização das liberdades e a minimização do poder punitivo, bem como, alternativas voltadas para a proteção do indivíduo e do respeito à dignidade da pessoa humana.

No que ser refere ao processo penal, urge que se compreenda, definitivamente, que na concepção do processo penal democrático – único compatível com o Estado Constitucional – a liberdade do acusado, o respeito a sua dignidade, os direitos e garantias fundamentais são valores que se colocam acima de qualquer interesse ou pretensão punitiva estatal.

Em hipótese alguma pode o acusado ser tratado como “coisa”, “instrumento” ou “meio”.

De tal modo, não se pode perder de vista a formulação kantiana de que o homem é um fim em si mesmo e de que o respeito à tão proclamada dignidade humana é postulado do Estado democrático de direito.

 

Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista

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Comentários

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Edgar Rocha

Gostaria de propor uma pauta, se possível. Queria aproveitar que o próprio Azenha está apresentando na TV uma série sobre o PCC e que o tema tem sido, neste momento, alvo de toda a mídia PIG, pra pedir uma discussão mais aprofundada sobre o assunto. Isto é algo que só é possível num espaço como este. E que seja rápido, antes que a narrativa oficial possa influenciar até mesmo as mentes mais humanistas.
Como bem coloca o excelente texto acima, tem punitivismo pra todo gosto. O que falta, na minha opinião, é uma concatenação de ideias e informações capaz de combater política e ideologicamente a simplificação sobre o tema que nos é imposta pela mídia. Acho que a sensação de insegurança gerada – ao meu ver propositalmente – fomenta o posicionamento punitivista e, de uma forma ou de outra, independente das razões ideológicas, acaba convergindo toda a opinião pública para a direção que interessa aos que de alguma forma se beneficiam disto.
Falando da política de encarceramento, não é preciso muita profundidade para supor a relação entre esta política e a notícia de hoje em que, segundo investigações da Polícia Civil, haveria um “salve” no PCC com o título “Adote um irmão” (licença pra rir), que consiste basicamente em cooptar cerca de mil novas almas para atuar no “movimento”, com direito a cumprir um juramento, respeitar a “ideologia” e pagar mensalidade. Tudo tão organizadinho, pronto pra esperar os futuros irmãos que ingressarem no colégio interno para meninos carentes.
Que haja relação entre encarceramento em massa e crescimento do PCC, até eu que sou mais bobo percebo. Mas, o quanto isto é proposital? Não seria possível rastrear esta remota possibilidade? Na perifa todo mundo sabe que Estado e Estado paralelo já não são mais duas coisas distintas faz tempo. Quando é que isto vai vir à tona?
E por qual razão a imprensa (incluindo aí a Record) tem veiculado matérias sobre o assunto (PCC), mostrando o milagre e escondendo “O Santo” (cof! cof!)??? Eu fico meio bolado… Me sinto excluído das parada, do que tá rolando no corredor. Mó curiosidade… Será que vem chumbo grosso por aí? Com a palavra, o Azenha.

Elisa Aurélio

“Há aqueles que, com saudade da ditadura militar, ovacionam a tortura e aclamam os torturadores.”, disse o articulista do VIOMUNDO. Não sou estudiosa do Direito Penal, até porque não admiro essa especialidade do ramo do Direito.Entretanto, gosto de ler os comentários desta Coluna do Viomundo, a fim de não me esquecer do que têm “coragem” de dizer (para não dizer mentir)!!! Pensava eu da mesma forma – que o Direito Penal em nossa Pátria não funcionava adequadamente, punindo somente os desprotegidos pela sorte, até que a JUSTIÇA funcionou para o Lula!!! Fez ele o que quis, tornou-se bilionário, usou e abusou dos pobres brasileiros pobres – iludindo-os porque são eles os que lhe deram votos, “embarcou” a Dilma goela abaixo do eleitor. Êta cabra inteligente! Pena que é desonesto! A Petrobrás e outras estatais que o digam!!! Políticos corruPTos, sejam de quaisquer ParTidos PolíTicos devem, necessariamente, ser presos e terem seus bens confiscados!!!

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