Lelê Teles: Vini Jr, com a sua coragem e inteligência, deu um drible desconcertante nos racistas espanhóis

Tempo de leitura: 4 min
Capa do jornal Marca, o maior da Espanha

A ESPANHA AINDA É RACISTA?

Por Lelê Teles*

As primeiras manifestações de racismo na Espanha se deram com os estatutos de pureza do sangue, vigentes entre dos séculos XV e XIX, e foram transferidos para o Império Espanhol na América, dando origem ao sistema colonial de castas.

No século XVIII tentou-se “exterminar” a “má raça” dos ciganos com a malsucedida operação do “Grande Raid”, idealizado e dirigido pelo Marquês de la Ensenada, ministro do rei Fernando VI.

O racismo científico chegou à Espanha no século XIX e se projetou nos nacionalismos espanhol, catalão, basco e galego.

”La matanza de Cholula”, quadro de Félix Parra de uma série sobre a conquista de México, 1877

vini jr, com a sua coragem e inteligência, deu um drible desconcertante nos racistas espanhóis.

ele expôs todos eles para o mundo todo.

em um tuíte muito bem redigido, vini disse, com todas as letras, que a espanha é racista.

isso fez com que o presidente de la liga, o covarde javier tebas, voltasse às redes para, mais uma vez, contestar as palavras do craque brasileiro.

dessa vez, o sujeito, que é apoiador do vox, o infame partido de extrema direita espanhol – racista, portanto -, disse que a espanha não é racista.

alguns jornalistas espanhóis trataram logo de afirmar a mesma coisa.

a espanha não é racista.

ora, ora, ora.

o racismo fundou a espanha.

“a ideia de raça”, nos diz aníbal quijano¹, magistral sociólogo peruano, “tem uma origem colonial”.

eram racistas, por definição, os colonizadores espanhóis.

foi por serem racistas que eles assassinaram mais de 30 milhões de pessoas durante o processo colonizador; com a descarada justificativa de que não eram humanos aqueles que eles passavam no fio da espada.

quando colombo aportou, no que mais tarde seria chamado de continente americano, e viu as pessoas que viviam aqui, ele não perguntou quem eram, mas o que eram!

são humanos ou não são humanos?

isso está escrito já na primeira carta de colombo, nos diz quijano.

e é exatamente isto o que estão dizendo os torcedores espanhóis quando chamam vini jr de macaco.

a espanha ainda idolatra hernán cortés² e francisco pizarro³, dois racistas assassinos e sanguinários.

os espanhóis ainda se refestelam com o produto do roubo e da pilhagem que seus antepassados piratearam do continente americano.

e como se vê, a herança colonial espanhola não é só material.

quijano afirma que essa noção de raça, superior e inferior, não desapareceu com a emancipação e nem com o anticolonialismo, pelo contrário, em muitos âmbitos ela se tornou ainda mais forte.

temos um estádio lotado, com transmissão ao vivo para todo o mundo, gritando isto abertamente.

como pode um estádio inteiro massacrar um garoto por conta da cor de sua pele e isso não gerar um repúdio público, contundente e imediato de toda a sociedade espanhola, do rei ao rato?

são racistas, todos, ou só os que pagaram o ingresso?

como diabos as redes de televisão não tiveram o pudor de ameaçar não mais transmitir este tipo de espetáculo grotesco?

é uma educação racista que estão a oferecer aos seus telespectadores mirins?

é isso que estão a servir às crianças na espanha, como espetáculo?

além de esfolarem touros em arenas, esses selvagens agora matam simbolicamente um jovem negro, enforcando-o e arrancando-lhe a humanidade?

como grandes empresas transnacionais continuam a ganhar dinheiro patrocinando este horrendo show de incivilidade?

o fizeram sempre porque sempre contaram com a conivência da sociedade e do poder público e com o medo daqueles que eles humilhavam.

o racismo é, desde sempre, uma relação de poder.

há muitas pessoas poderosas respaldando o grito selvagem de cachaceiros de arquibancada.

mas vini jr meteu o pé na porta.

“dizem que a felicidade incomoda, a felicidade de um peto, brasileiro, vitorioso na europa incomoda muito mais”, disse o craque em um vídeo postado em suas redes no ano passado, depois de ser escorraçado na imprensa e nas redes porque cultiva o despudor de dançar e sorrir enquanto aplica seus mágicos dribles em campo.

com isso, vini chamou todos os descendentes de escravizadores de frustrados, invejosos e infelizes.

bingo!

“respeite ou surtem. repito pra você, RACISTA, eu não vou parar de bailar”.

É uma porrada forte demais.

a estrutura sentiu.

Javier veio a público pedir desculpas a vini.

o poderoso banco santander já mandou dizer que não vai renovar o patrocínio a la liga.

a pecha de racista pegou, e pegou mal.

tá todo mundo se coçando.

no ano que vem, a espanha vai apresentar sua candidatura para sediar o mundial de 2030, junto com portugal e marrocos.

a coisa pode desandar.

ninguém vai botar uma copa do mundo em um país carimbado como racista.

agora, o mundo vai saber se a espanha, realmente, não é mais racista ou se está apenas a tentar limpar sua barra e defender seus interesses econômicos.

o racismo, não nos esqueçamos, é uma relação de poder.

e vini jr mostrou-se um garoto poderoso.

nunca uma pessoa só, um único indivíduo, fez tanto pela luta antirracista como ele o fez agora.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.

¹ Aníbal Quijano foi um sociólogo e pensador humanista peruano, conhecido por ter desenvolvido o conceito de “colonialidade do poder”.

² Hernán Cortés de Monroy y Pizarro Altamirano, 1.° Marquês do Vale de Oaxaca foi um conquistador espanhol, conhecido por ter destruído o Império Asteca de Moctezuma II e conquistado o centro do atual território do México para a Espanha.

³ Francisco Pizarro González foi um conquistador e explorador espanhol que entrou para a história como “o conquistador do Peru”, tendo submetido o Império Inca ao poderio espanhol.

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Comentários

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Domas

Foi, literalmente, uma porrada nas fuças dos racistas espanhóis. Grande Vini, fez mais que todos os outros, que só sentiram e reclamaram mas sem muito entusiasmo .

Zé Maria

.

Durante Séculos, os Idolatrados Navegadores
da Península Ibérica (Espanhóis e Portugueses)
operaram no Extermínio dos Povos Originários
e no Comércio Internacional de Humanos (Pretos),
sob o Patrocínio da Inquisição de Espanha e Portugal,
tal como, a partir do Século XVI, os Bandeirantes, de
Mesmas Origens, atuaram na Preação e na Execução
de Indígenas e Quilombolas no Território Brasileiro.

.

Dan

Saboroso, vivo, inteligente, incendiário, tocante na alma, uma porrada e um primor cada texto do Lelê. Gracias!

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