Júlio Pacca: ”Eleitor de Bolsonaro, acredite-me; o rico, rico mesmo, tem nojo de você!”

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CRB

por Júlio Pacca*, especial para o Viomundo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia

Os versos de Fernando Pessoa não são citados para fazer uma arrogante introdução literata—muitos usam e já usaram estes versos.

Antes, porque tocam na questão fundamental sobre a minha aldeia chamada Brasil.

No passado, um amalgamado de comunidades que se gabava de sua pluralidade e sincretismo.

Hoje, arriscada aldeia a ser dividida em duas partes opostas, em que uma aniquilará a outra.

O retrato de nossa democracia anuncia a morte civil do outro. Não apenas do outro que optou por não estar do mesmo lado; mas daquele que em nenhum lado pode estar. Genocídio.

Moro ao Norte do Brasil. Sim, na terra de Trump. Égide do liberalismo econômico e do conservadorismo moral.

Simulacro do candidato do PSL à presidência do Brasil, Trump também ocupava um lugar exótico, inesperado, que fazia com que ninguém acreditasse na sua sobrevivência como candidato.

Virou presidente numa presidência cheia de corrupção, traição, escândalos e muita incompetência.

Esta minha estrangeiridade não deveria me exortar nem ao exotismo, nem ao antagonismo.

Apesar disto, amigos e familiares me tratam com xenofobia, como se o fato de não morar no Brasil me impedisse de apreciar o Tejo. De lembrar do Tejo e de ler sobre este Brasil.

A aldeia que eu prefiro para meu Tejo é uma que não exclui, pelas margens, nem santos e nem diabos. O diabo só nos é exótico porque diferente.

O exotismo e a xenofobia caminham juntos. O exotismo demarca aquilo que nos é inesperado, diferente, distante.

A xenofobia é o mecanismo de defesa diante do exótico que chega perto demais. Que mostra em que podemos nos transformar: assustamo-nos não apenas com o que não somos, mas com aquilo que poderíamos ser e não desejamos.

Você, leitor, já deve ter experienciado isto antes: uma visita a uma comunidade diferente, num lugar diferente.

Pessoas dançam ou cantam de forma diferente. Muito diferente. Excitante!

De repente, aproximam-se demais: advém o choque, o medo de perder algo, seja a identidade ou a carteira.

Cidadãos empobrecidos assustam quando chegam mais perto, quando estão na mesma escola que nossos filhos. Cidadãos pobres que pouco têm o que comer ou vestir, ao usar uma camisa semelhante à minha transformam o meu “eu”.

Igualar é uma peste, ainda mais num mundo de mídia social.

Que social o quê? Facebook, twitter, instagram, e whatsApp da vida são veículos de exercício do egocentrismo.

Veja bem, não disse identidade: disse egocentrismo. A identidade requer o reconhecimento do social. O egocentrismo mostra apenas o exercício do culto ao eu.

Nesta sociedade que se torna mais um amalgamado de indivíduos particulares, o social é expurgado do local público que se constrói cada vez mais como um exercício da replicação do que me iguala. Perde substância, perde interioridade, perde capacidade de transformação.

Para a preservação deste lugar egóico, o outro tem que parar de existir. A transformação é trocada pela aniquilação.

A eleição de Bolsonaro não é a eleição de um candidato fascista e preconceituoso.

Bolsonaro não tem ideias. Os eleitores de Bolsonaro não votam desta vez, para escolher uma ideia: defesa de liberalismo ou moralismo e estado menor não são propostas, apenas visão de mundo.

Neste espectro, há Amoedo, Alckmin, Meireles, Dias e até Marina recentemente.

A escolha de Bolsonaro é a escolha do genocídio do outro que me é estranho.

É escolha dos paulistas contra o resto do Brasil; dos gaúchos contra o resto do mundo; dos brancos, aos negros.

O termo genocídio não foi usado por mim: o próprio Bolsonaro propôs isto às favelas do Rio. Como se a bala fosse exterminar o problema.

Lamento dizer: ao extinguir o alvo do dia, outro se erguerá.

Olha só: pode ser você, eleitor de Bolsonaro! Acredite-me: o rico, rico mesmo, tem nojo de você.

Não ofereça nenhum pratinho a um membro de uma família de banqueiros: eles vão ficar com nojo de você. Eles podem ser o seu ideal egóico, mas você não é o deles.

Neste momento de insegurança, de medo, de instabilidade. Neste contexto de ostentação do ego.

Sabe, minha amiga, nesta hora em que se acredita que não há mais esperança, esperamos alguém que vai nos salvar.

Alguém que venha com um olhar protetor e a coragem de enfrentar os problemas.

Bolsonaro é covarde porque não há coragem na aniquilação de homens, mulheres e crianças.

O herói não está no outro. Está aí: dentro de você.

Você só precisa ter coragem de acreditar que há esperança. A esperança nunca é egoísta.

O Tejo, minha amiga, é o mais belo rio que corre dos seus olhos pela vida de um outro alguém.

*Júlio Pacca é psicólogo e mestre em Saúde Pública

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