Julian Rodrigues: Da CPI da Covid ao Tribunal de Manaus; genocidas terão de ser julgados e punidos, como em Nuremberg

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Cemitério de Manaus, epicentro do experimento genocida do bolsonarismo. E o Tribunal de Nuremberg, no julgamento dos carrascos nazistas, último ato da 2ª Guerra. Fotos: Secom AM e arquivo histórico

Da CPI ao Tribunal de Manaus: genocidas serão julgados e punidos

Por um Tribunal especial – pelo direito à memória, verdade e justiça: crimes contra a humanidade são imprescritíveis

Por Julian Rodrigues, especial para o Viomundo

Os senadores bolsonaristas ficaram indignados, quase enlouquecidos na CPI da Covid-19.

O combativo senador Alessandro Vieira, no último dia 20 de maio, fez menção ao famoso julgamento do nazista Adolf Eichmann, em 1962.

Foi o evento que motivou Hannah Arendt a elaborar sua reflexão clássica sobre a “banalidade do mal”.

Eichmann, alto oficial nazista, responsável pelo extermínio de milhares de pessoas alegava que apenas cumpria ordens superiores.

Um homem comum, um burocrata, não teve culpa nenhuma?

Alessandro Vieira acertou em cheio. A analogia doeu. Pazzuello havia acabado de depor se fazendo de mero técnico bem intencionado. Distribuindo responsabilidades, poupando seu chefe. Tal como os burocratas alemães que operaram os campos de concentração.

Renan Calheiros, relator da CPI foi mais longe ainda. Mencionou o Tribunal de Nuremberg:

“Presidente, Nuremberg reuniu e puniu inúmeros próceres nazistas e há muitos questionamentos, até hoje, que são feitos sobre o próprio julgamento. Por exemplo, se não foi um julgamento dos vencedores apenas; se a pena de morte dada como sentença não deveria ter sido a pena de prisão pelos crimes cometidos. São balizadores importantes”.

Mas Renan foi mais fundo quando citou Hermann Goring, um dos maiores comandantes nazistas, que foi condenado no Tribunal de Nuremberg e se suicidou.

Bolsonaristas menos toscos entenderam imediatamente e protestaram. Renan estava a aproximar práticas fascistas ao genocídio em curso, apontando semelhanças entre as falas dos chefes nazistas com o discurso de “algumas autoridades” que haviam prestado depoimento na CPI.

Objetivamente trata-se de uma CPI histórica. Independente de seus resultados políticos imediatos a investigação em curso desvela e sistematiza para o país o processo que nos trouxe até aqui (470 mil vidas perdidas). Um genocídio de novo tipo.

Memória, verdade e justiça

Os movimentos sociais consolidaram os conceitos de direito à memória, verdade e justiça.

O direito à memória parte do pressuposto de que para superar os regimes autoritários e evitar que possam se repetir é preciso lembrar e registrar as violências e violações de direitos.

A ideia de justiça de transição se conecta ao direito à memória e à verdade. É preciso investigar, julgar e punir aqueles que perpetram crimes contra a humanidade. Os que torturaram, mataram, executaram a necropolítica.

Não há um modelo único de justiça transicional. Aqui, diferentemente da maioria dos países da América Latina não investigamos nem punimos os ditadores militares.

Agora temos outro cenário. Nunca morreram tantas pessoas em tão pouco tempo. O governo Bolsonaro implementou uma política deliberada de propagação do coronavírus. Tudo indica que ultrapassaremos, em breve, a marca de 500 mil pessoas mortas.

Quando sairmos desse regime autoritário bolsonarista e restaurarmos um regime democrático teremos que deter todo conhecimento dos fatos ocorridos. Depois, operar a responsabilização dos culpados pelo morticínio, além de instaurar uma política de reparação às famílias das vítimas.

Não se trata só de julgar e prender Bolsonaro. A CPI já nos mostra que o genocídio foi obra coletiva. Ministros, governadores, médicos, prefeitos, empresários – o movimento negacionista envolveu muitos e variados atores.

Meio milhão de vidas de brasileiras e brasileiros é uma monstruosidade. Um país que tem um sistema de saúde público e gratuito, com larga expertise em vacinação em massa, com instituições científicas de ponta, com recursos não passaria nunca por essa tragédia não fosse o governo neofascista de Bolsonaro.

Celebrar a vida dos que se foram e honrar suas memórias apontam para um caminho só: derrotar Bolsonaro e instituir um Tribunal. Justiça de transição. Resgatar a memória dos que pereceram e colocar no banco dos réus todos responsáveis por essa tragédia monumental.

Um tribunal específico, com configuração especial deve ser instaurado. Que tenha o nome de Tribunal de Manaus (porque foi lá epicentro do experimento genocida do bolsonarismo).

A CPI é o primeiro passo. Renan Calheiros e Alessandro Vieira, reitero, acertam em cheio quando rememoram o Tribunal de Nuremberg. Fascistas não passarão. Derrotaremos esse governo de morte. Nas ruas e nas urnas.

Que o terceiro governo Lula incorpore no seu programa o objetivo de passar a limpo esses anos de trevas. Para que nunca mais aconteça. Para fazer justiça aos que pereceram por falta de vacina.

*Julian Rodrigues é professor, jornalista e ativista de Direitos Humanos 


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