Juízes, advogados, indígenas e quilombolas juntos em defesa do juiz Edevaldo de Medeiros; saiba quem são os seus algozes

Tempo de leitura: 8 min
Sinta-se abraçado. O juiz Edevaldo de Medeiros abraçando o jornalista e escritor Fernando de Morais, na porta da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente Lula estava preso. Foto: Eduardo Matysiak

O dia em que juízes visitaram o ex-presidente Lula, em Curitiba. Da esquerda para a direita, Rui Portanova, Leador, André Manchado, Raquel Braga, Germana de Motelo, José Antônio, Magda Biavaschi, José Augusto Maurício Brasil e Mário Pinheiro. Foto: Eduardo Matysiak

Por Conceição Lemes

Começa, às 14h, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), um julgamento histórico.

O do juiz federal Edevaldo de Medeiros, que está sendo processado por razões políticas e não por motivos jurídicos.

Oito procuradores representaram contra ele na Corregedoria do TRF3:

Stella Fátima Scampini

Márcio Domene Cabrini

Sergei Medeiros Araújo

José Ricardo Meirelles

Janice Agostinho Barreto Ascari

Adriana Scordamaglia Fernandes

Uendel Domingues Ugatti

Álvaro Luiz de Mattos Stipp

O processo corre em segredo de justiça.

Mas, pelo que se sabe, eles elencaram decisões nas quais o juiz Edevaldo de Medeiros absolveu réus em vez de condená-los, como eles gostariam.

Mas, como podem se insurgir contra tais absolvições, se esses procuradores jamais atuaram na comarca dele?

O juiz Germano Siqueira, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), observa em artigo (na íntegra, abaixo) publicado no Blog do Fred na Folha de S. Paulo:

Curioso é que, no caso do juiz Edvaldo Medeiros, nenhum dos oito procuradores trabalha ou trabalhou com o magistrado.

O único procurador que atua junto à Vara do magistrado foi arrolado como testemunha, mas em juízo admitiu que “corrigiu” a peça acusatória, parecendo tudo isso ser uma espécie de artimanha para viabilizar a prova.

Ou seja:

1) Nenhum trabalha ou trabalhou com o doutor Edevaldo.

2) Único procurador que atuou na comarca do magistrado foi colocado como “testemunha” dos outros oito, mas assumiu que “corrigiu” a petição dos oito, que iniciaram o processo.

A propósito,  a procuradora Janice Ascari, signatária da representação, foi condenada em 2015 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por caluniar um juiz em um blog.

Reportagem do Conjur registra:

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça condenou uma procuradora da República a oito meses de prisão por ter publicado comentários contra um juiz, durante investigações ligadas à operação satiagraha. Para os ministros, a procuradora regional da 3ª Região Janice Agostinho Ascari cometeu o crime de calúnia ao acusar o juiz federal Ali Mazloum de “exorbitar suas funções”, “blindar e apartar os verdadeiros criminosos e denegrir a imagem dos investigadores”.

Ela também foi condenada a pagar 30 dias-multa (no valor de um salário mínimo vigente à época do fato) e teve direitos políticos suspensos. A pena de prisão foi substituída por restritiva de direitos, com prestação de serviços à comunidade. Por oito votos a cinco, a corte entendeu que houve dolo direto da procuradora no comentário, com intenção consciente de denegrir e atacar a figura do juiz.

A procuradora da República Janice Ascari, uma das oito signatárias da representação, e o procutador Ricardo Tadeu, a ”testemunha”

Não à toa juristas, advogados, grupos e entidades da área saíram em defesa do juiz Edevaldo de Medeiros.

O primeiro a manifestar  apoio foi o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD).

O Viomundo já publicou a nota aqui.

Abaixo, o artigo do juiz Germano Siqueira.

Também as notas do Prerrogativas, da Associação Brasileira de Juízes pela Democracia (ABJD) e do Instituto  do Direito da Criança e do Adolescente.

“Querem calar e intimidar juízes. Isso é coisa típica de Estado fascista”, denuncia a advogada Tânia Mandarino, do CAAD.

“Não admitimos outro resultado senão a completa absolvição de Edevaldo de Medeiros, a bem da Democracia e do Estado de Direito”, frisa.

Por Germano Siqueira*, no Blog do Fred/Folha de São Paulo 

O retrocesso político e civilizatório brasileiro parece não pretender deixar pedra sobre pedra nas instituições da República. A última dessas etapas ameaça ruir e levar consigo a confiança derradeira na democracia e nas liberdades.

Trata-se da independência judicial, garantidora da liberdade que têm os juízes de interpretar a ordem jurídica segundo a sua convicção, motivadamente, ao amparo da lei e da Constituição.

Em que pese essa garantia, dois casos gravíssimos de decisões judiciais no Estado de São Paulo foram recentemente deslocados, de forma inaceitável, do debate processual para as instâncias disciplinares.

No primeiro deles, o juiz de direito Roberto Luiz Corcioli Filho foi punido, com a pena de censura, pelo TJ-SP, por alegada “atuação com viés ideológico”, por “soltar muito” os presos sob sua jurisdição; por ser “progressista” demais.

Um outro ponto da “acusação” é a interpretação do artigo 240 do CPP e a ilegalidade de busca pessoal feita pelas guardas metropolitanas.

Essa ânsia punitiva do Ministério Público diz respeito, evidentemente, à interpretação da lei, sendo escandalosamente incabível ser transportada qualquer discussão nessa seara para a vertente disciplinar com evidente objetivo de intimidar não só do juiz punido, mas todos os outros que verão em seu exemplo o que pode lhes acontecer de prejudicial, caso sigam o mesmo caminho.

Mas o avanço contra a independência judicial não fica apenas no caso do juiz Roberto Corcioli. Neste dia 25.nov.2020, às 14h, tem-se notícia de que o Órgão Especial do TRF-3 também julgará processo disciplinar aberto contra o juiz Edevaldo de Medeiros, igualmente instaurado a pedido de nove Procuradores da República.

As “acusações” não são substancialmente distintas, ambas dizem respeito a decisões judiciais proferidas pelo magistrado ao longo de uma década, tidas como “desfavoráveis” ao MPF.

A alegação dos procuradores, nesse caso, é no sentido de que o juiz teria um tal de perfil “ético-psicológico arbitrário” que o lavaria, por “razões ideológicas”, a rejeitar denúncias do órgão ministerial, de modo que a via disciplinar seria mais eficiente do que a recursal para inibir essas decisões. Reclamam até que o juiz concede liberdades provisórias não compatíveis com o entendimento que acham o correto.

Semelhante ao caso do juiz Corcioli, no caso do juiz Edevaldo Medeiros, o que pretende também o MPF, por divergências interpretativas, é eliminar progressivamente da magistratura inimigos imaginários, os que imaginam ser os inimigos da senha punitivista, na verdade, que tomou conta de uma banda da magistratura e do MP.

Curioso é que, no caso do juiz Edvaldo Medeiros, nenhum dos oito procuradores trabalha ou trabalhou com o magistrado.

O único procurador que atua junto à Vara do magistrado foi arrolado como testemunha, mas em juízo admitiu que “corrigiu” a peça acusatória, parecendo tudo isso ser uma espécie de artimanha para viabilizar a prova.

São casos até então sem precedentes, que emulam no Brasil o Macarthismo reinante nos EUA nos anos cinquenta, caracterizado por uma forte repressão política a adversários, com formação das chamadas “listas negras”, demissões dos indesejáveis, naquilo que se chamou de “caça às bruxas”.

Tenta-se agora, no Poder Judiciário brasileiro, em estágio inicial, por demanda do Ministério Público, copiar esses métodos nefastos e de triste memória.

Não se pode, todavia, colocar uma camisa de força disciplinar naqueles que não pensam em harmonia com o pensamento único do Ministério Público.

A independência judicial aparente e concreta não comporta tutela às decisões dos juízes por órgãos disciplinares, sob pena de naufragar a ideia e a existência de um Judiciário livre no Brasil.

Segundo constou do “Bangalore Principles Of Judicial Conduct”, documento editado sob os auspícios das Nações Unidas, é “(..) importante que o Judiciário seja visto como independente e que a análise da independência inclua essa percepção”. (fls.58).

É urgente e necessário, portanto, que os tribunais assegurem as garantias da magistratura e que o Conselho Nacional de Justiça reveja eventuais decisões equivocadas das cortes locais, restaurando a independência judicial e do próprio funcionamento do Poder Judiciário.

Sem essa garantia o Poder Judiciário não tem serventia democrática; será apenas expressão do arbítrio sob o enganoso verniz do Estado Democrático de Direito.

*Germano Siqueira é juiz do Trabalho em Fortaleza. Foi presidente da Anamatra no biênio 2015/2017.

JULGAMENTOS DOS JUÍZES ROBERTO CORCIOLI E EDEVALDO DE MEDEIROS

Perrogativas

O Grupo Prerrogativas, que congrega juristas e advogados de todo país, unido em torno da preservação do Estado Democrático de Direito, vem expressar preocupação com os julgamentos disciplinares dos juízes Roberto Corcioli e Edevaldo de Medeiros.

Amanhã, dia 24, o juiz Roberto Corcioli, terá julgado, no CNJ, recurso que apresentou contra condenação disciplinar imposta pelo TJSP e, na quarta, dia 25, será a vez do juiz Edevaldo de Medeiros ser julgado pelo TRF3.

Os dois casos, se não são idênticos, guardam singular semelhança, na medida em que os dois juízes foram representados por grupos de promotores e de procuradores da república por proferirem decisões criminais em desacordo com o desejo da acusação.

É preocupante que, depois de mais de 200 anos de luta contra o arbítrio estatal – instrumentalizado por um processo inquisitivo – e de luta cotidiana para construção de um processo penal acusatório, membros do Órgão Acusador se valham da via disciplinar para, constrangendo juízes que interpretam a lei com base no garantismo penal, os tornar dóceis às teses acusatórias em detrimento dos direitos fundamentais e da separação entre estado-juiz e estado-acusação.

Trata-se de um procedimento perigosíssimo, que reduz a separação entre órgão acusador e órgão julgador a uma previsão meramente formal, na medida em que, juízes com receio de punição disciplinar podem passar a simplesmente acolher acriticamente todo tipo de acusação.

A separação material entre estado-juiz e estado-acusação exige postura firme dos órgãos correicionais, no sentido de não admitirem nenhuma pretensão que tenha como pano de fundo, mesmo quando dissimulada por outras alegações, o uso de procedimentos disciplinares para inibir a atuação independente dos juízes.

E exige, na mesma medida, atenção, não só dos órgãos do Poder Judiciário e do CNJ, mas também dos órgãos de controle disciplinar de membros do Ministério Público que usam desses expedientes para enfraquecer a independência judicial

É por isso que nós, do Grupo Prerrogativas, ao tempo em que nos solidarizamos com esses dois magistrados, rechaçamos a ameaça de censura ao direito constitucional, que é também dever, de interpretar a lei segundo as técnicas de hermenêutica, que constitui fundamento da democracia.

ABJD REPUDIA PERSEGUIÇÃO DE JUÍZES

ABJD

O uso do aparato do sistema de justiça para perseguir magistrados progressistas tem sido uma constante nos últimos tempos. Corregedorias e o próprio Conselho Nacional de Justiça, que praticam um silêncio seletivo, deixando de investigar juízes que praticam ilegalidades flagrantes, abrem procedimentos investigativos com evidente motivação política.

Dois casos muito emblemáticos serão julgados nesta semana. Na terça-feira (24), o juiz Roberto Corcioli, condenado pelo TJSP disciplinarmente terá seu recurso analisado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Na quarta-feira (25) o Juiz Federal Edevaldo de Medeiros, representado por oito membros do Ministério Público Federal, será julgado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Em ambos os casos a motivação alegada diz respeito a questões processuais, sugerindo que os magistrados agem em desacordo com o Ministério Público, o que, por si só, é uma grande incongruência, tendo em conta que o juiz não se vincula, em qualquer hipótese, à posição do órgão ministerial, exercendo papel completamente distinto, sobretudo em matérias que o MP funciona como parte, como é o Direito Penal.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, em primeiro lugar, lamenta que demandas como essas, de evidente perseguição, pautadas por membros do Ministério Público, alcancem abrigo nos órgãos de correição do Poder Judiciário a ponto de serem analisadas e deferidas.

Em segundo lugar, denunciando a perseguição seletiva a magistrados que se colocam no campo do garantismo, a ABJD exige que instituições como as corregedorias dos tribunais e o CNJ atuem dentro dos parâmetros da ordem constitucional, respeitando nos dois casos a independência judicial, que é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito.

INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E SOCIEDADE CIVIL COM O JUIZ EDEVALDO

NOTA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO JAÓ

Nós, da Comunidade Quilombola do Jaó, apoiamos nosso amigo dr. Edevaldo de Medeiros,
uma pessoa que esteve presente em nossa comunidade, luta pela democracia e igualdade. Ele
abriu as portas do judiciário não só para o Quilombo, mas para todo o povo do campo. Ele
sempre defendeu o Estado Democrático de Direito.

“Dr. Edevaldo, o Quilombo do Jaó está junto com você.”

Associação dos produtores rurais Quilombos do Jaó


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Comentários

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Zé Maria

Por já ter havido absolvição,
juiz rejeita denúncia contra
Lula, Dilma e Mantega

“Ainda não caiu a ficha de que aqueles julgamentos do Moro
e da Lava Jato de Curitiba foram uma farsa e uma fraude?
Ou estão achando que Juiz “honesto” é o Moro e todos
os outros juízes do Brasil que inocentam Lula é que não são?”

https://luizmuller.com/2020/11/23/por-ja-ter-havido-absolvicao-juiz-rejeita-denuncia-contra-lula-dilma-e-mantega/

Zé Maria

Livro

“Vaza Jato ― Os Bastidores das Reportagens que Sacudiram o Brasil”
da Jornalista Letícia Duarte, em parceria com a Redação do Intercept.
(Mórula Editorial, 2020)
https://www.livrovazajato.com.br/
https://twitter.com/MorulaEditorial/status/1330998150488797186

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“Relações Indecentes”
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Morvan

Como pessoa que esteve nas narcóticas, soporíferas aulas de direito (caixa baixa intencional), não fico surpreso. Um poder sem rédeas, o qual passou incólume por todos os golpes, preservado nos seus ganhos, desde que não atrapalhe a “revolução”, sem controle (lembrem a mídia “mainstream“), poderia redundar diferente? Creio que não. O Golpiciário brasileiro é o que a Casa Grande dele fez: um validador de exceções, um covalidador do seletivismo classista.
E se se considerar que o capetalismo rentista cada vez mais precisará de covalidação da perda de direitos, O Golpiciário e outras forças repressivas estarão sempre de prontidão.

Zé Maria

Em PaíZ Fascista, Juiz não pode ser Humano,
tem que ser uma Máquina de Condenação.

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