Juiz Damasceno: Se a PEC que limitava os poderes do MP tivesse sido aprovada, Janot não quereria matar ministro do STF

Tempo de leitura: 2 min
Fotos: Marcelo Camargo e Tânia Rego/Agência Brasil

Eu apoiei a PEC 37, que limitava os poderes do MP

por João Batista Damasceno, em seu blog

Eu apoiei a PEC 37 (veja aqui e aqui), que limitava os poderes do MP.

Com ela o ex-PGR teria aprendido mais cedo que não é super herói e não teria querido matar um ministro do STF.

Eu sei o que são estes “potentados da burocracia”, pois já vivi ameaçado dentro do tribunal a que pertenço.

A proposta de emenda à Constituição limitando os poderes investigatórios criminais exercidos indevidamente pelo Ministério Público o coloca sob o Estado Direito.

Com a PEC 37 fica explícito que cabe à polícia investigar e ao MP o controle da atividade policial.

O MP pretende investigar diretamente, acumulando os poderes investigatório e acusatório, sem que seja controlado nesta atividade.

Juízes, promotores ou policiais não são deuses.

São pessoas sujeitas aos mesmos erros que as demais. A cordialidade que nos caracteriza propicia perseguições, caprichos e apadrinhamentos.

Demonstrando o quanto se é rigoroso na aplicação da lei, há quem seja capaz de atrocidades com os que não sejam do seu clã ou se encontrem em situação de vulnerabilidade.

Somente um sistema de distribuição de funções entre diferentes órgãos e controle recíproco de uns sobre os outros pode ensejar o exercício adequado de cada função.

Ao longo de 20 anos julgando ações civis públicas e ações por improbidade administrativa, vislumbrei o quanto por vezes se é rigoroso com uns e nem tanto com outros.

Nos inquéritos cíveis públicos, o MP tem o poder de investigar, mas nem sempre o faz diretamente. Em muitos casos as investigações são feitas por policiais militares alocados junto ao MP, em decorrência de “convênio remunerado”, de discutível legalidade, celebrado no Rio.

Muitos foram os relatos de abusos destes policiais agindo em nome do MP, sem quem os controlasse.

Diversamente do inquérito civil, quando em regra o acusado tem maior capacidade de defesa, a seletividade do sistema penal torna os excluídos alvos preferenciais de sua atuação, com pouca possibilidade de subtração ao arbítrio.

O MP já tem poderes para requisitar investigações e, para controle, pode acompanhar as diligências.

Poder concentrado e sem controle é sinônimo de abuso.

As anomalias que se registram nas investigações feitas pelo MP e nas perícias de sua equipe no Rio nos apontam o caminho pelo qual a rejeição da PEC 37 nos conduziria.

*João Batista Damasceno é Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. É membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).


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Comentários

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Zé Maria

Investigação Criminal pelo Ministério Público Possui Limites

“Poderes implícitos só existem no silêncio da Constituição”

“O STF deixou claro que a investigação direta pelo MP
é marcada pela subsidiariedade e excepcionalidade”

“O Ministério Público não recebeu um cheque em branco
sobre a primeira etapa da persecução criminal”

“A investigação criminal não pode ser unidirecional,
tendo uma função garantista”

Por Henrique Hoffmann e André Nicolitt, na ConJur
[…]
No Brasil, a legislação sabiamente criou distintos órgãos
para fazer as funções de investigar e acusar, evitando assim
a concentração de poderes nas mãos do Ministério Público …
e da Polícia Judiciária …

Essa é a expressa previsão dos artigos 129 e 144 da Constituição, além da Lei 12.830/13, Lei 8.625/93 e Lei Complementar 75/93, que coloca o MP como instituição de acusação e de controle externo das polícias.

Como sabemos, poderes implícitos só existem no silêncio da Constituição.
A ausência de atribuição investigativa do MP não foi um mero
esquecimento do constituinte originário, que expressamente
rejeitou várias emendas que dariam tal poder ao Parquet.

Nesse sentido, a garantia de ser investigado apenas
pela autoridade de Polícia Judiciária devida, em respeito
ao princípio do delegado natural, revela-se verdadeiro
direito fundamental do indivíduo.

Por mais importante que seja o discurso [de] combate à criminalidade,
não têm o condão de autorizar a subversão da divisão
constitucional de atribuições.

A sanha utilitarista não pode jogar por terra garantias
que não foram conquistadas do dia para a noite.

Daí que a investigação direta pelo Ministério Público
é algo que não se pode admitir.
Todavia, surpreendentemente não foi esse o caminho trilhado
pelo STF, em que pese o alerta do vencido ministro
Marco Aurélio [que iniciou carreira no MP] no sentido de ser
“inconcebível é um membro do Ministério Público
colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar (…)
prejudicando o contraditório e inobservando o princípio
da paridade de armas”.
A maioria entendeu pela possibilidade de investigação pelo Parquet.
[…]
Porém, o aspecto mais importante do julgado foi negligenciado,
a saber, os limites e condições para a investigação direta
do Ministério Público.

Segundo o STF, além de “respeitados os direitos e garantias
que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa
sob investigação do Estado”, a apuração ministerial
só pode se dar em “hipóteses excepcionais e taxativas”, ou seja,
são,“necessariamente, subsidiárias, ocorrendo, apenas, quando
não for possível, ou recomendável, se efetivem pela própria polícia”.

Os limites da investigação direta do MP podem ser esquematizados da seguinte forma:

a) excepcionalidade e subsidiariedade da apuração do MP;
b) prevalência da requisição da instauração de inquérito
sobre a deflagração de investigação ministerial;
c) condução da investigação sob sua direção e até sua conclusão;
d) impossibilidade de bis in idem [MP x Polícia, mesmo fato];
e) observância de princípios e regras que norteiam o inquérito policial;
f) respeito ao marco legal da investigação criminal no Brasil.

Procedamos à análise de cada um deles.

O STF deixou claro que a investigação direta pelo MP
é marcada pela subsidiariedade e excepcionalidade.

O ministro Celso de Mello fixou as bases da investigação
direta do MP:

“A instrução preliminar é uma ‘instituição indispensável à justiça penal’.
Seu primeiro benefício é ‘proteger o inculpado’.
Dá à defesa a faculdade de dissipar as suspeitas, de combater
os indícios, de explicar os fatos e de destruir a prevenção
no nascedouro; propicia-lhe meios de desvendar prontamente
a mentira e de evitar a escandalosa publicidade do julgamento.”
[…]
Uma nota merece a Resolução 181/17 do CNMP.

O correto seria que a mesma fosse declarada inconstitucional,
vez que suas diretrizes transbordam a esfera da regulamentação
para verdadeiramente inovar no mundo jurídico.

Entretanto, em respeito à atual posição [que pode mudar]
da Suprema Corte, há que se interpretá-la e compatibilizá-la
com a ordem vigente.

Para citar apenas algumas divergências, a malfadada Resolução:

a) possibilita que o MP requisite da Polícia Judiciária a oitiva de envolvidos (esquecendo-se que, se o Parquet iniciou a investigação, deve presidir a apuração por conta própria e conduzi-la até o fim);
b) estabelece prazo de 90 dias para conclusão da investigação de qualquer crime e sem controle judicial (divergindo da legislação pátria);
c) cria o teratológico “acordo de não-persecução penal” (que praticamente confere poderes jurisdicionais ao órgão acusador).

Tendo o STF afirmado [e é possível reconsiderar] que se aplica
à investigação do MP as disposições legais sobre o inquérito,
sendo certo que lei vale mais que resolução na hierarquia
das normas, sempre que houver descompasso entre a
resolução e a lei (destacadamente o CPP e a Lei 12.830/13),
prevalecerá a lei.

Portanto, enquanto perdurar a posição da Suprema Corte (evidentemente passível de revisão), o MP pode sim fazer investigação criminal, todavia submetida a diversos limites. O Ministério Público não recebeu um cheque em branco sobre a primeira etapa da persecução criminal.

Ademais, a investigação do MP que violar as garantias do investigado, seja do seu direito de ser ouvido, seja do direito ao silêncio, do direito à informação, ou ainda, de qualquer outra garantia, não poderá constituir justa causa válida para estear a ação penal.

Íntegra: https://www.conjur.com.br/2018-jul-30/opiniao-investigacao-criminal-mp-possui-limites

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