José Calixto: O muro do MinC

Tempo de leitura: 3 min

por José Calixto Kahil Cohon, no blog Em defesa da Educação

Diz um antigo filósofo revolucionário que as desgraças da humanidade começaram quando o primeiro idiota cercou-se de suas armas e declarou apontando: isto aqui é minha propriedade – e para que essa desgraça se expandisse na história e na terra, todos os outros infelizes se conformaram diante de tal expropriação.

O mundo virtual da internet nos coloca novamente diante de tal primeiro passo. E agora não se tratam dos meios produtivos de sobrevivência firmados pelo trabalho arado na terra, com suas línguas, gestos e nações. Pela segunda vez na história da humanidade o globo se abriu como território livre, mas agora das trocas do conhecimento, do saber humano, de sua produção criativa. Pela primeira vez todos tem a oportunidade de ter acesso ao conhecimento – podemos ouvir a sabedoria do canto dos Pigmeus do Gabão até os gemidos de Michael Jackson, e um africano pode ser dono dos direitos autorais dos Beatles!

Mas os idiotas individualistas (que redundância) insistem em cinicamente dizer que ao conhecimento se deve agregar valor real, dinheiro bruto, posse absurda da sabedoria. Aos que advogam o direito de autor de alguma obra, de imediato, logo suspeitamos: será que ela vale mesmo tudo o que dizem que vale? O verdadeiro conhecimento não é aquele feito para todo pessoa ler, acessar, olhar, ouvir? O verdadeiro produtor de conhecimento não é aquele que sabe que o valor de sua obra está contida nela mesma, na sua fortuna sobre a História e a humanidade? Afinal, a cultura não é produto de alguns, mas sim um processo coletivo. Que dizer, por exemplo, das descobertas autorais da ciência se estas se perpetuassem como direitos, pagaríamos até hoje royalties a família Jefferson pela descoberta da Luz.

Hoje, com o atual debate levantado pela Ministra Ana de Hollanda, é sabido o caso de inúmeros déspotas esclarecidos que nos trouxeram contribuições para o conhecimento do homem e do mundo, e que vêm agora nos afrontar com a conta!  O atual debate sobre direitos autorais no Brasil não é um debate: é a imposição da propriedade intelectual advinda de artistas e produtoras, no pacto capitalista da cadeia produtiva da indústria cultural. Mas isto não deve nos assustar: qualquer conhecedor da História da Indústria Cultural já previa este movimento. Assim como a imprensa, o rádio, o cinema, a televisão, todos os avanços técnicos dos meios de circulação, de informação, fornecem dialeticamente o progresso e o regresso. Se por um lado, quando da criação do rádio, acreditava-se na ampliação do acesso à cultura, na educação a distancia para todas as camadas sociais, logo interverteu-se o progresso em dominação, e, atualme nte,  basta dar um zap no rádio para ver que ele não contribui para a elevação da qualidades humanas, mas sim perpetua o gozo vulgar consumista, que apazigua o ânimo individual frente ao tédio moderno de nossas vidas. Sem contar na repressão deslavada às manifestações culturais que as “poliça” de canção submetem a sociedade.

A internet claramente está no mesmo caminho: tanto que basta olhar estatísticas para ver que a maioria da população já segue os principais monopólios midiáticos e consome da pior música à pior pornografia. Mas ainda é tempo para travarmos esta luta.

Frente a esses idiotas devemos imediatamente fazer como pedia a anedota: não vamos nos conformar. Protestaremos veementemente e para a nossa violência será somada outra tática: será a da pirataria silenciosa dos gygabites, que levando conhecimento a todos gratuitamente já tem transformado a consciência ao redor do mundo, organizando revoluções, globalizando saberes, destruindo nações e fronteiras. Será a troca intensa da criatividade comum ampliada pelas relações virtuais que fará reconhecer o sem sentido de se pagar para ver ouvir ou ler.

Essa é a toda e única fortuna que os direitos autorais custam.  Seu domínio de território é constituído por um muro diante da evolução da consciência humana.

* José Calixto Kahil Cohon faz mestrado de Filosofia na USP.


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Comentários

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Carla

Cada vez que leio um texto sobre o assunto CC me espanto, rsrsrsrs, meu gzuis, assim mesmo com "g", puxa, a contradição nas pessoas é algo surpreendente. Agora estamos discutindo a nacionalidade dos criadores de um contrato que a principio tinha o interesse em regular uma situação nova. Eu sei, vão dizer que defendo os americanos do CC, rsrsrs, fico rindo aqui, pensando, afinal somos preconceituosos??? será?? porque não podemos acreditar em uma pessoa que nasceu na terra do Tio Sam, sempre partimos do princípio que o cara é um capitalista sem vergonha e que está nos perseguindo e querendo dominar o mundo no melhor estilo Cérebro (Pink & cerébro). Agora passamos da luta contra a decisão da Ana pra luta contra os criadores do CC, sob a alegação de que são "perigosos" indignos de confiança por serem norte americanos. Me pergunto isso é o que, preconceito de raça???. Acho incrivel a gente se dizer defensor das igualdades, sem nenhum preconceito, contra a homofobia e todas as formas de, mas logo em seguida usar os mesmo argumentos de quem discrima, "yanques" entre outras palavras usadas pejorativamente, como se toda pessoa que nasceu em uma determinada parte do planeta seja exatamente igual e catalogada de acordo com a visão de outra pessoa. Sempre disseram pra mim que eramos únicos, seres capazes, com o livre arbitrio de ser bons ou ruins, mas to começando a achar que dependendo do lugar de nascimento já viemos programados, rsrsrs.
Tá eu to de gozação, mas que é engraçado ver as pessoas discutindo sexo dos anjos é, ver pessoas que defendem a liberdade tão cheias de pré conceitos a ponto de julgar uma pessoa pelo seu local de nascimento.
Eu não estou defendendo os criadores do CC, nem o estadounidenses, nem a ministra Ana de Holanda, só quero saber porque a atitude ditatorial de retirar algo que permitia compartilhamento de material público, já que falamos de informação do governo, nossa, do povo. Porque então o ministério ou outro órgão do governo não copia os contratos ou faz novos (contrato a principio é tudo igual, rsrsrs, muda só as partes e um enfeite aqui ou ali) registra e disponibiliza assim como o CC??? isso é possivel tb, nossa legislação permite. Já que o problema do CC é ter sido pensado e criado primeiro por um americano, rsrsrs e já que, somos não preconceituosos, mas… não aceitamos usar algo feito por eles, pq não se cria aqui, é só copiar, ai será brazuca, mas…. acredito q a ministra não vai usar da mesma forma, porque o fato não é esse, parece que o buraco ainda é mais embaixo. Puxa pessoal vamos lutar pela Liberdade sem pré conceitos, mesmo com os irmãozinhos dos EUA, eles são gente tb e eu particularmente adoro o blues rsrsrsrs, bjs.

SILOÉ

A internet deveria ser considerada patrimônio público mundial, posta quem quer, acessa quem quer e quem se sentir prejudicado corra atrás do prejuízo, como é feito hoje.

Marcelo de Matos

Os direitos autorais, segundo a Lei 9610, de 19.02.1998: Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. Por essa razão muitas editoras só publicam clássicos que, após 70 anos, caem no domínio público. Algumas editoras negociam os direitos autorais com os herdeiros do falecido autor e tornam-se as verdadeiras proprietárias do direito autoral. Como mudar isso? Acho que não muda. Há muito tempo é assim e há um lobby poderoso que defende essas editoras. Temos um sistema de sesmaria editorial. Por essa razão o livro, que em tempos passados custava muito barato, está tão caro no Brasil. Isso é consequência do monopólio, ou cartel livreiro.

José Calixto

para uma versão completa e polida do texto que foi publicado quando ainda recem nascido:
http://escritoscalixto.blogspot.com/2011/02/o-mur

Reginaldo

Se alguem quiser discutir seriamente o problema da propriedade intelectual, tem que sair do pequeno mundo da música pop e dos videoclipes. O nervo da coisa está em patentes e registros de farmacos, sementes, processos industriais e similares. O resto é perfumaria. Alias, perfumaria também é protegida. Em tudo isso, soa ingênuo (e a ingenuidade tem um preço) dizer que com a internet todos tem acesso ao conhecimento. Que coisa louca! O mundo é muito simples, justo e equitativo, nos jardins do Butantã.

Paulo Silva

Primeiro as primeiras coisas: compartilhemos a terra rural e urbana, os empregos, os serviços de saúde, de educação, o alimento de boa qualidade, a habitação saudável e segura, os transportes de qualidade e por aí vai.
Aí depois a gente pensa em se o artista, o produtor cultural tem condições de liberar geral o fruto do seu trabalho.
E que tal ouví-los?

Aline

"Há muito mais coisa entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia", é certo!
E para combater a fetichização da tecnologia que assolou o país no último mês – no rastro dessa celeuma descomunal pelo fato da Ministra Ana de Hollanda ter descredenciado a licença Creative Commons,tida pelos seguidores do Movimento Cultura Livre, braço tupiniquim,como uma suprema maravilha – nada melhor do que ler um inteligente e sagaz artigo do jornalista Pedro Ayres, publicado hoje, em: http://pedroayres.blogspot.com/2011/02/cultura-li
Ainda não tinha compreendido o que havia por trás do tremendo auê. Agora ficou tudo clarito, clarito!
Os detratores da Ministra são aficcionados do Richard Stallmann e do Lessig e, para eles, dane-se a Ministra.
O Movimento de Cultura Livre é ligado aos Partidos Verdes all around the world!
Então tá tudo explicado! Até a surpreendente votação da Marina Silva.
Chega de empulhação teórica!

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