José Antônio Orlando: O corpo cativo, ao sabor do mercado

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Twiggy: Na época, chocante

por José Antônio Orlando, no Semióticas (reprodução de trechos)

Moda é vestir os nus? Depende. Madonna e outros artistas populares de nossa época demonstram que provocar, e não vestir, pode ser sempre o melhor negócio. Já Simone de Beauvoir, que escreveu algumas das linhas definitivas sobre o assunto, costumava dizer com propriedade – “visto para quem me dispo”.

Pois é o aforismo da musa existencialista, aplicado aos processos midiáticos que sustentam (e por vezes subvertem), atitudes psicossexuais e sociais dominantes, que fornece a moldura para as reflexões reunidas por Shari Benstock e Suzanne Ferriss em “Por Dentro da Moda” (Editora Rocco), coletânea especialíssima de 16 ensaios sobre esse fluido, instável e implacável fenômeno situado nas fronteiras movediças entre erotismo, arte e política.

“On Fashion”, título do original em inglês, é considerado referência obrigatória em estudos sobre o ato de vestir desde a primeira edição na Europa e nos Estados Unidos, em 1994. Coube a Benstock e Ferriss, professoras de Literatura e História da Arte na Universidade de Miami, mapear os contornos da edição e juntar a equipe de especialistas em abordagens abrangentes e ambiciosas sobre as interfaces do mundo da moda.

Quando a televisão ainda não era um item obrigatório nas casas, os desfiles de moda também não eram tão populares, e o famoso tapete vermelho do Oscar nem existia, as referências para as roupas saíam do cinema, que desde as primeiras décadas do século 20 e cada vez mais exibe modelos desenhados pelos mais festejados nomes da alta costura, de Gabrielle Coco Chanel e Christian Dior a Giorgio Armani, Jean Paul Gaultier, Calvin Klein, Versace e Yohji Yamamoto – todos com presença em destaque na extensa galeria de medalhões celebrados, ou criticados, comparados, nos ensaios

Máscaras cotidianas

Filosofia, desfiles nas passarelas e a vida nas ruas: a tese que conduz a maioria dos ensaios destaca a sexualidade e os hábitos comportamentais como motor dos grandes movimentos sociais. Segundo destacam as organizadoras no ensaio de apresentação a “On Fashion”, o ato de vestir é dos mais privilegiados, porque é ele que determina e relaciona, às máscaras da vida cotidiana, o imaginário coletivo e os projetos autobiográficos de todos nós e de cada um em particular.

Ensaio sobre a Modernidade

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A ligação da moda com a mercantilização – que outro francês, Charles Baudelaire, revelou em meados do século 19, em seus “Ensaios sobre a Modernidade” (lançado no Brasil pela Paz e Terra) – vai coincidir com o surgimento do capitalismo industrial e da economia de mercado. Nas últimas décadas, impulsionado especialmente pelas imagens da fotografia, do cinema e do internet, como destacam os teóricos citados, o poder repressivo dos modismos exerce cada vez mais sua tirania sobre os consumidores de todas as idades.

Movido pela obrigação do consumo efêmero, o corpo sujeito à moda mantém-se cativo do desejo mutante de adorno, além de dependente das forças econômicas do mercado. “A moda contemporânea pode estar em frangalhos”, destacam as organizadoras. “Não mais enquadrada num único padrão dominante, numa mesma altura de bainha, mas seu olhar sequioso perscruta o mundo em busca de ‘looks’ originais para deles se apropriar”.

Ao sabor dos ventos

Revendo a história da vestimenta, “Por Dentro da Moda” toca em contradições de gênero que vão muito além das mensagens estéticas, muito além do consumismo das obsessões com compras, apontando que nas imagens da mídia contemporânea a roupa masculina se tornou fixa e estável, congelada numa “rigidez fálica”, enquanto a roupa feminina muda ao sabor dos ventos, deslocando a ênfase de uma para outra zona erógena.

“A mulher abandonou os pesados e incômodos pregueados e os torturantes trajes de armações em favor de estilos mais simples e reveladores de formas”, analisa Leslie W. Rabine no ensaio sobre consumismo e feminismo nas revistas de moda. De acordo com Rabine, catedrática da Universidade da Califórnia, a “evolução” da mulher no século 20 acarretou um efeito da maior complexidade.

“É quase um gene mutante que foi se tornando dominante”, adverte Rabine, “tanto melhorando o status da mulher objeto do olhar e do desejo masculino, como expressando sua nova independência de autoridade de pais e maridos, sua maior mobilidade física e econômica, sua situação de sujeito que reflete sobre si mesmo e um desligamento das restrições vitorianas da feminilidade”.

Twiggy, uma lenda

“Lendo antigas entrevistas e artigos sobre Twiggy, torna-se evidente de imediato que nunca uma modelo de moda teve tanta importância. É provável que nem antes, nem depois, o público tenha tido tando conhecimento da vida atrás do rosto de uma modelo. Mas a imprensa popular norte-americana, representativa da grande classe média, claramente percebeu Twiggy como uma ameaça. Oriana Fallaci, numa extensa entrevista para o ‘Saturday Evening Post’ que marcou época, divertiu-se em bombardear essa desistente dos bancos escolares com perguntas sobre história e política. Fallaci: Twiggy, você sabe o que aconteceu em Hiroshima? Twiggy: Onde é que fica isso?”
(Linda Benn DeLibero)

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