João Feres Júnior: A resiliência de Jair M. Bolsonaro e o golpe na democracia

Tempo de leitura: 6 min
Reprodução

A resiliência de Jair M. Bolsonaro

Bolsonarismo, democracia e golpe

Por João Feres Júnior, em A terra é redonda

Toda pessoa que acompanha o noticiário político brasileiro, a essa altura dos acontecimentos, já deve ter se perguntado qual seria a razão da popularidade de Bolsonaro apresentar tamanha resiliência, uma vez que os problemas que acometem sua gestão e seu comportamento seriam potencialmente muito danosos para qualquer político.

Pesquisa após pesquisa, assistimos a uma flutuação razoavelmente tímida do índice de aprovação da gestão do presidente, que se manteve acima de 30% ao longo da série temporal, a despeito da crise do Coronavírus e sua administração desastrosa por parte do governo federal.

A última rodada da pesquisa “A cara da Democracia”, realizada entre 20 e 27 de abril, detecta uma queda significativa do índice de aprovação do Governo Bolsonaro: a proporção agregada de avaliações ótimo/bom foi de apenas 22%.

Efeito semelhante foi observado pela pesquisa do Datafolha, divulgada em maio. O resultado completo da avaliação do governo na pesquisa A Cara da Democracia vai no gráfico abaixo:

Pesquisa A Cara da Democracia 2021 (INCT-IDDC): Avaliação do Governo Bolsonaro

Como vemos, a proporção daqueles que consideram o governo Bolsonaro ótimo se aproxima de 8%.

No plano das hipóteses, é razoável supor que esse contingente corresponde ao que podemos chamar de bolsonarismo raiz, ou seja, aquelas pessoas que apoiam e concordam com o presidente mesmo depois dele ter assumido posturas negacionistas e antidemocráticas bastante extremadas.

O grupo dos que acham o governo bom provavelmente é composto por aqueles que reconhecem alguns problemas na gestão, mas consideram seu saldo ainda positivo.

É mais difícil fazermos conjecturas acerca do numeroso grupo que responde regular, pois dado o alto grau de rejeição da política representativa na população, revelado por um sem número de pesquisas, é possível que haja aí muitas pessoas que estão desgostosas com Bolsonaro mas não enxergam opção desejável de mudança.

Os dois últimos grupos são os que rejeitam fortemente o governo, com preponderância para o péssimo, com quase 40% dos respondentes da pesquisa. Juntos, as categorias “ruim” e “péssimo” perfazem praticamente metade dos respondentes.

É claro que uma leitura “copo meio vazio” dos dados poderia ser feita, pois metade dos respondentes não rejeita fortemente o governo.

Ao cruzarmos o resultado da pergunta de avaliação do governo com os de outras perguntas, conseguimos obter informações mais precisas sobre o perfil do apoio ao presidente nos dias de hoje no que toca a demografia, as preferências e os valores de cada grupo.

No geral, quando comparamos o voto em 2018 com a avaliação presente de Bolsonaro, notamos que ele perdeu muito apoio nos grupos de maior renda (5-10 e acima de 10 salários mínimos), e ganhou apoio nos de menor renda (até 2 e de 2-5 salários mínimos).

Essa reorientação de preferências em relação à renda é clara, e também se reflete na variável escolaridade: 41% dos respondentes com nível superior declaram ter votado em Bolsonaro, mas hoje somente 9% acham seu governo ótimo e 12 % bom.

Em relação ao sexo, as mulheres continuam a ser significativamente mais antipáticas ao presidente do que os homens.

Essa preferência se mostra particularmente nos extremos da avaliação. Hoje, entre aqueles que acham o governo péssimo, 61% são mulheres e 39% homens. Já na outra ponta, dos que o avaliam como ótimo, 59% são homens e 41% mulheres.

Para além dessas tendências mais gerais, relevadas também por outras pesquisas, o nosso survey traz baterias de perguntas sobre temas específicos que nos permitem penetrar nas preferências e valores dos respondentes.

A primeira delas diz respeito às razões que justificariam um golpe militar no Brasil atual.

O questionário contém as seguintes razões: alto desemprego, instabilidade política, alta corrupção, muitos protestos sociais, muito crime e crise econômica aguda.

Ao cruzarmos as respostas para essas questões com os diferentes graus de apoio ao presidente obtemos o seguinte resultado:

Pesquisa A Cara da Democracia 2021 (INCT-IDDC): Avaliação do Governo x Justificativas para golpe militar

Para simplificar a representação, optei por plotar as diferenças entre apoio e rejeição em cada categoria.

Por exemplo, o ponto mais alto do gráfico, que marca 47% na curva da corrupção, é resultado da diferença entre os 72% que apoiam o golpe em caso de alta corrupção e os 25% que não apoiam, no grupo daqueles que consideram a gestão de Bolsonaro ótima.

O ponto mais baixo, que marca – 61% na curva de protestos sociais, corresponde à diferença entre os 18% que apoiam o golpe em caso de muitos protestos sociais e os 79% que o rejeitam, no grupo daqueles que consideram Bolsonaro péssimo.

Primeiramente, não precisamos criar um índice geral de golpismo para notar a forte correlação entre o apoio a Bolsonaro e a aceitação da possibilidade de golpe militar no Brasil.

Essa tendência se verifica em todos os temas. E ela é particularmente marcante nas transições entre ótimo e bom, e ruim e péssimo.

Ou seja, os bolsonaristas raiz são significativamente mais golpistas que os apoiadores mais moderados, assim como os que rejeitam fortemente o governo do capitão rejeitam também o golpe com mais intensidade do que aqueles que o rejeitam mais moderadamente.

O assunto desemprego é o que menos ativa o golpismo. Os bolsonaristas, inclusive, rejeitam essa justificativa.

O tema protestos sociais conquista maior adesão dos bolsonaristas.

Mesmo assim, a sua maioria, composta daqueles que marcaram ótimo e bom na avaliação do governo, não aceita tal justificativa.

Em seguida temos crise econômica e instabilidade política.

Ambas ganham adesão da maioria dos bolsonaristas raiz, mas não entre os mais moderados. A diferença entre os bolsonaristas no tema crise econômica é de 26 pontos percentuais entre o grupo do ótimo e o do bom.

No topo da lista temos corrupção e crime, as justificativas que mais geraram respostas de apoio à intervenção militar.

A curva do crime é curiosa, pois o saldo é positivo em prol do golpe para os valores ótimo, bom, regular e ruim.

Somente o grupo dos que acham a gestão péssima rejeitou tal solução, esse sim por uma margem razoavelmente larga de 27 pontos percentuais.

No cômputo geral, 45% dos respondentes emprestaram legitimidade à intervenção dos militares sob a justificativa de alta criminalidade.

Esse resultado revela a importância da questão da segurança, um dos carros-chefes da agenda de Bolsonaro, para uma ampla fatia da população: mesmo entre aqueles que consideram o governo péssimo, mais de um terço aceitariam golpe militar em caso de alta criminalidade.

Finalmente, corrupção é a campeã no ranking das justificativas de golpe.

Seus resultados são idênticos ao da alta criminalidade para aqueles que acham o governo ruim ou péssimo, mas muito maiores para as categorias ótimo, bom e regular.

Isso parece indicar a centralidade desse tema para o bolsonarismo.

O apoio ao golpe no grupo raiz é de 3 para 1 em caso de alta corrupção, e de mais de 2 para 1 no grupo que acha o governo bom. E esse apoio continua forte no grupo do regular, com vantagem de 19 pontos percentuais para o golpismo.

Muito mais poderia ser dito dos padrões das respostas para essa bateria de perguntas sobre a possibilidade de golpe.

Por exemplo, poderíamos examinar o outro lado das curvas, ou seja, o grupo que rejeita Bolsonaro, mas que ainda assim revela adesão surpreendente a soluções de exceção.

O exame dessas perguntas nos permite cotejar a adesão à democracia de maneira mais complexa, evitando, ao mesmo tempo, a pergunta direta.

Ele nos permite confirmar, ainda que provisoriamente, a hipótese de que a corrupção é tema central no bolsonarismo, mais ainda que a segurança.

Nenhuma outra questão, mesmo posturas antidemocráticas como a rejeição do protesto e da instabilidade política, induziu apoio tão forte quanto a corrupção.

Sabemos que esse tema está ligado à rejeição da política representativa e de suas instituições e ao antipetismo. A exploração dessas conexões fica, contudo, para uma próxima oportunidade.

*João Feres Júnior é professor de ciência política do IESP-UERJ. Coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e o Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público (LEMEP).

Nota metodológica: A edição de 2021 da pesquisa nacional “A Cara da Democracia” foi realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação.

Foram entrevistados 2031 brasileiros de todas as regiões do país entre 20 e 27 de abril. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais considerando um intervalo de confiança de 95%.

A amostra representa a população eleitoral brasileira de 16 anos ou mais distribuída proporcionalmente à população eleitoral existente em cada uma das cinco regiões do Brasil: Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul.

Os municípios foram selecionados probabilisticamente através do método PPT (probabilidade proporcional ao tamanho) tomando como base o número de eleitores de cada município.

A amostra obedeceu ainda a cotas de sexo, idade, escolaridade e renda familiar dentro de cada setor censitário.

Esta edição da pesquisa foi realizada presencialmente, seguindo os protocolos de segurança conforme orientação dos órgãos competentes, tais como uso de máscaras e álcool em gel e distanciamento seguro.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Leia também