João Batista Damasceno: Prisões-espetáculo violam frontalmente o Estado de Direito

Tempo de leitura: 2 min
Decapitação de São João Batista, de Caravaggio

Prisão e espetáculo

Por João Batista Damasceno, em seu blog

A regra reconhecida pelo Estado Democrático de Direito é a liberdade. Excepcionalmente se admite prisão.

Isto precisa ser cotidianamente lembrado ao ‘jornalismo mundo cão’, à parcela da sociedade civil sedenta de sangue e vingança e, sobretudo, aos juízes que decretam as prisões-espetáculo.

Nenhuma prisão é feita pela polícia. Toda prisão é determinada e/ou mantida pelo poder judiciário.

A polícia apenas executa a ordem expedida. Portanto, toda prisão ilegal é de responsabilidade dos juízes.

No Brasil somente estão autorizadas as seguintes prisões:

1) Prisão em flagrante, com fundamento no art. 301 do CPP que diz:

“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Tal prisão apenas subsiste até a apresentação do preso à delegacia e à audiência de custódia. Não sendo decretada a prisão preventiva a pessoa retoma seu status de liberdade.

2) Prisão em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Dispõe a Constituição em seu art. 5º que:

“LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Prisão para impedir que o condenado em segunda instância participe de processo eleitoral é ilegal.

3) Prisão provisória para investigação (temporária) ou para garantia do processo (preventiva).

Dispõe o Código de Processo Penal em seus artigos 311 e 312 que: Art.

“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

Portanto, as prisões exemplares fundadas na moralidade, decretadas para promoção do espetáculo midiático e as decretadas como expressão de vingança contra quem seja considerado inimigo são ilegalidades que violam frontalmente o Estado de Direito.

O espetáculo é incompatível com a institucionalidade da ordem jurídica que se pretende democrática.

Se o que pretendemos é o linchamento, sem processo e sem respeito à institucionalidade própria do Estado de Direito, entreguemos o poder de punir aos sentimentos transitórios das multidões.

Em tempo no qual os cristãos comemoram o nascimento do seu Deus, seria adequado que cada qual, que crê em tal divindade, pensasse o que fez a turba sedenta de sangue e vingança contra quem nem mesmo o representante do Império Romano viu falta alguma.

Sou João Batista e quero manter minha cabeça colada ao corpo.

Por isto, escrevo abstratamente sem qualquer alusão a fatos ou processos. Qualquer semelhança é mera coincidência.


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Comentários

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Zé Maria

“Vou ser sintético.
A prisão preventiva do Prefeito Crivela é inconstitucional e abusiva.
Temos de estancar a banalização do uso de prisões cautelares no país.
Trata-se de um atentado contra o Estado Constitucional e Democrático de Direito.
Jurista Pedro Serrano
https://twitter.com/Pedro_Serrano1/status/1341471215735738368
https://twitter.com/Pedro_Serrano1/status/1341530344147873793
.
.
A decisão de prender preventivamente o prefeito do Rio de Janeiro,
sem aparente risco à ordem pública e a poucos dias do fim do seu mandato,
despertou preocupação na comunidade jurídica sobre abusos cometidos
por magistrados.

“A volúpia em prender antes de julgar”.
“A liberdade humana tornou-se o bem mais barato
do patrimônio imaterial dos cidadãos…
prende-se por qualquer coisa.
A desnecessidade parece manifesta, vênias concedidas”.
Criminalista José Roberto Batochio
Ex-presidente do Conselho Federal da OAB

Reportagem: Fernanda Valente e Sérgio Rodas, de Brasília | ConJur | 22/12/2020 |
https://t.co/5ZvEGPpLVS

Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, afirma que a decisão foi abusiva e entende que não era o caso de decretar a prisão preventiva do prefeito.

“Os argumentos dados não são suficientes para justificar a prisão preventiva ou qualquer forma de prisão cautelar. Essas prisões devem ser decretadas em situações extremas, mas no Brasil o instituto foi banalizado”, diz.

De acordo com o professor de Processo Penal da USP Gustavo Badaró,
dos fundamentos apontados na decisão, não parece haver risco da prática
de novos crimes cuja única forma de impedir o cometimento seria com prisão.

“A alegação de que, depois das buscas, terceiras pessoas integrantes do esquema teriam procurado [Crivella] solicitando a continuidade do esquema não se justifica, ainda mais porque o mandato dele está para se acabar em breve”, avalia.

Como lembrou o criminalista Celso Vilardi em entrevista à CNN, a prisão preventiva
deve ser decretada em determinadas situações:

“Quando há risco de fuga, que não é o caso; quando há risco de algum tipo de destruição de prova; o que a decisão não traz nenhuma questão relacionada ao prefeito, ou para proteção da ordem pública”, explicou. Para ele, “para fins de decretação da prisão preventiva, a decisão realmente não parece perfeita”.

Já sobre o fato de o mandato de Crivella estar perto do fim, o advogado
Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da UFRJ, diz que, embora chame
a atenção da opinião pública, não é um elemento jurídico a ser considerado,
sob pena de politização das decisões judiciais.
A validade da decretação da prisão, disse, “deverá ser analisada conforme
a adequação das circunstâncias aos requisitos cautelares, expostos de forma
suficiente e convincente na fundamentação judicial”.

O constitucionalista Lenio Streck lança uma série de questionamentos sobre o tema:

“Prefeito em fim de mandato. A desembargadora diz que ele perderá o foro
em poucos dias. OK.
Mas, indaga-se: ele deve ser preso por que há requisitos concretos de prisão
ou por que ele não terá mais foro?
E continuamos com um problema que tem de ser enfrentado:
quando há foro especial, pode haver decretação de prisão por decisão monocrática?
E os fatos são de agora? Se tudo começou em 2016, por que às vésperas de Natal?
Se são anteriores ao próprio pleito de 2020, qual a razão da prisão, que é exceção,
agora? O Prefeito vai fugir? Vai destruir provas? Ele é perigoso? A ordem pública
está em perigo?
Qual é, de fato, a necessidade da prisão?
Há décadas Gui Debourd escreveu sobre a sociedade do espetáculo.
Mas ele não pensou no Brasil”.

José Roberto Batochio, criminalista e ex-presidente do Conselho Federal da OAB,
também questiona a “volúpia em prender antes de julgar”.

“Sem conhecer, em minúcias, as circunstâncias e falando apenas em tese,
é certo que transpira incontida a desnecessidade da medida extrema da prisão
processual contra políticos”, diz.

A acusação, segundo ele, “não refere à violência e não se vislumbra utilidade social na aplicação dessa medida odiosa (porque encarcera antes de julgar e condenar), essa ‘irreparabile rovina’, como dizem os doutrinadores italianos”.
“Não bastaria a aplicação de medida alternativa assecuratória de natureza
não corporal?”, questiona.

Além disso, o criminalista lamenta que “a liberdade humana tornou-se o bem mais barato do patrimônio imaterial dos cidadãos… prende-se por qualquer coisa. A desnecessidade parece manifesta, vênias concedidas”.

Íntegra: https://www.conjur.com.br/2020-dez-22/risco-ordem-publica-prisao-crivella-preocupa-advogados

Zé Maria

” O Lavajatismo criou um Universo Paralelo na ‘Justiça’ ”

Jornalista Renato Rovai, na Fórum Onze e Meia: (https://www.pscp.tv/w/1gqxvoWrMyaKB) [a partir dos 39’min]

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