Joana Belarmino: O inquietante silêncio da mídia sobre o ataque à ciência brasileira

Tempo de leitura: 5 min
Joana Belarmino enxerga o que a mídia corporativa não vê

Descrição para cegos: imagem mostra uma pessoa vestindo moletom com capuz e a sombra deste impede a visão do seu rosto. A personagem está diante de um teclado de computador, com as mãos em posição de digitar. O fundo da ilustração é coberto pela linguagem binária, formada pelos algarismos 0 e 1 (veja PS do Viomundo).

O inquietante silêncio da mídia sobre o vertiginoso ataque à ciência brasileira

Por Joana Belarmino* (observadora credenciada), no Observatório Paraibano de Jornalismo

Iniciado o período pandêmico, em março de 2020, as universidades brasileiras foram forçadas a migrar para o trabalho em home office, uma solução necessária, mas que envolveu dificuldades, constrangimentos e, sobretudo, extrema vulnerabilidade à segurança e à integridade moral de docentes e discentes.

Os ataques às universidades e mesmo à ciência brasileira já haviam sido deflagrados a partir do início do governo Jair Bolsonaro.

Vale aqui um breve inventário desse processo catastrófico:

– classificação do trabalho universitário como “balbúrdia”, feita pelo primeiro ministro a ocupar a pasta da Educação;

– bloqueio dos orçamentos universitários, pondo em risco ações de custeio, pesquisas científicas e pagamento de bolsas em todas as instituições de ensino superior da esfera federal do país;

– o não reconhecimento dos resultados eleitorais para reitores, promovendo a ocupação dos cargos por interventores em várias universidades, a exemplo da UFPB;

– imposição de censura à cátedra universitária, com medidas abusivas como a de solicitar aos estudantes a gravação de críticas dos docentes à atual conjuntura.

O ataque mais desprezível, porém, ocorre frequentemente com a estratégia de invasão das salas de aulas, eventos acadêmicos, e até mesmo de reuniões institucionais dos conselhos universitários.

O modus operandi é semelhante em todas essas ações. Elas ocorrem geralmente no ambiente do Google Meet, suporte amplamente utilizado pelos docentes para a realização das suas atividades em home office.

Presenciei um desses ataques na última quarta-feira, 15 de dezembro. Eu tinha sido convidada para participar da última atividade do Inovajor, grupo de pesquisas do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Tocantins.

Mal havíamos iniciado a mesa redonda, para falar de acessibilidade ao mercado de trabalho por profissionais com deficiência, quando o ambiente foi invadido.

O processo é avassalador. No caso em questão, a tela inicial invadida por textos em uma linguagem muito chula e sons distorcidos, acompanhados de risadas demoníacas, impediam que pudéssemos fazer uso da fala.

De acordo com informações dos organizadores daquela atividade, as invasões nas sessões da Universidade de Tocantins são frequentes.

Mas a situação não é realidade recorrente apenas naquela instituição. As denúncias ao longo desses dois anos ocorrem quase todos os dias em todas as universidades federais. Elas revelam a vulnerabilidade em que se encontra a cátedra universitária no país, ameaçada pela falta de segurança nos ambientes online, e, fato mais grave, ocorrem sob o manto da completa impunidade e liberdade de ação dos infratores.

A ação das vítimas desses ataques tem sido apresentar um boletim de ocorrência às instâncias universitárias pertinentes.

O trabalho em home office precisa realmente de uma reflexão profunda, não apenas pela comunidade universitária em geral, mas, sobretudo, pelos gestores da educação superior, envolvendo-se aqui, desde a estrutura gestora interna das instituições, aos responsáveis pela educação superior do governo federal.

Uma segunda reflexão precisa ser feita. Por que um acontecimento dessa natureza e gravidade não é notícia na mídia brasileira? O ataque à ciência do país, em todas as suas nuances desprezíveis e covardes, não merece algumas reportagens em profundidade que possam revelar as obscuras estratégias por trás de um projeto de desmonte e desqualificação do ensino superior brasileiro?

É certo que a agenda midiática já antecipou como notícia principal, as eleições de 2022.

No seu projeto, dá atenção máxima à uma candidatura de “terceira via” e dedica-se a uma devotada campanha em defesa de um programa político neoliberal.

Os problemas profundos do país, como esse verdadeiro massacre à ciência brasileira, passam ao largo dessa agenda monotemática, empenhada na defesa dos seus interesses comerciais.

Aqui, deixo minha nota de solidariedade ao ensino de Jornalismo da Universidade de Tocantins e o meu repúdio por mais esta ocorrência nefasta.

*Joana Belarmino é jornalista, pesquisadora e professora de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

PS do Viomundo: Como até então não conhecia nada sobre Joana Belarmino, a legenda da foto no topo (é a mesma que ilustra o dela) nos intrigou. Junto, veio a pergunta: Por quê?

Bastou dar uma goolgada, para o entender o motivo.

A história de Joana Belarmino de Souza é a resposta

Nasci em Itapetim, distrito do município de São José do Egito, no interior de Pernambuco.

Os meus pais eram camponeses e tiveram treze filhos, dos quais sete cegos e seis sem deficiência visual. Quando eu era criança, a minha família passava por muitas dificuldades financeiras, além termos era muito trabalho para captar água.

Nessa época, uma pessoa cega no campo era considerada algo ruim, porque em teoria não conseguiria ajudar a cuidar da plantação de milho, por exemplo.

Mas, no meu caso, meu pai me ensinou a abrir as covas para plantar e eu o auxiliava. Quando eu tinha sete anos de idade, precisei me distanciar um pouco da família, para poder ter acesso à educação.

Vim para João Pessoa, estudar no Instituto dos Cegos da Paraíba [ICPAC], onde eu me alfabetizei e estudei até os 15 anos, no esquema de internato.

No Instituto, tive alguns privilégios, como ter um uma biblioteca em braille à disposição. Eu adorava passar horas lendo, viajava nas histórias dos livros. Eram mundos que se abriam em minha cabeça. Aos 10 anos, eu já sabia datilografar, aprendizado fundamental para a minha profissão de jornalista. 

 Cursei meu ensino médio no Liceo Paraibano. Naquele tempo, escolhíamos entre científico, clássico e outros. Eu cursei o pedagógico e quando me formei, dei aula no ICPAC por um tempo.

Desde os 16 anos, eu sempre dizia que queria ser jornalista. Tentaram me desencorajar, mas o que diziam entrava por um ouvido e saía pelo outro, porque minha vontade de seguir a profissão era muito maior. Acredito que enveredei nesse caminho por influência da biblioteca do Instituto. Eu era apaixonada por esse universo.

Fiz vestibular para entrar na turma do ano de 1978 do curso de Comunicação Social – jornalismo da UFPB, era a segunda turma do recém criado curso. Na faculdade, tive grandes mestres, como Sebastião Martins, Fausto Neto, José Luis Braga e Jório Machado, que era dono de um jornal, onde eu fiz quatro grandes reportagens com freelancer.

Quando eu terminei o curso, em 1981, fui chamada para trabalhar no Jornal O Norte. Eu era repórter da seção geral e acabava tendo bastante dificuldade para fazer as matérias na rua, porque eu tinha que achar os lugares sozinha. Foi uma grande superação.

Na verdade, eu nem entendo como aquilo acontecia. Era um trabalho jornalísto feito a algumas mãos, porque eu precisava de ajuda para conseguir chegar até os entrevistados.

Achar uma determinada sala, por exemplo. Quando eu ficava de plantão no jornal, fazia matérias para outras editorias, como política e cultura, onde entre evistei grandes personalidades, como Maria Zilda e Bibi Ferreira.

Também fazia as coberturas de congressos científicos, porque eu gostava de ler e me desempenhava bem no trato do debate acadêmico. Eu era a única cega da redação, mas era a que mais gostava de ler.

Eu passei quase nove anos no jornal, quando migrei por algum tempo para Jornal A União. Em 1993, apareceu uma oportunidade de um concurso para professor substituto, na UFPB.

Pouco tempo depois, lançaram um outro concurso, dessa vez para ser efetiva. Passei, e desde de 1994 estou como professora do curso de jornslismo da Universidade Federal da Paraíba. Fiz o meu doutorado em na PUC de São Paulo, pesquisando sobre semiótica, uma das áreas da comunicação.

Durante a minha vida, também escrevi muitas crônicas e contos, que foram publicados na minha extinta coluna em A União por anos.

Publiquei alguns livros, como Tia Lila,  Era Uma Vez Uma Vírgula e Já Não Há Golfinhos no Tejo.

Também mantenho meu Blog: www.barradosnobraille.net.

Atualmente, colaboro esporadicamente com o Instituto dos Cegos fazendo formações, como o ensino do manuseio da linha braille. Sou muito grata a essa casa, que foi a responsável pela minha formação e me deu tantas oportunidades.

 

http://icpac.com.br/conheca-a-historia-de-joana-belarmino-de-sousa/8


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Comentários

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Zé Maria

Excerto

“Também fazia as coberturas de congressos científicos,
porque eu gostava de ler e me desempenhava bem
no trato do debate acadêmico.”

“Eu era a única cega da redação,
mas era a que mais gostava de ler.”
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Uma Lição da Professora Joana Belarmino
aos ‘cegos mentais’ das Redações de GAFE*:
“o pior cego é aquele que não quer ler”.

*Globo, Abril, Folha, Estadão
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