Igor Isidro: Líder do PMDB na Câmara defende volta ao regime de concessão

Tempo de leitura: 4 min

Por quais tortuosos caminhos andou o debate?

por Igor Isidro

Na última terça-feira, 23/2/2016, o líder do PMDB na câmara, Dep. Leonardo Picciani, concedeu interessante entrevista ao Programa Espaço Público da TV Brasil.

Demonstrou maturidade e conciliação frente à crise política que predomina em Brasília, porém cometeu gafes reveladoras quando se posicionou sobre o pré-sal, gafes perdoáveis talvez em qualquer debate político, mas reveladoras.

Disse o Deputado: “O regime de concessão é um regime testado. O salto do Brasil na indústria do petróleo se deu no regime de concessão.  Não foi nem no monopólio,  nem na partilha. […] Fizemos um movimento, não deu certo. Vamos voltar para o que deu certo.” Admitiu ser uma afirmação que ele pessoalmente defende, independentemente do debate atual.

Prossegue o líder do PMDB: “O que está sendo discutido pelo Serra e pelo Renan? […] é retirar a obrigação da Petrobras de participar de no mínimo 30% de todas as descobertas. É lógico que isso tem que fazer porque a Petrobras não tem neste momento capacidade financeira de arcar com todos esses investimentos. […] Está se desfazendo de ativos e tem um grau de endividamento muito amplo. […] Chega lá por exemplo uma outra empresa (BP, Shell, qualquer outra…) e diz: o investimento é de US$ 1 bilhão, coloca aí os seus US$ 300 milhões… E ela não tem capacidade financeira no caixa para arcar com estes investimentos. […] Tem que retirar a obrigação […] para que ela [a Petrobras] defina estrategicamente de qual leilão ela quer participar.”

Mais à frente o líder do PMDB complementa: “… O [regime] da partilha não deu certo. Até o momento só teve um leilão que saiu por apenas um lance.”

A argumentação do Deputado Picciani, como se verá abaixo, está repleta de sofismas, generalizações, e falta ao discurso o devido foco. Estas são características próprias de um debate pobre e apressado.

O deputado faz supor ao espectador que a Petrobras não tem caixa para entrar com US$ 300 milhões num negócio do pré-sal.  Entretanto o último balanço da Petrobras divulgado em setembro de 2015 [2] apresenta um caixa de cerca de US$ 25 bilhões. Oitenta vezes o valor do exemplo citado.

O líder do PMDB faz ao eleitorado supor que o regime de partilha é um fracasso. O deputado alega que, a seu ver, deveria ter havido outros leilões nas áreas do pré-sal desde o único leilão ocorrido, o de Libra.

Neste ponto é pertinente perguntar: com que propósito deveriam ter ocorrido outros leilões? Ampliar rapidamente a produção?  O barril está a US$ 33,00, valor que tem sido considerado valor muito baixo, um valor aliás considerado imposto, forçado a valores baixos,  devido a interesses geopolíticos: prejudicar Venezuela, Irã e Russia. Há especialistas que dizem que nem mesmo os aliados dos EUA no Oriente Médio suportarão o baixo preço por muito tempo.

Pra que desperdiçar reservas e conduzir com tanta pressa investimentos em novas áreas exploratórias com o barril a tão baixo valor? Como sabe o deputado se não há muito ainda de produção a expandir nas áreas que estão atualmente liberadas pela ANP?

A produção no pré-sal vem subindo consistentemente segundo as notas da Petrobras. Não há por que pensar em escassez.

Além disso, um eventual excesso de exportação poderá provocar a valorização do real a ponto de prejudicar outros setores industriais exportadores nacionais.

O deputado apresenta a dívida da Petrobras como algo catastrófico, que a paralisa. Entretanto, o balanço de setembro de 2015 também demonstra que cerca de dois terços da dívida bruta somente começa a vencer a partir de 2019.

O deputado parece muito preocupado com as dificuldades que a estatal terá.  Mas o papel dos parlamentares eleitos é preocupar-se com o acionista da estatal, com o principal acionista, que é o povo brasileiro.

Nenhuma empresa entra em setores desafiadores da economia contando que viverá de facilidades. Qualquer vida empresarial é árdua, sujeita a desafios constantes.

Também se equivoca o deputado quando atribui ao regime de concessão méritos quanto ao salto recente ocorrido na indústria de petróleo.

Não é o regime que determina o sucesso de um empreendimento como o pré-sal, mas sim o conhecimento tecnológico, e o investimento.

O que ocorreu em meados da década passada foi que o cenário brasileiro para o petróleo foi inesperada e extremamente favorecido com a descoberta do pré-sal. Por isso foi muito justificado revisar o marco regulatório então vigente, em favor do povo brasileiro.

Foi encontrada uma gigantesca reserva de petróleo, um petróleo de muito boa qualidade, e que pode ser encontrado com pequena taxa de insucesso.

O risco do capital neste novo cenário é pequeno e a reserva é muito grande. Quem produziu este cenário favorável,  com muita pesquisa e investimento, foi a Petrobras, o estado. E o regime de partilha é uma forma de reverter benefícios ao povo brasileiro.

Ora, se o petróleo pertence ao povo brasileiro, se não há o mesmo risco de insucesso que nas reservas comuns mundo afora, se a tecnologia desenvolvida é da estatal, se há abundância de produto:

Por que remunerar sob as mesmas regras das jazidas comuns, ou até de modo mais favorável, qualquer novo entrante no pré-sal?

É o próprio capitalista que defende: pro ganho ser alto, o risco tem de ser alto.

Independentemente do regime ou das regras que sejam adotadas, o que precisa ser preservado e protegido, em favor do povo brasileiro, nos níveis das regras atuais é pelo menos: 1) O controle pela União do volume máximo a produzir, e do volume a exportar; 2) a porcentagem de conteúdo nacional na produção de bens de produção,  plataformas e embarcações; e, 3) as perspectivas de arrecadação para educação e saúde.

Está muito claro que se a Petrobras for operadora única no pré-sal, os três itens acima serão objeto de controle forte do estado, do próprio controle interno da estatal, e da opinião pública. Por outro lado, sem a premissa de operação única criam-se fragilidades nos três itens.

A resposta do Deputado Picciani, líder do maior partido do Congersso, está tão fora de contexto que o observador atento se pergunta: Houve debate? Por que caminhos tortuosos andam os raciocínios dos representantes do povo?

Por fim, convém ressaltar que o deputado Picciani defende, na mesma entrevista citada, o já derrubado financiamento empresarial de campanha.

Notas

[1] Disponivel em: www.youtube.com/watch?v=U_U1cC0O6oM Acesso em: 25/2/2016.

[2] www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros

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Comentários

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Urbano

Quer dizer que quem não tem condições, mesmo momentâneas, roda a chave pro primeiro gringo?

Brau77

A principal questão de fundo que se antecipa a análise da viabilidade do pré sal, e, nele, o domínio tecnológico exclusivamente brasileiro que forma o arcabouço deste projeto tão estratégico para a nação, refere-se: ao poder geopolítico derivado do domino sobre regiões ricas em petróleo, o qual habilita as grandes potências projetar poder para além de suas fronteiras. O petróleo produz manufaturados para uso cotidiano, mas também põe em marcha um exército
É preciso, também, tornar claro que o pré sal já é uma realidade, o campo de LULA é a maior produção do país com 442 mil barris/dia, sem contar com a entrada em do (FPSO) Cidade de Maricá, cuja capacidade é de produzir 150 mil barris/dia, Sapinhoá o quinto e outros que não começara a produzir em escala crescente. Mas, como a grande mídia cumpre o papel de confundir a consciência coletiva, apresento-lhe a imagem colhida do Boletim de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, Edição 46, Fevereiro 2016. Os dados são oficiais.
Cabe trazer a este debate que o atual baixo preço do petróleo devido a maior oferta da Arábia Saudita entre outros países do Oriente Médio, podem aumentar, a qualquer momento, dado a grande instabilidade daquela região, desta forma, a visão acerca deste tema deve considerar um horizonte distante.

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