Ignacio Godinho: Vamos precisar de muito mais gente para vencer o fascismo e reduzir o retrocesso

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2º Festival livre. Foto reprodução de vídeo

“Vamos precisar de todo mundo”: um comentário sobre Democracia em Vertigem e o debate no campo da esquerda

por Ignacio Godinho Delgado*, via whatsapp

Eu gostei muito do filme de Petra Costa, Democracia em Vertigem, não obstante eventuais lacunas no registro dos fatos e limites da abordagem política.

Não é, contudo, um produto acadêmico e, se essa for a régua, vamos jogar no lixo muitas obras primas da literatura e do cinema.

Acho, também, um juízo muito duro acusá-lo de desonesto, porque, aparentemente, exagera a natureza da participação política dos pais.

O problema residiria, principalmente, na observação de que ficaram dez anos na clandestinidade, supostamente desmentida pelas visitas anuais que faziam à família.

No limite, talvez, uma fantasia e um lapso de memória, perfeitamente naturais para quem nasceu já no declínio da ditadura e cresceu escutando histórias dos pais, que foram efetivamente militantes. A trajetória posterior da família só tangencialmente é objeto do filme. Não importa para a sua avaliação como obra de arte.

Há gosto para tudo, evidentemente. No meu caso, gosto do tom pessoal, da narrativa intimista, da tristeza que acompanha cada registro.

Gera uma empatia mais intensa do que um documentário com objetivos acadêmicos (que, naturalmente, tem grande e crescente importância até para a renovação das formas de exposição dos resultados de uma pesquisa no âmbito das Ciências Sociais) ou de um registro seco de eventos. Tudo vale a pena, se alma não é pequena, diria o poeta.

Falando de outra coisa, na inauguração da casa da Mídia Ninja em Lisboa, Jean Willys lembrou os seguintes versos de Beto Guedes, em Sal da Terra, em favor de certa paciência e tolerância com pessoas que, inadvertidamente, produzem enunciados politicamente incorretos, mas não são, efetivamente racistas, homofóbicos ou partícipes de concepções alinhadas com a defesa da desigualdade em qualquer plano:

“Vamos precisar de todo mundo
Pra banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor

(…)

Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças”.

Me parece um conselho prudente. Vamos precisar de muito mais do que somos para vencer o fascismo e mitigar o retrocesso civilizatório em que nos metemos, por conta de nossos erros e de nossas derrotas (que não necessariamente são sempre resultado de erros, mas também de condições objetivas sobre as quais nem sempre temos controle).

Por isso, um pouco mais de amplitude e generosidade entre os que, por razões diversas, se colocam hoje contra o avanço da barbárie não faria mal a ninguém.

Se há alguma lógica na forma como age o bolsonarismo é entupir a agenda política de bobagens que, por vezes, são apenas bobagens, por vezes se tornam coisas sérias.

Temos tido grande dificuldade de distinguir uma coisa da outra e, ao responder a tudo, frequentemente perdemos o foco.

Fica pior quando construímos fantasmas entre nós.

*Ignacio Godinho Delgado é professor titular aposentado da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF).


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