Hugo Cavalcanti Melo: A julgar pela bajulação aos militares, a tomada do STF por jipe, um cabo e um soldado é questão de tempo

Tempo de leitura: 6 min
Agência Brasil

À espera do cabo e do soldado

por Hugo Cavalcanti Melo Filho*, no blog Democracia e Justiça

No dia 4 de maio, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli, suspendeu decisão da juíza da 5.ª Vara Federal de Natal, que determinara a retirada da página do Ministério da Defesa da Ordem do dia de 31 de março de 2020, do Ministro da Defesa e dos Comandantes Militares, que celebrava o Golpe Militar de 1964 e a Ditadura que a ele se seguiu.

A juíza ordenara a retirada do texto da Ordem do Dia por entender que “é nitidamente incompatível com os valores democráticos insertos na Constituição de 1988“ [1].

Em sua decisão, Toffoli concedeu liminar requerida pela Advocacia Geral da União, para que a nota continuasse no ar, até o julgamento final da ação popular.

Em resumo, a Ordem do Dia afirma o “Movimento de 1964” é um marco para a democracia brasileira, porque havia uma disputa pelo poder no Brasil, uma ameaça palpável da tomada do poder pelos comunistas, e que as Forças Armadas, em nome da democracia, repeliu tal ameaça e instaurou um período de prosperidade no país.

Trata-se de versão absolutamente divorciada da realidade, como sabem todos que não se filiam ao terraplanismo histórico.

A rigor, a Ordem do Dia configura exaltação ao Golpe Militar de 1964, que apeou do poder o legítimo Presidente da República e privou os brasileiros de liberdade e democracia por mais de vinte anos, matando, torturando, censurando, exilando, fechando o Parlamento e aposentando juízes compulsoriamente.

Que os militares tenham essa visão distorcida da história é lamentável, mas compreensível. É de se imaginar que, nos longos anos de formação, sejam doutrinados nesse sentido.

Mas o que leva o Ministro Toffoli a considerar que a celebração do Golpe de 64 e da cruel ditadura que se seguiu mera manifestação da “livre expressão do Ministro da Defesa e dos Chefes das Forças Militares, no exercício de ato discricionário e de rotina” [2]?

Talvez as primeiras pessoas a ouvirem o então vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmar que não houve golpe militar ou revolução, em 1964, e sim um movimento militar, tenham sido os juízes do trabalho participantes do XIX CONAMAT – Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, ocorrido entre 2 e 5 de maio de 2018, em Belo Horizonte.

A palestra do futuro presidente do STF deveria ser o ponto alto do evento, que reuniu centenas de juízes, os quais, ao final, deixaram o plenário atônitos com a investida revisionista do ministro Toffoli.

Tratando-se de tema já sedimentado nos registros da história nacional, qual seria o propósito do palestrante em querer rever os acontecimentos de 1964, para ressignificar o golpe de Estado então perpetrado?

Quereria o ministro negar a ditadura militar que sufocou o país por vinte e um anos?

Meses depois, no mesmo dia em que tomou posse, 13 de setembro de 2018, o Ministro Toffoli nomeou assessor especial da presidência, por indicação do general Eduardo Villas Bôas, o general da reserva Fernando de Azevedo e Silva, que até duas semanas antes fora chefe do Estado Maior do Exército, segundo posto na hierarquia da Arma.

A escolha configurou fato sem precedente na história da presidência do STF.

Depois, o general Fernando Azevedo e Silva deixou a assessoria especial da presidência do STF para assumir o Ministério da Defesa.

Na solenidade de posse, na presença de Toffoli, Azevedo e Silva afirmou que o presidente da Suprema Corte, Dias Toffoli, e a Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “sinalizavam a disposição de atuar como catalisadores da estabilidade institucional de que o país tanto precisa”. [3]

Em 1 de outubro de 2018, durante discurso em seminário sobre os 30 anos da Constituição de 1988, em evento na Faculdade de Direito da USP, o presidente do STF voltou a afirmar que preferia se referir ao golpe de 1964 como movimento militar. O discurso repercutiu em toda a imprensa.

Em 27 de novembro de 2018, o general de divisão da reserva Ajax Porto Pinheiro foi confirmado como novo assessor especial do presidente do STF, indicado pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para substituir o general Fernando Azevedo e Silva, anunciado por Jair Bolsonaro como futuro ministro da Defesa.

Em longa matéria, a Revista Época de 20.10.18 procurou explicar os motivos de Toffoli estar adulando os militares.

Afirma que ele acha que o STF precisa estar próximo dos militares, “para conter eventuais medidas inconstitucionais ou que representem afronta a princípios da democracia”.

Acrescenta que Toffoli defende a tese de que “ao longo da história da República brasileira, o Supremo e as Forças Armadas se revezaram na função de Poder Moderador antes exercido pelo imperador”, o que inclui evitar julgar temas que contrariem as propostas do governo, que possam pôr o STF em conflito com o Palácio do Planalto [4].

Em outra de suas edições, Época informa que, quando o coronel da reserva Carlos Alves chamou de “salafrária” a ministra Rosa Weber, “Toffoli não se pronunciou sobre o caso e considerou exagerada a reação dos colegas, que usaram as sessões da Corte para repreender publicamente o comportamento do coronel”.

E só reagiu aos ataques do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), após a divulgação do vídeo em que o parlamentar cogita fechar o STF com um cabo e um soldado, depois de aconselhado pelo general Fernando Azevedo e Silva. [5]

Toffoli se mostrou irritado com o que chamou de interferências no Executivo, por conta das decisões de Alexandre de Morais e Celso de Melo, a saber, liminar impedindo a posse do policial Ramagem e investigação sobre ameaças de Bolosnaro a Moro.

A decisão de 4 de maio de 2020, permitindo a manutenção da Ordem do Dia em comemoração ao Golpe de 1964 na página do Ministério da Defesa é mais uma mesura do Ministro Toffoli aos militares. Grave gentileza.

Toffoli qualificou a decisão da juíza federal de verdadeiro ato de censura em face de “ato discricionário e de rotina, inerente às elevadas funções que exercem no Poder Executivo e sobre o qual não parece adequada a valoração efetuada por membros do Poder Judiciário”. [6]

Ora, em primeiro lugar, já não se discute, em doutrina, “que não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos. Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação ao fim e à competência, pelo menos”. [7]

Por outro lado, remanesce pacífica a possibilidade de controle judicial de atos administrativos discricionários, desde que o exame se restrinja “à legalidade do ato e aos limites de discricionariedade pela Administração no momento da promoção do ato administrativo, excluindo-se a análise do mérito administrativo.” [8]

Considerando-se que o Golpe de 1964 configurou um processo violento para a alteração da ordem política social, a propaganda pública dele configura crime, nos termos do art. 22 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/83). Assim entende a Câmara Criminal do Ministério Público Federal. [9]

A decisão original, determinando a retirada da Ordem do Dia da página do Ministério da Defesa não merecia qualquer reparo.

Toffoli, mais uma vez, se valeu da condição de Presidente do STF para cortejar os militares.

Neste momento, a narrativa do bolsonarismo é a de que o Brasil está sob ameaça do comunismo.

Isso é dito todos os dias pelos Ministros de Estado e repercutido nas redes sociais pelos robôs a serviço do Gabinete do Ódio.

O conceito de comunismo, nesse contexto, é extremamente fluido e abarca em suas hostes qualquer pessoa ou instituição que divirja do presidente.

A ameaça comunista de hoje é tão real quanto a de 1964. Se os militares se sentiram autorizados a tomar o poder pela força então, o que os impediria de fazê-lo agora?

Somente o efetivo controle democrático sobre os excessos do presidente e dos seus asseclas terá o condão de impedir uma escalada golpista.

Bolsonaro já participou de pelo menos três manifestações antidemocráticas, nas quais se pedia o fechamento do Congresso, do STF e intervenção militar.

Todos os dias o presidente dá sinais de radicalização e do seu incômodo com o sistema de check and balances.

Disse, expressamente, que não tolerará mais interferências do STF, ameaçou o ministro Alexandre de Morais, o desafiou a tomar qualquer outra decisão relacionada ao policial Ramagem e ameaçou descumprir futuras ordens da Corte.

Em 5 de maio, mandou que os jornalistas que cobriam o Palácio da Alvorada calassem a boca.

A história nos mostra que os juízes podem terminar reféns dos regimes autoritários.

De acordo com o Relatório Mundial de Direitos Humanos 2019, divulgado em 17 de janeiro, o Brasil passou a figurar na lista do Observatório de Direitos Humanos (HRW) de países governados por líderes autocráticos, com a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República.[10]

A permanecer a postura de temor reverencial do presidente do STF em relação aos militares, a chegada do jipe, com um cabo e um soldado, é questão de tempo.

REFERÊNCIAS

[1] https://jornalggn.com.br/justica/juiza-manda-o-ministro-da-defesa-apagar-nota-que-defendia-golpe-militar/

[2] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442659&ori=2

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/07/politica/1544213941_552202.html

[4]https://epoca.globo.com/o-general-assessor-de-toffoli-que-faz-pontes-entre-stf-a-caserna-23168326

[5]https://epoca.globo.com/general-de-toffoli-aconselhou-presidente-do-stf-rebater-ataques-de-filho-de-bolsonaro-23185179

[6] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/05/toffoli-suspende-ordem-para-ministerio-da-defesa-retirar-texto-sobre-regime-militar-de-site.ghtml

[7] Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição – Revista e Atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 424.

[8] Cf. CHARÃO, Daniel. Controle do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário. Disponível em https://jus.com.br/artigos/74049/controle-do-ato-administrativo-discricionario-pelo-poder-judiciario.

[9] http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/apologia-a-ditadura-militar-e-crime-segundo-a-legislacao-brasileira-defende-camara-criminal-do-mpf,

[10] https://veja.abril.com.br/mundo/brasil-entra-na-lista-do-hrw-dos-paises-comgoverno-autocratico/

* Hugo Cavalcanti Melo Filho é juiz do Trabalho, titular da 12.ª Vara do Trabalho do Recife (TRT da 6.ª Região). Mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Estudos pós-doutorais na Universidade de Roma (La Sapienza) e na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor Adjunto de Direito do Trabalho da UFPE (graduação e pós-graduação) e da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6.ª Região

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Comentários

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Marco Antônio Ramos de Oliveira

Dias Toffoli estava ausente do debate, mas há poucas semanas passou a opinar na contramão de outros ministros. Estranho é que isso ocorreu pouco tempo depois de Bolsonaro flertar e atar um namoro com o centrão, via Roberto Jefferson, será que este senhor tão conhecido detém algum podre do ministro presidente do STF?

Luiz claudio

Disseram há um tempo atrás que o tapetão estava acovardado. O decano estrilou. O tal movimento aposentou compulsoriamente ministros que não comiam no seu prato sujo de sangue. Esse ministro presidente foi mais um erro da eterna boa fé do Lula.

a.ali

nem precisou do jipe, do cabo e do soldado…
o toffoli come na mão dos milicos, qualquer bajulação para ñ perder o status até contrariar a história, cuspir mentiras e abanar o rabinho para os gorilas verde oliva!!!

Zé Maria

A intimidação ao STF, promovida pela Canalha Nazi-Fascista Digital e Presencial,
não é para que o Dias mude, é para que continue como está, até a vinda do Fucks.

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