Gilson Caroni: A condenação do Cristo marxista

Tempo de leitura: 3 min

A condenação do Cristo marxista

Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista.

Gilson Caroni Filho

Que estranhos desígnios inspiraram o “L’Osservatore Romano” a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia “com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente” não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do “L’Osservatore” ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.


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Comentários

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walter melo

porque dar crédito a uma instituição (a igreja) que ao longo do tempo só fez o possível, e até o impossível, para desdizer os 10 mandamentos, vide a "santa" inquisição, os desmando do banco ambrosiano, etc,etc e etc e de um "santo padre" que foi da juventude hitlerista?????????????????

silvia macedo

Caroni acerta tudo em sua defesa de Saramago contra o Vaticano.

Patricio

Perguntinhas sobre Deus

Um dia eu perguntei:
Avô, aonde está Deus?
Meu avô se pôs triste
e nada me respondeu.

Meu avô morreu nos campos
sem rezas nem confissões.
Lhe enterraram os indios,
flauta de bambú e tambor.



Com o tempo, eu perguntei:

Pai, onde está Deus?
Meu pai se pôs sério
E nada me respondeu.


Meu pai morreu nas minas
sem médico, sem proteção.
A cor do sangue mineiro
tem o ouro do patrão.


Meu irmão vive nos montes
e não conhece uma flor.
Suor, malária, serpentes
é a vida do lenhador.

E que ninguém lhe pergunte
se sabe onde está Deus:
Por sua casa não passou
um senhor tão importante.



Eu canto pelos caminhos
e quando estou na prisão
ouço as vozes do povo
que canta melhor que eu.


Se há uma coisa na terra
mais importante que Deus
é que ninguém cuspa sangue
pra que outro viva melhor.

Que Deus zela pelos pobres?
Talvez sim, talvez não.
O certo é que almoça
na mesa do patrão.

Atahualpa Yupanqui

Tomudjin

Só falta esperarmos a Igreja Católica dizer que, se jesus fosse realmente marxisita, não teria sido crucificado.
A única visão que a Igreja Católica tem em relação a tudo é: o que seria de Marx se não fosse a mãe dele.

Pitagoras

A tradição facínora, aliada dos verdadeiros demônios, da cúpula da Igreja Católica é fato histórico, inegável.

Pitagoras

A tradição facínora, aliada dos verdadeiros demônios, da cúpula da Igreja Católica é fato histórico, inegável.
Repetindo o filósofo…o homem só será livre quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último padre.

Obviamente, excetuada aquela igreja de base, progressista, missionária, anônima, mal-vista e perseguida pelos nazi-fascistas do andar de cima.

Gianni

Falou e disse! Caroni foi ao cerne do problema. O vaticano deveria retarar-se perante Saramago, mesmo que postumamente. Atitude difícil, convenhamos. Aliás, o vetusto Razinger ignorou denúncias de pedofilia por clérigos dos EUA antes de virar papa.

assalariado.

As religiões"cristãs"(católicos/evangelicos), através dos tempos sempre andaram de braços dados com as elites,das mais antigas até as atuais.Isto sem falar da (nada) santa inquisição,quando a religião católica –(que com a queda do império romano se dividiu em dois,ocidental e oriental,dai surgiu o Estado do Vaticano)– ,governou o mundo em nome do acumulo de riqueza as custa do suor alheio,ou seja,esta ideologia,nada cristã, serviu de referencia para surgir a industria da fé,corroborada com a exploração da classe trabalhadora,hoje mais conhecidos como colaboradores,que por sua vez,é explorada pelos patrões com sua fé enraizada no deus dinheiro(lucros em detrimento dos salários miseráveis pagos aos trabalhadores).O Jesus Cristo marxista dentro da biblia é real e concreto,só falta avisar os padres e os pastores,hipócritas que,na biblia esta aqui:Atos dos Apóstolos,capitulo 4,versiculos 32 até 35; na internet aqui; http://www.bibliaonline.com.br/acf/atos/4

Jair de Souza

A cúpula da Igreja católica tem muitas razões para condenar todo o legado intelectual de José Saramago. A hierarquia eclesiástica católica sabe como é pernicioso para seus interesses que um ateu como Saramago demonstre que, apesar de não professar nenhuma religião, ele está muito mais próximo dos ideais de Jesus Cristo do que aqueles que se arvoram em representantes de Cristo na Terra. Saramago deixou muito claro aquilo que ele e muitos outros (me incluo neste grupo) consideram como o verdadeiro cristianismo: viver em função da justiça, da solidariedade, da paz entre todos os povos, e contra a exploração do ser humano pelo ser humano. Qualquer um que de verdade pratique estes princípios estará alinhado com o legado de Jesus Cristo, qualquer que seja sua religião, ou mesmo que não tenha crença religiosa. A cúpula eclesiástica católica (assim como as de várias outra igrejas) pode facilmente ser enquadrada entre os inimigos de Cristo. Obrigado Saramago por nunca ter se curvado à podridão representada pelo Vaticano. Recomendo a todos que ouçam a música e vejam o clip Crimen Sollicitationis, da banda espanhola Ska-P. Pode ser encontrado no youtube.

Armando do Prado

Assino embaixo, do lado e em cima. Acertou no âmago da razão cínica.

Pedro Luiz Paredes

Azenha, você sempre tratou da questão energética com carinho. Te passo esse link para você ver nascer mais uma maluquice dos direitistas extremo-radicais norte-americanos. Agora o alvo é a Petrobras e sua competência na exploração de petróleo na costa dos EUA, rs. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/756904-popular

J. Ferrari

Faz uns 1.700 anos que a Igreja Católica deixou de ser cristã, ao se tornar poder e se associar ao poder político e econômico da época, o Império Romano. Desde a época de Constantino, até hoje. Simples assim.

    assalariado.

    J. Ferrari,o homem é um animal politico,pela sua própria natureza,precisa comer,beber,morar…, Jesus Cristo,tinha(e tem),um projeto de sociedade comunista,como se afirma em Atos dos Apóstolos(4;32 até 35),acontece que a burguesia da época, que mandou assassinar Cristo,conseguiu por perseguição/intimidação/tortura e através da repressão,cooptar o que sobrou dos seus seguidores.Dai o surgiu a religião nomeada de Igreja Católica Apostolica Romana(não confundir religião com crença),ou seja,já nasceu como braço politico ideologico e com aval do poder romano,que em seguida, jogou a biblia nos porões do império para mais facil manipular o povo em geral.Chegara o dia que as religiões não servirão pra mais nada,porque não havera mais exploração entre (capital x trabalho = luta de classes),nesta época,não haverá mais fome,miséria e nem ignorância,a respeito do sofrimento alheio,mesmo porque a religião veio para ajudar,em conluio com as elites,administar a míséria e o sofrimento do povo.Enquanto Jesus,este sim,um lutador a serviço dos pobres,contra a tirania economica da burguesia capitalista.

Jairo_Beraldo

Religião e política, são dois assuntos muito delicados de se comentar. E não é só no cristianismo, que vemos atrocidades acontecerem em nome de Deus. Em todas as religiões, os loucos usam Deus para justificarem suas sandices arbitrárias, desde os primórdios da humanidade. Mas é fato também, que todo país do chamado Novo Mundo, que teve a Igreja Católica Apostólica Romana como suporte religioso, a miséria e a impiedade imperaram.

Sophia Cordeiro

Irrretocável Caroni, parabéns.

    Marat

    Idem…

Társilo

http://davidaealem.blogspot.com

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Desgalvãobueno-se
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Desapolitique-se
Desnovelize-se

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