Gaspard Estrada, no NY Times: Lava Jato “contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje”

Tempo de leitura: 4 min

Operação Lava Jato Não Foi a Bala Mágica

O maior esforço não conseguiu impedir a corrupção endêmica no Brasil.

Por Gaspard Estrada, no New York Times

O Brasil vive várias crises ao mesmo tempo — a situação catastrófica da saúde, a economia frágil e a polarização política extrema.

Agora podemos adicionar a corrupção do sistema judicial à lista.

Não precisava ser assim.

Os brasileiros tinham grandes esperanças há sete anos, quando um jovem magistrado chamado Sergio Moro lançou uma operação anticorrupção chamada Lava Jato, ou Operação Lava Jato.

Quase da noite para o dia, com o apoio do sistema judicial e da mídia, Moro e os promotores encarregados da operação iriam salvar o Brasil.

E em pouco tempo seus esforços produziram resultados impressionantes: milhões de dólares foram recuperados, vários políticos e empresários de alto escalão foram presos, culminando na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2018.

A Operação Lava Jato provou que a justiça poderia acabar com a corrupção endêmica no Brasil ou foi apenas um conto de fadas que velou outros interesses políticos?

Nas últimas semanas, o lado negro da Lava Jato foi desnudado, e um sentimento de profundo desencanto com a chamada justiça curitibana, que leva o nome da capital do estado do Paraná, onde a força-tarefa estava sediada, se espalhou por todo o país.

A Operação Lava Jato foi considerada a maior investigação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil.

Quando a força-tarefa foi dissolvida em 1º de fevereiro, quase ninguém saiu às ruas ou às redes sociais para lamentar seu fim.

Em vez de erradicar a corrupção, obter maior transparência na política e fortalecer a democracia, a agora notória Operação Lava Jato abriu o caminho para Jair Bolsonaro chegar ao poder após eliminar seu principal rival, Lula, da corrida presidencial.

Isso contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje.

Os promotores da Lava-Jato atribuíram seu sucesso ao uso de métodos inovadores (em particular, o papel das barganhas) que permitiram aos tribunais agir rapidamente.

Eles citam 1.450 mandados de prisão, 179 processos criminais e 174 sentenças de prisão deles decorrentes.

No entanto, mensagens hackeadas revelaram que, em vez de seguir o devido processo legal e levá-los aos tribunais, o Sr. Moro usou um aplicativo de celular como canal de apoio para se comunicar com a equipe de promotoria e traçar estratégias de quais acusações deveriam ser feitas contra o ex-presidente.

Em 9 de fevereiro, a Suprema Corte concedeu à equipe de defesa de Lula acesso aos vazamentos.

Embora se saiba há muito tempo que o Sr. Moro condenou o Sr. da Silva por atos indeterminados e sob acusações frágeis, agora sabemos que o próprio Moro ajudou a montar a acusação contra o Sr. da Silva, violando assim o princípio jurídico do sistema de justiça brasileiro de não ser juiz e procurador ao mesmo tempo.

Quando os advogados do Sr. da Silva reclamaram que foram espionados ilegalmente pela operação Lava Jato, receberam a garantia de que era um erro.

Hoje sabemos que os promotores eram periodicamente informados por agentes da Polícia Federal encarregados da vigilância telefônica, ajudando-os a traçar estratégias que levassem à condenação de Lula.

Moro vangloriou-se do dinheiro voltando para os cofres públicos, deixando de mencionar que as multas impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Petrobras e à Odebrecht foram para uma fundação de direito privado administrada pelos promotores da Lava Jato, assim como ONGs.

Ao fazer isso, o Ministério Público contornou a Constituição brasileira, pois esses recursos deveriam ser destinados ao orçamento público.

Como consequência, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a fundação em 2019.

Vai demorar um pouco até que todos os detalhes da operação venham à tona, mas o que sabemos é que, para combater a corrupção, nosso herói, o Sr. Moro, usou métodos em flagrante violação do Estado de Direito.

Como recompensa, ele recebeu o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.

Isso não significa necessariamente que não haja uma forma eficaz de combater a corrupção. Na verdade, podemos aprender muito com a experiência brasileira.

Durante a administração do Sr. da Silva, o sistema de justiça brasileiro passou por um profundo processo de reforma que aumentou o financiamento e os recursos, criou jurisdições específicas para combater a lavagem de dinheiro e aumentou a cooperação entre agências para acompanhar o dinheiro e perseguir criminosos de colarinho branco.

O Sr. Moro e os membros da investigação tiveram poderes para agir de forma decisiva e obter resultados; isso incomodou Bolsonaro, que fez todo o possível para reverter essas políticas.

O problema é que Moro e os promotores perverteram esses avanços institucionais — incluindo sua independência do poder público — ao transformar uma simples força-tarefa temporária em uma entidade acima da lei a serviço de um objetivo político, inicialmente contando com o apoio de tribunais superiores.

Moro, que renunciou ao cargo de ministro em abril de 2020, deixou claro durante sua passagem pela magistratura e pelo Executivo que, como seu ex-chefe, acredita que a democracia e o Estado de Direito podem ser deixados de lado em nome da luta contra a corrupção.

E mesmo essa afirmação pode ser contestada agora que Moro, em claro conflito de interesses, trabalha para um escritório de advocacia contratado pela Odebrecht.

Para acabar com a relação promíscua entre dinheiro e política — o problema subjacente revelado pela operação, e sua principal realização — não basta processar e prender.

Empresas foram à falência e o país ficou em turbulência, mas mesmo depois de centenas de prisões, a corrupção não diminuiu.

A democracia brasileira está em perigo. Para mudar isso, é necessário ir além da acusação e instituir uma verdadeira reforma política que possa ajudar a resolver a raiz do problema, atacando o financiamento ilícito de campanhas políticas.

É preciso também introduzir ferramentas mais eficazes de responsabilização no judiciário, a fim de evitar casos como a Operação Lava Jato, que teve proteção institucional mesmo após ter ficado claro que delitos haviam sido cometidos desde os primeiros estágios da investigação.

A Operação Lava Jato acabou, mas sua história ainda não foi totalmente contada.

Para que o Brasil enfrente suas múltiplas crises, para realmente atacar a corrupção e superar essa distopia, deve haver uma reavaliação crítica da investigação.

Gaspard Estrada (@Gaspard_Estrada) é o diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe da Sciences Po de Paris. Este ensaio foi traduzido por Erin Goodman do espanhol.


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Comentários

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Zé Maria

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Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
que fiscaliza o mercado de capitais,
pode abrir um processo para investigar
operações suspeitas com opções
de ações da Petrobras.

Transações com papéis da Petrobras chamou a atenção no Cassino de Apostas da Bolsa de Valores de São Paulo (B3).

A Bolsa informou oficialmente que nunca tantas opções de venda da Petrobras tinham sido negociadas de uma só vez.

Foram duas negociações feitas no dia 18 de fevereiro por uma mesma corretora.
O Investidor [leia-se: Especulador] comprou no mercado opções de venda de ações da Petrobras.

“Uma opção de venda é basicamente uma aposta de que uma ação ou um outro ativo vai cair. Se a ação realmente cair abaixo de um certo preço, essa pessoa está ganhando dinheiro”, explica o Professor de Finanças da USP.
[Com informações do G1]
..
Ficamos curiosos.

Iremos acompanhar de perto essa Investigação.

Os Abutres fizeram isso no Governo Dilma e nada aconteceu com eles.

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