Diplomata brasileiro relembra traição de FHC, agora de volta para assombrar o planeta

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Foto Wilson Dias, Agência Brasil

Foto Wilson Dias, Agência Brasil

Da Redação

John Bolton está de volta ao poder. Ele será assessor de Segurança Nacional de Donald Trump. O que significa que o mundo ficará muito mais perigoso.

Antes de se tornar embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas, sob George W. Bush, Bolton foi subsecretário de Estado para controle armamentista.

Foi quando Washington decidiu invadir o Iraque, de forma unilateral.

Um vergonhoso episódio daquele período demonstra não só como Bolton não tem qualquer limite, mas também a falta de espinha dorsal de Fernando Henrique Cardoso.

José Bustani, o diplomata brasileiro, relembrou o caso recentemente, em entrevista a Mehdi Hasan, do Intercept, que traduzimos parcialmente abaixo:

MH: O senhor era diretor geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas, a Opaq, em março de 2002, quando John Bolton, então subsecretário para controle armamentista, integrante do governo Bush, veio vê-lo em seu escritório em Haia. Por que? O que ele queria?

José Bustani: Ele foi lá porque, depois de três anos de negociações com os iraquianos e os líbios, eu tinha convencido o Saddam Hussein e o Khadafi a aderirem à organização, o que significava que inspeções deveriam ser feitas 30 dias depois da adesão. Quando eu anunciei isso para os americanos e outros, os americanos pareciam um pouco chateados — não um pouco, na verdade estavam realmente bravos, porque acredito que àquela altura já tinham planos para invadir o Iraque.

MH: Como chefe da Opaq, o senhor estava neste cargo por cinco anos, desde 1997?

José Bustani: Sim.

MH: O senhor já tinha supervisionado a destruição de dois milhões de armas químicas e de dois terços das instalações de armas químicas.

José Bustani: Sim.

MH: E agora o senhora tinha persuadido o Saddam Hussein e o coronel Khadafi a aderirem à Opaq. Isso deveria ser motivo de congratulações e celebrações, não?

José Bustani: Absolutamente! É o que eu pensava. Porque o meu mandato, de acordo com a convenção, era trazer o maior número possível de países para a convenção, e ter a Líbia e o Iraque conosco teria enorme impacto em todo o resto dos países do Oriente Médio. Por isso pensei que era uma vitória.

MH: Mas então John Bolton, que era a grande águia do governo Bush, um dos membros mais determinados do governo, que queria guerra com o Iraque, um ano antes da invasão, em março de 2002, ele vai a seu escritório e diz o que?

José Bustani: Bem, primeiro ele me telefonou de Washington e disse que estava muito bravo com aquela decisão, que ia além de meu mandato, eu disse que não, que era parte do meu mandato.

Depois ele apareceu em Haia, veio até meu escritório e disse “Cheney [Dick, vice-presidente] quer você fora. Você tem 24 horas para deixar a organização e se você não cumprir a decisão de Washington, temos como retaliar você”.

MH: Retaliar? O que ele quis dizer? O que ele disse?

José Bustani: Eu não perguntei! Eu disse, não estou pronto para sair. Não tenho razão para fazer isso. O secretário de Estado Colin Powell escreveu uma carta elogiando meu mandato até agora, então por que devo deixar a organização?

E ele disse, você tem de estar pronto para encarar as consequências, porque sabemos onde os seus filhos vivem. De fato, eu tinha dois filhos vivendo em Nova York.

MH: Peraí. John Bolton, que era uma autoridade sênior do Departamento de Estado, vem até você em nome do governo dos Estados Unidos e diz, a uma autoridade internacional, que se o senhor não se demitir em 24 horas haverá consequências, eles vão retaliar você e “nós sabemos onde os suas crianças vivem”. Isso é uma ameaça, não?

José Bustani: Absolutamente. É o que aconteceu. E eu disse: Ok, não se preocupe, eles estão prontos para encarar as consequências. E eles estavam, porque eu disse a meus filhos em Nova York e a minha filha em Londres o que estava acontecendo, e eles responderam, Pai, vá em frente, vá em frente, não se preocupe.

MH: Dado o que você enfrentou em março de 2002, vamos adiantar o relógio, 16 anos depois, março de 2018. Qual foi sua resposta quando ouviu a notícia de que John Bolton será o assessor de segurança nacional do presidente dos Estados Unidos?

José Bustani: Estou chocado. Chocado que Bolton ainda tem, terá influência num governo, penso que é terrível. Ele é brutal na forma como faz as coisas.

MH: Não apenas brutal, para usar uma palavra sua, não aceita diálogo, ele é uma dessas pessoas que sabem como fazer as coisas em um governo que fracassou em fazer as coisas até agora. Você tem John Bolton, que é muito eficaz em rasgar tratados, ele conseguiu o que queria quanto a invadir o Iraque. Mesmo com você, algumas semanas depois daquele encontro, você foi removido numa sessão especial da Opaq, contra qualquer precedente, mais tarde ficou determinado que era algo ilegal. Mas você foi removido do cargo.

José Bustani: Sim. O engraçado é que não havia mecanismo para demitir o diretor-geral. Houve um encontro do conselho e eu venci contra os americanos. E eles estavam desesperados, então o Bolton e os americanos organizaram uma conferência geral, que não está prevista na convenção, não está de acordo com a convenção, é na verdade ilegal.

MH: Mas John Bolton é um homem que não reconhece a lei internacional, ele mesmo diz isso.

José Bustani: Sim, a conferência aconteceu e eu fui demitido, porque meu país, infelizmente, naquele momento, me traiu.

MH: O governo brasileiro.

José Bustani: O governo brasileiro de então não queria enfrentar os americanos, e eles concordaram com os americanos em me demitir. E assim eu perdi o apoio de meu governo, do resto da América Latina, do resto da África e do mundo em desenvolvimento.

MH: Um ano depois o Iraque é invadido por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos e nós descobrimos, o mundo descobre, que como muitos suspeitavam ser o caso, que Saddam Hussein não tinha armas de destruição em massa, algo que seus inspetores poderiam ter descoberto sem guerra, se o Bolton tivesse deixado você fazer seu trabalho.

José Bustani: Exatamente. Como diretor-geral de uma organização desse tipo, você tem informações de inteligência de diferentes países que chegam ao diretor. E eu sabia que o Iraque não tinha nada.

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Comentários

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Luiz Carlos P. Oliveira

Isso é um tapa na cara dos abestados que dizem à toda hora: vá para a Venezuela!
Será que poderíamos dizer “vá para Miami”, para estes imbecis? Os métodos americanos para convencimento são bárbaros (no verdadeiro sentido da palavra). Esses métodos tem dois objetivos: manter o domínio sobre a economia mundial e apropriar-se do petróleo do mundo. E o pré-sal despertou o “mais profundo instinto” dos EUA. Assim como apropriou-se do petróleo no Oriente Médio e no México, agora querem o da Venezuela e o NOSSO pré-sal. E existem brasileiros que fingem não ver coisa tão óbvia.

    Nelson

    Muitos preferem olhar para o lado ou a “cegueira intencional”, para usar um termo chomskyano, Oliveira.

Nelson

“E ele disse, você tem de estar pronto para encarar as consequências, porque sabemos onde os seus filhos vivem.”

O procedimento padrão do Sistema de Poder que domina os EUA: colocar medo nas pessoas até vergá-las e tirá-las do caminho ou obrigá-las a trabalhar para a consecução dos seus objetivos estratégicos.

Alô sabujos desse Sistema de Poder. Isto vem sendo feito pelos governos dos EUA há décadas e décadas, viram? E vocês que acreditavam, piamente, que estavam adorar, seguem adorando, o reino da democracia, da liberdade e do respeito aos direitos humanos, hein?

Acreditavam, piamente, que isto só poderia acontecer na União Soviética stalinista, na China de Mao, na Rússia de Putin e outros países que vocês dizem comunistas, mesmo sem saberem o que é comunismo.

Como é que vocês acham que eles conseguiram calar tanta gente a respeito do 11set2001, para fazerem vingar a versão do governo Bush que imputou aos árabes a execução dos atentados terroristas?

Nelson

Sabujos fanáticos do Sistema de Poder que domina os Estados Unidos, é quase certo que não tardarão a aparecer por aqui os Lulipes, os Lukas e outros. Eles não sentirão prurido algum em acusar o Azenha e a Conceição de estarem a dar asas a teorias da conspiração.

E também não hesitarão em colocar o diplomata no mesmo time. “Desta vez, eles contam com o concurso de um outro adepto dessas teorias, o embaixador Bustani”, dirão eles.

Julio Silveira

FHc é um traste que eu prefiro ignorar, por que fazer menção a ele faz mal a meu estomago sensivel de patriota.

FrancoAtirador

Contratada no governo FHC, Booz-Allen
já operava como gabinete paralelo
da comunidade da informação dos EUA

Pelo menos até 2002, Brasília sediou uma das estações de espionagem
nas quais funcionários da NSA e agentes da CIA trabalharam em conjunto.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Contratada-no-governo-FHC-Booz-Allen-ja-operava-como-gabinete-paralelo-da-comunidade-da-informacao-dos-EUA/6/28305

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