Japão: Duas versões distintas para a mesma crise nuclear

Tempo de leitura: 4 min

por Luiz Carlos Azenha

O primeiro sinal de que havia alguma dissonância entre os fatos reais e as notícias oficiais, isto é, as divulgadas pelo governo do Japão, veio no meio de alguns despachos de jornalistas americanos, especialmente do New York Times. Eram informações dando conta de que militares americanos que haviam sobrevoado a região da usina de Fukushima tinham passado por descontaminação. A conclusão era óbvia: se um simples sobrevôo de helicóptero oferecia risco…

Mais tarde, a Marinha americana suspendeu o envio de navios vindos de Okinawa, no sul (onde fica a maior parte das bases militares dos Estados Unidos), para a costa leste japonesa — a que foi afetada pelo terremoto e tsunami. Em vez disso, os barcos americanos ficaram na costa oeste.

Finalmente, veio a notícia de que autoridades americanas tinham embarcado seus próprios técnicos e equipamentos para medir radiação em território japonês. Com certeza é parte da cooperação entre os dois países, além de emblemático da relação Estados Unidos-Japão. O fato é que, diante das denúncias de que autoridades japonesas omitiram no passado informações sobre problemas com usinas nucleares locais (em telegrama do WikiLeaks divulgado pelo jornal britânico Guardian), o alarme acabou vindo exatamente dos Estados Unidos.

Talvez a cautela dos japoneses se justifique. Afinal, são eles que terão de lidar imediatamente com as consequências de um grave acidente nuclear. Porém, no mundo em rede esta notícia do New York Times equivale a dizer que alguém não está contando direito a história:

March 16, 2011
U.S. Calls Radiation ‘Extremely High’ and Urges Deeper Caution in Japan

[Estados Unidos dizem que a radiação é “extremamente alta” e urgem maior cautela no Japão]

By DAVID E. SANGER and MATTHEW L. WALD

WASHINGTON —O presidente da Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos fez uma avaliação significativamente mais alarmante da ameaça representada pela crise nuclear no Japão que o governo japonês, dizendo na quarta-feira que os danos em um dos reatores são muito mais sérios do que as autoridades japonesas admitem e pedindo aos americanos para deixarem uma área mais ampla em torno do perímetro da usina do que o estabelecido pelo Japão.

O anúncio marcou um novo e alarmante capítulo na tentativa de cinco dias de engenheiros japoneses de assumir o controle de quatro reatores que ficam lado a lado, depois que os sistemas de resfriamento foram derrubados pelo terremoto e o tsunami da última sexta-feira. Também sugere uma divisão entre Washington e Tóquio, depois que autoridades americanos concluíram que os alertas japoneses eram insuficientes e que, deliberadamente ou não, eles tinham subestimado a ameaça em potencial do que está acontecendo na usina.

Gregory Jaczko, o presidente da comissão, disse ao testemunhar no Congresso que a comissão acreditava que toda a água na piscina do combustível gasto do reator número quatro da usina de Fukushima Daiichi tinha fervido até secar, deixando o combustível estocado lá exposto e emitindo radiação. Como resultado, ele disse, “acreditamos que os níveis de radiação são extremamente altos, o que poderia ter um impacto na capacidade de tomar medidas corretivas”.

Na quinta-feira de manhã um porta-voz da Tokyo Electric Power, o operador da usina de Daiichi, e um porta-voz da agência de regulação nuclear do Japão, negaram as declarações do sr. Jaczko, dizendo que a situação no reator número quatro não tinha mudado e que ainda havia água na piscina do combustível. Mas os dois disseram que a situação estava fluida e que o reator não tinha sido inspecionado nas últimas horas.

“Não conseguimos entrar para checar, mas estamos monitorando o prédio de perto e não houve qualquer problema particular”, disse Hajime Motojuku, o porta-voz da Tokyo Electric.

Takumi Koyamada, o porta-voz da agência reguladora do Japão, disse que 12 horas atrás ainda havia água na piscina e que a leitura de temperatura marcava 84 graus e que nenhum mudança tinha sido informada desde então. “Não podemos confirmar que houve perda de água”, ele disse. “Mas estamos diante de uma situação imprevisível”. Se a análise americana for correta e os trabalhadores japoneses forem incapazes de manter o combustível gasto do reator inoperante resfriado — o combustível precisa ficar coberto de água o tempo todo — os níveis de radiação tornariam difícil não só consertar o problema do reator numero 4, mas manter trabalhadores no complexo de Daiichi para enfrentar qualquer outro problema na usina.

O sr. Jaczko disse que os níveis de radiação podem tornar impossíveis quaisquer ações do que ele chamou de “backup do backup” para resfriar os reatores, medidas que até agora ajudaram a evitar o derretimento do combustível em outros reatores. Esses esforços consistem em usar mangueiras para jogar água no combustível superaquecido, em seguida liberando vapor radioativo na atmosfera.

Essas medidas de emergência, implementadas por um pequeno grupo de trabalhadores e bombeiros, são os principais passos que o Japão está tomando em Daiichi para evitar um derretimento completo, que levaria à liberaçã0 de quantias muito maiores de material radioativo.

O testemunho do sr. Jaczko aconteceu no momento em que a embaixada americana em Tóquio, seguindo aconselhamento da Comissão Reguladora Nuclear, recomendou aos americanos que se retirem de um raio de “aproximadamente 80 quilômetros” da usina de Fukushima.

O pedido representa uma avaliação mais grave sobre os riscos na vizinhança imediata de Daiichi que os alertas feitos pelas próprias autoridades japoneses, que pediram a todos os que vivem num raio de 20 quilômetros da usina para deixar a área e a todos os que vivem num raio entre 20 e 30 quilômetros para procurar abrigo.

O texto completo, em inglês, está aqui.


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Comentários

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kin

Moro aqui no Japão e acompanho as notícias da tragédia de Fukushima-Sendai do jeito que posso… Existem muitas teorias, suposições, terremoto criado pelo Haarp, planeta Nibirus, 2012…Nada comprovado, mas si vocês analizarem os fatos, todo mundo sabe que no universo existem princípios básicos, para um ganhador, um perdedor, o bem, o mal…etc…se aqui no Japão está acontecendo está enorme tragédia seguida da primeira maior crise econômica pós guerra, alguém, ou melhor dizer, um país, estará lucrando com tudo isso, acredito que o governo Japonês está de fato omitindo a verdadeira situação, mas também acredito que os outros países estão aproveitando deste acidente nuclear para desmoronizar o país.

urbano

Quando os russos fizeram o mesmo jogo em Chenobil era por causa do comunismo. E agora? O japão faz esse jogo de desinformação porque é uma democracia?

tukinhajp

moro na provincia de Aichi-ken e não entendo nada do que falam na TV sobre a radiação, será q aqui em aichi tbm tem perigo de contaminação? a população esta desesperada por aqui, estão estocando agua, arroz e enlatados..nos mercados quaze não se encontra mais essas mercadorias, alem de lanternas, fogão portatil, etc…falam de uma probabilidade de agua contaminada, eu não estendo nada…pra mim o governo japones esta escondendo mta coisa…falam que em alguns lugares a radiação é nociva a saude, mas existe mesmo radiação nociva?

Q Deus proteja a tds por aqui!

Mauro Toshiuki

O Brasil sempre na contra mão da história, dos fatos e dos acontecimentos parece caminhar para o investimento em algo que o mundo vai abandonar assim que puder. Os países usam essa tecnologia ou por falta de opção ou para poder desenvolver em paralelo o uso bélico-militar dessa tecnologia, portanto se o Brasil não for produzir ogivas atômicas e principalmente tecnologia em mísseis e em balística não se justifica investir tanto em algo que não teremos para quem vender, as potências não vão comprar e os países pobres vão ter medo de usar, aí teremos desenvolvido o que ninguém quer.

    Arthur Schieck

    Abrir mão de dominar essa tecnologia é de uma burrice sem tamanho.
    O mundo não é cor de rosa e o Brasil agora tem todo o pré-sal pra proteger. Os submarinos atômicos são fundamentais pra isso. É uma vantagem militar que irá garantir nossa soberania.

    Peres

    Enquanto o homem pensar em soberania com vistas militares estaremos fadados as mazelas de nossos tempos… infelizmente tem desculpa pra tudo! Preferimos manter nosso foco tecnologico para armas de destruição em massa… ah se usasemos a mesma determinação pra acabar com a fome e miséria do mundo!

Gerson Carneiro

Sobre o desastre nuclear no Japão digo que só há uma certeza: superou o impacto da revelação do Terceiro Segredo de Fátma, em 13/05/2000.

Sorry, papa João Paulo II.

Klaus

Previously on Lost!![youtube OZaXzM2o5Ew http://www.youtube.com/watch?v=OZaXzM2o5Ew youtube]

    Taques

    Bela sessão de humor.

    Valeu, quase morri de rir !!!

Aurélio Matos

Caso vocês não tenham entendido a gravidade da situação no Japão:

Cada reator da usina de Fukushima tem uma espécie de "piscina" em cima dele, onde são guardadas as barras de urânio já utilizadas no reator, mas que continuam sendo radioativas (apenas já não tem mais as qualidades desejadas para operação comercial).

Acontece que, devido ao aumento do calor nos reatores, toda a água dessas piscinas evaporou. Isso é terrível. Essas barras de urânio usadas não podem ficar expostas ao ar, precisam estar submersas. A exposição delas pode fazer com que elas se tornem ativas de novo, alcançando novamente a "massa crítica" para uma reação nuclear em cadeia.

Se isso acontecer, Chernobil vai parecer um passeio no parque. Será MUITO pior do que Chernobil. Talvez os 30 milhões de habitantes de Tóquio tenham que ser evacuados.

    Marcelo Fraga

    O reator de Chenobyl literalmente explodiu pois a pressão no vaso aumentou muito devido ao vapor. Se em Fukushima não há mais água, esse perigo não existe. Foi a explosão em Chernobyl que expôs toda aquela radiatividade à atmosfera.
    Além disso, não há o perigo de uma "bomba" com o combustível usado porque o enriquecimento dele não passa de 30%. Em uma bomba de verdade, o urânio tem que ser +90% enriquecido.

    Marcelo de Matos

    Marcelo, não tenho conhecimentos técnicos como você, mas, não arriscaria a dizer: "Se em Fukushima não há mais água, esse perigo não existe". Os especialistas da França e dos EUA, por exemplo, entendem que a situação é crítica e "imprevisível", como disse o Príncipe Akihito. Os especialistas têm uma visão ideológica ( mal resolvida), quando tentam dizer que não é possível comparar Fukushima com Tchernobil. Há detalhes técnicos, como você mostrou, mas, basicamente, tanto os equipamentos ucranianos, quanto os nipônicos, são obsoletos. Na essência, a desgraça é a mesma. Não vamos fazer lobby a favor da energia nuclear.

    Marcelo Fraga

    Sem dúvida que há um enorme perigo de um grande acidente nuclear. Entretanto, o grande problema de Chernobyl foi a explosão que lançou a chamada cinza atômica na atmosfera, e com a ação dos ventos essa se espalhou pela região toda.
    Em Fukushima, se o combustível vier a derreter, pelo menos não entrará em contato direto com a atmosfera.

    Abs.

    Túlio Barbosa

    Não precisa explodir. Basta que as barras de urânio usadas, que estão amontoadas nas piscinas, comecem a bombardear neutrons umas nas outras. Teremos um altíssimo nível de radioatividade escapando das piscinas, sem nenhum tipo de blindagem ou proteção. A contaminação dos arredores será fenomenal. A radiação certamente atingirá Tóquio.

FrancoAtirador

.
A Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos aconselhou à embaixada norte-americana que recomendasse aos norte-americanos que mantivessem distância a um raio de 50 milhas da usina de Fukushima.

Pelo sistema métrico inglês:

1 milha = 1,6 Km

50 milhas = 80 Km

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    Luiz Carlos Azenha

    Obrigado, já corrigimos. abs

Taques

Que a misericórdia infinita de Deus alcance todo o Japão.

A situação do governo japonês é dramática.

Sei lá, as vezes trata-se de uma estratégia em não divulgar subitamente a real situação do acidente nuclear para não gerar um pânico generalizado na população.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Uma coisa é fazer sensacionalismo, aterrorizando a população,

    ao inventar terremotos e tsunamis no Rio de Janeiro, como fez a RGTV.

    Outra coisa é um governo, como o japonês, sob o pretexto de "não gerar um pânico generalizado na população",

    não revelar a verdade, colocando em risco os habitantes do país.
    .
    .

Melinho

ENTENDA DE ONDE VEM AS PRESSÕES CONTRA BELO MONTE

Lobby da indústria nuclear no Brasil é violento, diz ex-diretor de Angra

Dayanne Sousa – No JB online

PublicidadeSÃO PAULO – O medo de um grande acidente nuclear que hoje vive o Japão deveria desestimular projetos de construção de usinas nucleares no Brasil, opina o professor Joaquim Francisco de Carvalho. Ele, que já foi um dos diretores da empresa responsável pelas usinas de Angra 1, 2 e 3 (antiga Nuclen, hoje chamada de Eletronuclear), acredita que o Brasil não precisa correr tamanho risco e revela: "Há um lobby violentíssimo da indústria nuclear".

Pois é. São os lobistas da indústria nuclear, aliados à velha mídia (o famoso PIG), ao PSDB, DEM, PV que são contra à construção da usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ainda ontem eu vi um vídeo no blog da Dilma Presidente (salvo engano) com um lobista dando uma explicação mirabolante sobre porque não devemos ter medo da energia nuclear. A comparação que ele fez entre a energia gerada pelos reatores nucleares, pelas termoelétricas e pelas hidrelétricas foi uma (des) graça. Ele não disse, por exemplo, que a energia nuclear é, no atual quadro econômico mundial, a mas cara delas. Disse que uma barragem de uma usina hidrelétrica pode também ceder durante um terremoto, o que é verdade. Mas esqueceu de dizer que a energia hidrelétrica continua sendo a mais barata, a mais limpa e a mais segura.

Também não disse que radiação não tem cor, cheiro ou sabor e que a radiação que foi liberada dos reatores de Fukushima vai provocar câncer em muita gente nos próximos anos. Também não disse que muitas das crianças japonesas que nascerão no futuro serão portadoras de deformidades. E tudo isto por conta da radiação que vazou de Fukushima.

E que o Brasil com o seu potencial hidrelétrico pode esperar mais um pouco pela energia nuclear. Isto porque a pesquisa no campo da utilização do tório (atualmente a obtenção de energia nuclear é feita pela FISSÃO dos átomos de urânio) como combustível nuclear vai receber, depois do acidente no Japão, um aporte financeiro considerável. E os pesquisadores provavelmente voltarão a pensar no processo de FUSÃO do átomo. A China já anda pesquisando a utilização do tório há algum tempo. O Brasil tem gente qualificada para entrar de cara nesta pesquisa.

Portanto, lembrem-se disto: tem muito dinheiro por trás dessa resistência à construção de mais usinas hidrelétricas no Brasil.

    Gustavo Pamplona

    Melinho… muito obrigado pela informação… (sem ironias, tudo bem?)

    Mas o mais interessante é que tem muito esquerdista por aí que vive querendo que o Brasil construa uma bomba atômica.

betinho2

FORA DE PAUTA

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Leia mais em: EskerdoNews http://esquerdopata.blogspot.com/

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