Emir Sader: Os eixos da política externa brasileira

Tempo de leitura: 3 min

A nova política externa brasileira começou com a inviabilização da Alca e o privilégio dos processos de integração regional, que deu início a um movimento de reinserção internacional do Brasil. No novo desenho do mundo depois do fim da bipolaridade da guerra fria, a América Latina tornou-se uma vítima particular do globalização, em que se uniram os países do centro do capitalismo, concentrando ainda mais o poder e a riqueza no mundo. As crises financeiras e a ação do FMI e do Banco Mundial serviram para quebrar o ciclo expansivo que os países do continente tinham tido desde a década de 30 até o término da década de 70 do século passado. O endividamento foi instrumento da consolidação da submissão e do bloqueio das possibilidades de continuidade do desenvolvimento econômico e, principalmente, de políticas redistributivas.

O espaço conquistado para os processos de integração regional passou a ser uma condição indispensável para a implantação de um modelo econômico-social que retomou a expansão econômica estreitamente vinculada à expansão do mercado interno de consumo popular. Se rearticulavam assim as políticas externa e interna, a política internacional e o modelo econômico-social – fórmula fundamental dos governos pós neoliberais latino-americanos.

Além das consequências no plano interno, que passaram a mudar positivamente a fisionomia do continente, a nova inserção internacional se desdobrou na prioridade de aliança com o Sul do mundo – com países da Ásia e da África. No conjunto, esses dois movimentos de reorientação das prioridades brasileiras trouxeram no seu bojo outra novidade importante: a contribuição à construção de um mundo multipolar.

A vitória do bloco ocidental na guerra fria propiciou o mundo voltar à hegemonia de uma única potência, a um mundo unipolar, sob hegemonia da maior potência imperial da história – os EUA. As duas décadas transcorridas desde então viram um mundo de guerra e não de paz. As maiores violações dos direitos humanos foram produzidos pela hegemonia imperial norteamericana: no Iraque, no Afeganistão, em Guantanamo. Diante das situações de conflito, os EUA buscaram resolvê-las através da militarização do conflito.

A política externa brasileira foi ganhando uma configuração mais clara, que assumiu, tacitamente, que o objetivo central da democratização das relações internacionais é a criação de um mundo multipolar, superando a unipolaridade dirigida pelos EUA atualmente vigente. Para isso, é indispensável buscar soluções políticas, pacíficas, de negociações, em que todas as partes envolvidas sejam ouvidas e atendidas. Que se supere o marco atual, em que os EUA são o principal agente dos conflitos – mediante sua militarização – e, ao mesmo tempo, pretendem agir como intermediários para a paz – de que o caso da Palestina é paradigmático.

Foi essa orientação que permitiu a projeção internacional da política exterior brasileira, mais além das nossas fronteiras e mesmo da América Latina. Aqui, buscamos protagonizar soluções políticas aos conflitos e construir espaços nossos nessa direção – como a Unasul e o Conselho Sulamericano de Defesa -, em que, pela primeira vez, a região constrói um espaço de discussão e soluções dos seus conflitos sem a presença dos EUA – marcante na OEA. Vários conflitos – como aqueles entre a Colômbia, o Equador e a Venezuela, os conflitos internos à Bolívia, entre eles – encontraram seu formato adequado para soluções vitoriosas e consensuais.

Gestos como o de Lula dormindo na Palestina, além de reconhecer oficialmente o Estado palestino, foram seguidos pelo mesmo reconhecimento por parte de grande quantidade de governos, preparando as condições para que a Assembleia Geral da ONU reconheça a Palestina como um membro pleno e a Palestina assuma a formalização do seu Estado.

As tentativas de negociação do Brasil junto com a Turquia, para buscar uma solução negociada para os conflitos entre os EUA e o Irã, revelaram como esses caminhos são possíveis, que a entrada nas negociações dos conflitos internacionais de outros governos é fundamental para desbloquear as situações que parecem estar em círculos viciosos.

Não por acaso Lula passou a ser considerado o estadista mais importante no mundo contemporâneo e Celso Amorim foi considerado o melhor Ministro de Relações Internacionais do mundo.

A definição dos direitos humanos como centro da nossa política internacional tem sua lógica, articula prioridades internas com as externas, se soma a um amplo movimento mundial a favor dos direitos humanos. Porém, coloca alguns problemas que precisam ser tematizados.

No discurso, a posição intransigente dos direitos humanos, não importando o país que afete esses direitos, é equilibrada. Porém, ela não se insere em um mundo vazio, mas o faz em um mundo já constituído, com relações de poder definidas, extremamente assimétricas. A decisão de enviar um relator sobre a situação dos direitos humanos no Irã, por exemplo, – que foi apoiada pelo Brasil -, não encontra correspondência em uma decisão similar em relação, entre outros casos gravíssimos de violação dos direitos humanos, como Guantânamo e a Palestina.

Dessa forma, a definição dos direitos humanos como centro da nossa política externa ou é acompanhada de iniciativas em relação a casos como os mencionados e outros, ou se torna unilateral, caindo nos dois pesos e duas medidas, que tanto tem marcado a política internacional, especialmente quando se trata de casos que envolvem os EUA.

Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP – Universidade de São Paulo.


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Comentários

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Corrupto

Sou um grande admirador do trabalho do petista Emir Sader, sem dúvida um dos maiores pensadores da vida política nacional.

É de grande valia e me sinto de alma lavada quando leio essas sábias palavras desse grande analista de nosso cotidiano nacional, um grande quadro que o PT dispõe, deveria ser mais ouvido.

É amigo pessoal do ex presidente Lula, um conselheiro e tanto.

Enquanto isso, como anda a turma que tira os sapatos hein?

    Klaus

    Não sei, mas aquele pessoal que se deixou revistar pela segurança americana no Brasil está bem, não se preocupe.

    Julio Silveira

    E verdade Klaus nesse interim, e parece que em muitos outros houve uma completa assimilação de metodos e posturas.

    Alexei_Alves

    exceto pelo dodói no orgulho

Regina Braga

O EUA grita…e o Patriota sai correndo.Voltou o colonialismo.Mandam agentes do DEA para entrar ilegalmente no país(wikileaks),dão ordens de invasão dentro do território, e o mais grave,revistam os nossos Ministros…Para o império tudo é possivel e permitido. Para o Brasil,um pouco mais de intimidade com a política de Celso Amorim,poderia trazer ganhos mais efetivos.

    Fabio

    Regina, concordo, a politica externa de nosso pais neste governo Dilma esta vergonhoso.
    Saudades do Lula e do Amorim.
    Este Patriota é realmente um Patriota Americano.
    Vergonhoso esta politica externa.
    Acorda Dilma..

Carlos Mundim

Bateu uma saudade do Celso Amorin e do Presidente Lula mas antes de ir dormir gostaria de fazer uma perguntinha ao atual chanceler brasileiro.

Dear Mr Patriot,

Could you please advise who authorised you to change the course of Brazil's foreign policies set by President Lula and Mr Amorin? Is Brazil giving up and realigning our hard won independent doctrine with the USA's objectives or are you just following advices from our media conglomerates with the blessings from your boss?

I believe the voters who elected the government you serve deserve some explanation regarding this change of course in our diplomacy.

Yours truly,

Another baffled Brazilian

    Fabio

    Com o Antony Patriot so mesmo falando em ingles,huahuaha
    Porque portugues ele nao entende nada.

    João

    só acho q vc está perguntando pra pessoa errada…

    o "atual chanceler brasileiro" tem uma chefe: a "atual presidente brasileira", q é, em última instancia, responsável pela "linha" diplomática do seu governo!

    q tal perguntar a ela?

    e quer uma sugestão?

    manda o texto em portugues… é menos pedante e mais fácil pra Dilma entender…

tiago tobias

Lembrando que a ordem de ataque à Líbia foi dada por Obama aqui em nosso território (o que configura desrespeito sem tamanho com a nossa soberania), e a Dilma e o Patriot nada fizeram, só uma notinha, nenhuma declaração pública, condenando o ataque…

Será que o Patriot vai até a ONU chiar contra os sequestros da CIA de suspeitos de "terrorismo" ao redor do mundo? Quando o mundo condenará Guantánamo?

    João

    Lembrando que a ordem de ataque à Líbia foi dada por Obama aqui em nosso território (o que configura desrespeito sem tamanho com a nossa soberania)

    se Obama, Presidente em exercicio dos EUA (em qualquer lugar do mundo q ele esteja) deu a ordem pra atacar a Libia enquanto estava em território brasileiro, onde, em nome de Deus, está configurado desrespeito à nossa soberania?

    pelamordeDeus, né?

    menos, TT… BEM MENOS!

    tiago tobias

    Olá João. Acho que você não entendeu o que eu quis dizer. Quando me refiro à ordem de ataque que partiu de Brasil e considero isso como uma fronta à soberania, venho dizer que o Obama foi cordialmente recebido pela presidenta Dilma, (que fez vista grossa tanto ao ataque quanto a repressão desencadeada pelas pessoas que protestavam contra a visita do magnifico dono do mundo, nas ruas do rj), e que esse imbecil deveria ao menos, saber, que não concordamos com a guerra do Iraque durante o governo do bush filho, nem concordamos com qualquer ingerência estrangeira em assuntos internos. Por sorte, nossa política externa é mais conciliatória do que bélica, acreditamos mais no diálogo do que na agressão, como ficou explicitado durante os 8 anos da dupla Lula / Amorim.

    Diante de mais um crime cometido contra a humanidade pela OTAN e os lunáticos do império, que foi autorizado aqui em nosso solo, considero sim, que foi um desrespeito à posição do Brasil na política mundial. O Obama que fosse para a Inglaterra, para a França…E o que mais me deixa p…nervoso com o Patriot, é que esse crime não foi condenado de forma veemente. É uma notinha e só. Cacilda, estamos falando de um ataque contra outro país, onde pessoas estão morrendo pelos bombardeios…Qual o medo dos governantes que não concordam com essa postura de condenar, em pedir julgamento em cortes internacionais? Ah, temem que a relação se azede…A política externa não pode ser seletiva. Condena-se o Irã? ótimo. Mas condene-se também a Arábia Saudita, o Iêmen e os Estados Unidos.

    João

    Uma coisa é discordar dos metodos americanos e discordo de um monte deles (como a invasão do Iraque)… e, na minha opinião, o fato de uma determinada ordem ter sido dada durante a visita ao Brasil não aumenta (ou diminui) a minha revolta…

    o q vc sugeriria?

    q Obama não viesse ao Brasil?
    q ele adiasse a ordem até sair do espaço aéreo brasileiro?
    q ele desse um pulinho na Embaixada americana (solo americano) pra dar a ordem?

    convenhamos q não dá, né?

    mais uma vez:

    vc pode ser a favor ou contra o ataque… mas dizer q nossa soberania foi desrespeitada, não cabe!

    sobre a sua revolta com Patriota, desculpe… vc está direcionando a revolta pro alvo errado!

    a chefe do executivo e chefe de Patrota é a Dilma!

    Alexei_Alves

    Tobias 10 x Trolls 0

    João

    AlecNÃOsei…

    vc por aqui!?

    contribuindo com a sua nulidade!?

    rsrsrsrs

    Klaus

    Quanta besteira, o que a soberania tem a ver com isto? O mundo acabando e Obama não poderia dar uma ordem por estar fora dos EUA? Em que mundo vivem certas pessoas, meu Deus?

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